segunda-feira, 3 out 2016
A coisa está feia. Muito feia. Embora a situação do Deutsche Bank já estivesse
grave há mais de um ano, foi apenas muito recentemente que grande mídia começou
a abordá-la em suas páginas financeiras.
A situação, que já era ruim, foi piorada ainda mais
pela multa
de US$ 14 bilhões aplicada ao banco pelo Departamento de Justiça
americano. Isso criou um problema
imediato. E em um péssimo momento. Um ano atrás, essa multa poderia ter sido paga
sem criar um maremoto internacional; hoje, com o banco bem mais
descapitalizado, sem chance.
A questão mais premente é: e se o governo não fizer
nada? E se não houver um pacote de
socorro? Todo o dominó irá cair?
Como dito neste artigo:
Se o
Deutsche Bank quebrar e o governo alemão nada fizer para socorrê-lo, isso será
um devastador golpe à maior economia da Europa — e ao sistema financeiro
global. Ninguém realmente sabe quais seriam as perdas totais e qual será
o impacto sobre todo o sistema financeiro. Certamente, seria um golpe
fatal para o sistema bancário italiano. Os bancos franceses e espanhóis
seriam os próximos. Pior ainda: a economia da zona do euro, com a França
e Itália de volta ao crescimento zero e ainda lidando com o impacto do Brexit,
dificilmente está em boa forma para absorver um choque desta magnitude.
Esse é um bom ponto: a ameaça de os bancos italianos
quebrarem é enorme. O sistema bancário
italiano é muito maior que o da Grécia.
Depois da Itália vem a Espanha. E
depois a França. Todo operador de hedge fund
sabe disso. A zona do euro tem como elo
uma moeda comum. Contas-correntes podem
ser abertas e fechadas em qualquer país da zona do euro por qualquer residente
de qualquer país. A Grã-Bretanha nunca
se juntou a isso. Os outros 17 países,
sim.
Eis a encrenca: se o Deutsche falir, grandes
correntistas (aqueles que têm mais de 100 mil euros depositados) terão suas
contas bancárias confiscadas, com esse montante sendo incorporado ao patrimônio
líquido do banco. Essa prática passou a
ser chamada de bail-in, em
oposição ao bail-out, que ocorre
quando o banco é socorrido com o dinheiro de impostos e seus correntistas nada
perdem. Logo, a única maneira de
correntistas do Deutsche escaparem de um bail-in
é tirando o dinheiro do banco e o redepositando em outro banco. Isso, obviamente, seria uma corrida bancária. Corridas bancárias são fatais a um banco.
A falência de um banco do porte do Deutsche pode
desencadear corridas em outros bancos. E
então começa o efeito dominó. Para
aqueles bancos solventes, que receberão todo esse dinheiro sacado dos bancos
insolventes, tudo será um ótimo negócio.
Para os bancos que sofrerem as retiradas, tudo será péssimo.
Matthew Lynn conclui:
A cruz e
a espada são as opções de Merkel. Um colapso do Deutsche facilmente
aniquilaria sua carreira política. Por outro lado, seu resgate poderia
significar o fim do euro e da União Europeia.
Há anos eu digo isso sobre Merkel: "Seus lábios
dizem 'não, não', mas seus olhos dizem 'sim, sim'." Ela fala como uma alemã durona, e depois se
rende como uma francesa presenteada com um Chanel #5 em 1946.
Tudo dependerá de seu julgamento. Se ela nada fizer, e o Deutsche quebrar e aplicar
um bail-in a seus correntistas, isso
enviará uma mensagem para todos os outros bancos da zona do euro: "apertem os
cintos". Também enviará uma mensagem
para os correntistas: "Saiam e salvem-se enquanto puderem".
O
desenrolar
O mais provável é que o governo alemão socorra o
Deutsche Bank. E é provável que o
Commerzbank, o segundo maior banco do país, esteja em situação igualmente
ruim. Suas
ações estão desabando.
Mas se o governo alemão intervier, os correntistas
europeus farão a si próprios a seguinte pergunta: quais bancos são seguros?
Qualquer cidadão europeu pode depositar euros nos
bancos de qualquer país da zona do euro. Mas em quais bancos?
De quais países?
A Alemanha sempre foi vista como a mais sólida nação do bloco, e seus
bancos, os mais seguros.
Alguns hedge funds já começaram a tirar seu dinheiro
do Deutsche Bank. Segundo a Bloomberg:
Estes
fundos, que fazer parte de um subsistema dos mais de 800 fundos que são
clientes do banco no setor de hedge fund, já retiraram parte de seus
derivativos e os moveram para outros bancos, de acordo com um documento interno
do banco a que a Bloomberg News teve acesso.
Dentre eles, $ 34 bilhões do Millennium Partners, $ 4 bilhões do Rokos
Capital Management, e $ 14 bilhões do Capula Investment Management, disse uma
pessoa familiarizada com a situação e que pediu para não ser identificada
falando sobre assuntos confidenciais relacionados a clientes.
Ao retirar dinheiro de um banco, você tem de
redepositá-lo em outro banco. Estamos
falando de dígitos eletrônicos. Não há
dinheiro de papel nessa quantia. E não
há como sacar dinheiro de papel nesse volume.
Portanto, as pessoas lidam apenas com dígitos eletrônicos. Ao retirar seus dígitos eletrônicos do Banco
A, você necessariamente tem de colocá-lo no Banco B. Isso ocorre de maneira praticamente
simultânea. Consequentemente, quando
isso ocorre, o setor bancário como um todo não corre risco. A oferta monetária não se altera. Mas toda a confiança se evapora.
Mas há um detalhe: se um banco do porte do Deutsche
vai à falência, aí sim todo o sistema bancário é afetado. Como explicado aqui:
Se o
Deutsche Bank quebrar, vários outros bancos que lidam com ele podem ir
junto. Todos os bancos (e também empresas) que possuíam ativos do
Deutsche Bank teriam seu capital imediatamente reduzido. Ficando
descapitalizados, sua capacidade de conceder novos empréstimos seria
substantivamente reduzida: os bancos teriam de restringir novos empréstimos e
requisitar a quitação antecipada de empréstimos pendentes, pois agora seu capital
sofreu uma redução.
E, dado
que o sistema bancário trabalha com reservas fracionárias, tal medida
inevitavelmente iria gerar um processo deflacionário, pois isso faria com que
várias contas-correntes que foram criadas para esses empréstimos fossem
encerradas. Na prática, os bancos estariam requisitando a devolução de um
dinheiro que está na economia.
Por isso,
praticamente nenhum governo permite a quebra de um grande banco. As
consequências para a economia podem ser devastadoras: a acentuada deflação
monetária que isso geraria poderia levar a economia para uma profunda
depressão.
Não visualizo nenhum sistema bancário de nenhum país
da zona do euro sendo capaz de concorrer exitosamente com a Alemanha. A Holanda possui bancos prudentes e
conservadores, mas são pequenos. A
Áustria também é conhecida por seus bancos conservadores, mas é muito provável
que seu dinheiro esteja dentro de bancos alemães.
Se o governo alemão deixar o Deutsche quebrar, isso
enviará um mensagem para os correntistas dos outros países: a Alemanha não é
mais um porto seguro. Correntistas —
principalmente os grandes correntistas — terão de ser ainda mais cautelosos e
planejados ao selecionarem seus bancos. Só
que hoje não lhes resta muito tempo para fazer isso. O bail-in
pode acontecer a qualquer momento. Eles
têm de abandonar o navio antes que ele afunde e leve consigo seus depósitos.
Os mais sagazes, que já haviam percebido isso há
mais tempo, já estavam direcionando seus dígitos eletrônicos para os títulos
públicos do governo alemão, cujos juros, por causa de tamanha demanda,
adentraram em território negativo. À época, alertei que
isso era um sintoma de que havia uma grande desconfiança em relação ao sistema
bancário da região. Com os bancos sendo obrigados a pagar juros ao
Banco Central Europeu — uma prática inédita no mundo, e que está
destruindo seu capital —, isso era algo previsível.
Tudo isso faz o Brexit, olhando em
retrospecto, se revelar uma decisão incrivelmente acertada. Os britânicos nunca se juntaram ao sistema
monetário da zona do euro. Sua opção por
sair da União Europeia não
gerou nenhuma crise na Grã-Bretanha.
Toda a ameaça de que haveria uma profunda recessão e uma crise de
comércio era uma completa tolice. Os
indicadores econômicos britânicos melhoraram. A bolsa subiu e teve seu melhor
trimestre desde 2013.
Agora que os bancos alemães estão em situação
periclitante, os britânicos viram da encrenca da qual escaparam. Se os bancos mais fortes da zona do euro
estão em crise, o que pensar dos bancos da Espanha, da Itália, de Portugal e
da França?
Isso está enviando sinais de alerta para os
eurocratas. A União Europeia e suas
burocracias estão cambaleantes. Os
benefícios de se permanecer na UE não serão claros se o sistema monetário e
bancário da zona do euro se desmoronar.
As nações irão exigir soberania sobre seu sistema bancário. Isso significaria um retorno aos bancos
centrais nacionais autônomos e suas moedas nacionais.
Merkel pode assegurar o quanto quiser a seus
eleitores de que seu governo não socorrerá o Deutsche Bank com dinheiro
público. Ela irá recuar tão logo
perceber que a alternativa é a falência.
O banco hoje deve US$ 14 bilhões ao Departamento de Justiça americano. E a capitalização total do banco é de US$ 14
bilhões.
Tudo parecia muito fácil em 2007, quando as ações do
banco valiam 100 euros. Hoje, estão ao redor de 10.
No cerne do globalismo (não confundir globalismo com
globalização; globalismo é a política internacionalista, implantada por
burocratas, que vê o mundo inteiro como uma esfera propícia para sua influência
política) estão os bancos. Falências
bancárias revelariam os instáveis pilares do experimento globalista. É por isso que a crise do Deutsche Bank se
estende para além de seus correntistas, cujo capital está em risco. Ela pode se espalhar para todos os bancos da
zona do euro.
Mario Draghi prometeu em 2012 fazer "o que for
necessário" para salvar o euro e a União Europeia. Essa promessa hoje se mostra
problemática. Estamos falando de bancos
grandes. O fato de que eles estão tendo
problemas sete anos após a "recuperação" econômica é algo nefasto. Eles já deveriam estar sólidos. Estão é ficando mais doentes.
O
grande problema das exportações alemãs
A Alemanha exporta praticamente metade do seu PIB —
uma cifra impressionante para um país grande.
Ela possui seguidos superávits comerciais. Isso significa que as empresas alemãs
exportadoras têm de abrir contas em bancos estrangeiros.
[N. do E.: Quando
um brasileiro exporta soja para os EUA, não entram dólares na sua conta bancária
aqui no Brasil. O dólar não é moeda
corrente aqui e nem na esmagadora maioria dos países do mundo. Sendo assim, o dólar não "entra" nesses
países via sistema bancário e nem muito menos sai do sistema bancário
americano.
O que ocorre na prática é que o exportador
brasileiro recebe dólares em uma conta bancária no exterior. Ato contínuo, ele pode decidir entre vender a
posse desses dólares para outra pessoa (normalmente para um banco brasileiro ou
para um importador brasileiro, que então depositará reais em sua conta em um
banco brasileiro) ou manter esses dólares em sua conta, decidindo investir
esses dólares na própria economia americana (comprando ações, debêntures ou até
mesmo títulos do governo americano.
Funciona
assim no mundo todo.]
Um superávit comercial, portanto, significa que as
empresas exportadoras do país exportador têm de comprar ativos financeiros nos
países que estão tendo déficits comerciais.
No caso da Alemanha, há vários desdobramentos. Se os bancos alemães quebrarem, toda a
economia da zona do euro será afetada. Não
só as economias de Itália, Espanha e França serão duramente atingidas, como também
seu sistema bancário será afetado.
Consequentemente, os investimentos que as empresas alemãs
fazem nestes países será duplamente afetado: as economias estarão encolhendo e seus
bancos — que é onde está o dinheiro das
empresas alemãs — estarão sob crescente rico.
Ato contínuo, as empresas alemãs não apenas ficarão
a descoberto caso os bancos estrangeiros nos quais elas têm dinheiro depositado
comecem a quebrar, como também seus investimentos nas economias locais estarão dando
prejuízo. Isso fará com que as empresas
alemãs encerrem seus investimentos e tragam seu dinheiro de volta para os
bancos alemães. Isso, por sua vez,
acelerará a implosão dos bancos estrangeiros.
Mais: irá afetar o superávit comercial da
Alemanha. E isso irá afetar o principal
pilar da economia alemã: suas exportações.
Não é só o Deutsche Bank que está em risco. Toda a zona do euro está em risco.
E piora: se as empresas da China não puderem
exportar para a zona do euro, então a economia da China também sofrerá um forte
impacto.
Acho que deu para entender o cenário.
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