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Economia

A situação do Deutsche Bank coloca Angela Merkel entre a cruz e a espada

E os gregos e italianos, ao menos temporariamente, estão tendo algum deleite

28/09/2016

A situação do Deutsche Bank coloca Angela Merkel entre a cruz e a espada

E os gregos e italianos, ao menos temporariamente, estão tendo algum deleite

Há algumas palavras que, quando colocadas juntas, formam uma dupla sem par.  'Itália' e 'eficiência', por exemplo.  Ou 'Inglaterra' e 'gastronomia'.  E 'Alemanha' e 'crise bancária'.

A imagem que temos dos bancos alemães, e da economia alemã, como sendo sólidos como uma rocha está arraigada em nossa mente, que é difícil acreditarmos que algum deles possa estar com problemas.

E, no entanto, está cada vez mais difícil ignorar este "acidente de trem em câmera lenta" em que se transformou o Deutsche Bank, o maior banco da Alemanha, um dos maiores do mundo, e aquele que já foi visto como a mais robusta instituição financeira da Europa.

Detentor do maior volume de derivativos de toda a Europa, o Deutsche Bank possui elos com praticamente todas as grandes instituições financeiras da região.  O que significa que, se o banco começou a afundar, é porque algo de grande está acontecendo.  E se o banco de afundar, todo um perverso efeito dominó ocorrerá.

As ações do DB já caíram 16% desde o dia 15 de setembro, e já desabaram mais de 20% desde o dia 9 de setembro.  Ou, dito de outra forma, o banco perdeu um quinto de sua capitalização de mercado em menos de duas semanas.

Atualmente, as ações estão em seu menor valor em 20 anos, bem menor do que o valor mínimo atingido no ápice da crise financeira de 2008.  Ontem, segunda-feira, caíram para menos de 10,70 euros.  Há um ano, estavam em 27 euros.

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Ainda mais assustadora é a semelhança com a trajetória do Lehman Brothers, cujo colapso foi o estopim da crise financeira de 2008.

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As eventuais consequências

Ainda durante o último fim de semana, a chanceler alemã Angela Merkel entrou em cena afirmando que não haverá nenhum pacote de socorro do governo alemão ao banco.

Se ela realmente estiver falando sério, então os eventos vindouros prometem ser interessantes.  Se o governo alemão não socorrer o banco -- como realmente não deveria fazê-lo --, todos os outros bancos que transacionam com o DB no mercado interbancário começarão a ficar nervosos e inseguros em lidar com o banco alemão.  E, como hoje já se sabe, o estopim da crise de 2008 começou realmente em 2007, quando a confiança no sistema bancário começou a evaporar.

Se o Deutsche Bank quebrar, vários outros bancos que lidam com ele podem ir junto.  Todos os bancos (e também empresas) que possuíam ativos do Deutsche Bank teriam seu capital imediatamente reduzido.  Ficando descapitalizados, sua capacidade de conceder novos empréstimos seria substantivamente reduzida: os bancos teriam de restringir novos empréstimos e requisitar a quitação antecipada de empréstimos pendentes, pois agora seu capital sofreu uma redução.  

E, dado que o sistema bancário trabalha com reservas fracionárias, tal medida inevitavelmente iria gerar um processo deflacionário, pois isso faria com que várias contas-correntes que foram criadas para esses empréstimos fossem encerradas.  Na prática, os bancos estariam requisitando a devolução de um dinheiro que está na economia.

Por isso, praticamente nenhum governo permite a quebra de um grande banco.  As consequências para a economia podem ser devastadoras: a acentuada deflação monetária que isso geraria poderia levar a economia para uma profunda depressão.

E, dado que a atual situação dos bancos europeus já é delicada, por causa da política de juros negativo do Banco Central Europeu, a eventual quebra de um gigantesco banco alemão seria a pá de cal sobre a economia da região.

As causas

O Deutsche Bank vem cambaleando há mais de um ano.  Ainda em julho, o banco alemão anunciou uma acentuada queda em suas receitas e lucros.  Em fevereiro, em meio a uma derrocada no preço de suas ações, um de seus executivos-chefes, John Cryan, emitiu um comunicado assegurando aos seus funcionários e investidores que a instituição estava "sólida como uma rocha".  Qualquer pessoa que se lembre de 2008 sabe que isso é exatamente o tipo de coisa que um CEO de banco diz imediatamente antes de a coisa toda explodir.

Desde então, as notícias variam de ruins a péssimas.  Para começar, o banco levou uma série de "calotes brandos" de países periféricos da zona do euro, majoritariamente da Grécia e da Itália, que tiveram o valor de sua dívida reestruturada para baixo.  Adicionalmente, há suspeitas de que o banco está com problemas em seus derivativos relacionados à taxa Libor e ao mercado de câmbio.  Para culminar, no início de setembro, o Departamento de Justiça americano impôs ao banco uma multa de US$ 14 bilhões relacionada à venda de títulos hipotecários.

O banco está tentando cortar custos e restaurar sua lucratividade, mas, até o momento, não tem sido bem-sucedido.  Especula-se que ele nem sequer tenha o dinheiro para pagar a multa do Departamento de Justiça americano.

A encruzilhada de Merkel

Um recente artigo na revista Focus relata que altos funcionários do governo alemão garantem que a chanceler Angela Merkel está irredutível em sua decisão de não socorrer o banco.  Não haveria assistência caso o banco não conseguisse elevar seu capital -- necessário para se manter solvente -- e o governo alemão também não está planejando intervir para reduzir a multa imposta ao banco pelo governo americano.  Se o banco está com problemas, então ele está por conta própria.

A postura de Merkel é compreensível: afinal, se ela socorresse o banco, ela seria vista pela Europa e por todo o mundo como uma grande hipócrita.  A Alemanha, com Merkel à frente, sempre se posicionou como a guardiã da responsabilidade financeira na zona do euro. 

Ainda ano passado, a Grécia enfrentou uma crise bancária que não só manteve os bancos fechados por algumas semanas, como ainda esvaziou completamente os caixas de atendimento automático.  A Alemanha foi inflexível em não permitir resgates ao país

Este ano, está ocorrendo uma crise bancária na Itália: seu banco mais antigo, o Banca Monte dei Paschi di Siena, está insolvente.  A Alemanha foi irredutível: as regras da zona do euro dizem que os correntistas do banco é que devem arcar com as perdas quando o banco se torna insolvente. 

[N. do E.: em termos práticos, o dinheiro que está na sua conta-corrente, na sua conta-poupança ou em CDBs é confiscado de você e incorporado ao patrimônio líquido do banco, aumentando seu capital.  O dinheiro que até então era contabilizado como um passivo para o banco torna-se um patrimônio líquido do banco.  Foi isso o que aconteceu no Chipre em 2013.  Esse método é chamado de bail-in].

Se o governo alemão, após tudo isso, decidir socorrer seu próprio banco, ao mesmo tempo em que negou socorro aos bancos dos outros países, a medida parecerá, para ser bem brando, um pouco incoerente.  No mínimo, as pessoas começarão a pensar que há uma regra exclusiva para a Alemanha e outra para todo o resto.  Com efeito, seria impossível continuar mantendo uma linha-dura em relação à Itália e à Grécia.

Por outro lado, se o Deutsche Bank quebrar e o governo alemão nada fizer para socorrê-lo, isso será um devastador golpe à maior economia da Europa -- e ao sistema financeiro global.  Ninguém realmente sabe quais seriam as perdas totais e qual será o impacto sobre todo o sistema financeiro.  Certamente, seria um golpe fatal para o sistema bancário italiano.  Os bancos franceses e espanhóis seriam os próximos.  Pior ainda: a economia da zona do euro, com a França e Itália de volta ao crescimento zero e ainda lidando com o impacto do Brexit, dificilmente está em boa forma para absorver um choque desta magnitude.

O fato é que, de certa forma, uma "crise bancária alemã" traria, ainda que brevemente, algum deleite para italianos e gregos, que sempre receberam duros sermões da Alemanha sobre "se ater às regras da União Europeia", para não mencionar as recorrentes admoestações do ministro das finanças alemão Wolfgang Schäuble de não utilizar dinheiro público para socorrer bancos, mas sim recorrer ao bail-in.

Conclusão

Se os € 42 trilhões em derivativos -- valor três vezes maior que o PIB da União Europeia -- que estão no portfólio do banco repentinamente perderem sua contrapartida, os danos sistêmicos podem ser sem precedentes.

A cruz e a espada são as opções de Merkel.  Um colapso do Deutsche facilmente aniquilaria sua carreira política.  Por outro lado, seu resgate poderia significar o fim do euro e da União Europeia. 

Olhando em retrospecto, a ironia é interessante: por vários anos, todos os analistas se concentraram na periferia da Europa, imaginando estar ali o maior potencial de contágio bancário.  No entanto, a maior bomba-relógio de todo o setor bancário europeu sempre esteve exatamente no núcleo daquele que era considerado o mais seguro e mais estável país da região. 

Mas, agora, não vai dar para culpar a "falta de regulação"...

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Sobre o autor

Matthew Lynn

É colunista do site MarketWatch

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