quarta-feira, 10 ago 2016
De acordo com as estimativas mais conservadoras, o custo
da Olimpíada no Rio será de
R$
38,26 bilhões. Deste valor,
R$
16,5 bilhões serão custeados conjuntamente pelo governo federal, pelo
governo do estado do Rio de Janeiro, e pela prefeitura da cidade do Rio de
Janeiro.
Em suma, R$ 16,5 bilhões serão bancados pelos
pagadores de impostos de todo o Brasil, do estado do Rio e da cidade do Rio.
R$ 16,5 bilhões, à taxa de câmbio de hoje (10/08),
equivalem a US$ 5,29 bilhões.
Para algumas pessoas que vivem em países ricos, tal
valor pode parecer uma quantia significativa, mas a verdade é US$ 5,29 bilhões
representa uma imensa quantia de dinheiro no contexto da atual economia
brasileira. E também é muito quando
comparado a todo o orçamento do governo federal.
Por exemplo, em 2015, os gastos totais do governo
federal (incluindo o serviço da dívida) foram
de R$ 1,646 trilhão. Isso significa
que todo o gasto público voltado para a Olimpíada (R$ 16,5 bilhões) equivale
a 1% de todo o orçamento federal.
Em termos comparativos, como seria se os EUA
gastassem uma porcentagem igual na Olimpíada?
Os gastos totais do governo federal americano são de
aproximadamente US$ 3,25 trilhões. Se o
setor público americano gastasse 1% do orçamento do governo americano em um
evento esportivo, isso daria US$ 32,5 bilhões. Tal quantia é simplesmente maior que todo o orçamento anual de vários ricos estados
americanos, dentre eles Pensilvânia, Indiana, Novo México, Connecticut, Kansas,
Missouri, Colorado, Maine, Georgia, Nevada e Oklahoma.
Em outras palavras, trata-se de uma quantia
substantiva.
Para efeitos de comparação, vale observar que a Olimpíada
de Atlanta, estado da Georgia, em 1996 — a última Olimpíada sediada pelos EUA
— custou, à época,
US$ 2,6 bilhões, os quais, ajustado pela inflação, equivalem hoje a US$ 3,9
bilhões. Uma parte foi bancada pela
prefeitura, a outra parte pelo governo federal.
Em todo caso, não apenas a quantia nominal foi muito menor que a do Brasil
(US$ 3,9 bilhões contra US$ 5,28 bilhões), como também a porcentagem em relação
ao orçamento total do governo foi minúscula.
Logo, quando comparamos os números, descobrimos que
o setor público brasileiro gastou uma quantia obscena de dinheiro na Olimpíada. E tudo fica ainda mais ultrajante quando se
compara tais cifras à economia brasileira e ao salário
médio de um cidadão brasileiro.
E o que a Olimpíada trará de positivo para os
brasileiros? Bem, se a regra econômica observada
na esmagadora maioria dos países que sediaram grandes eventos esportivos se
mantiver também para o Brasil, então a Olimpíada não trará nada de positivo
para a economia do país. E nem muito
menos para os pagadores de impostos, que foram forçados a repassar dinheiro
para bancar toda a festa.
Contrariamente ao que gosta de apregoar o governo,
as redes hoteleiras, a mídia e as empreiteiras ligadas ao governo, eventos
esportivos não
produzem riqueza para as economias locais:
"Se
há uma área na economia em que há consenso entre os economistas, é esta",
disse Michael Leeds, um economista da Temple University. "Não há impacto".
"Por
exemplo, se todos os times esportivos de Chicago repentinamente desaparecessem,
o impacto sobre a economia de Chicago seria uma fração de 1%", disse
Leeds.
Mas grandes eventos esportivos como as Olimpíadas
são muito piores, pois eles inevitavelmente geram pesados transtornos para a
população local: o comércio local é fechado e há uma pesada militarização da
polícia local para propósitos de "segurança". Aqueles que já
tiveram a infelicidade de morar próximo a estes eventos sabem
que o trânsito pode ficar interrompido por vários dias seguidos, e o comércio
dentro do perímetro de segurança perde todos os seus clientes.
Quando o evento acaba e todos os visitantes vão
embora, o comércio local não vê nenhum benefício que compense o maciço fardo
tributário e o enorme endividamento gerados pelo evento.
Mas há benefícios para alguns grupos de pessoas, é
claro. Os eventos são um parque de
diversões para políticos, empreiteiras e grandes empresários, os quais se
beneficiam imensamente dos lucrativos contratos governamentais para construir (provavelmente
com algum superfaturamento) os estádios, as piscinas e as luxuosas edificações,
nas quais fazem festinhas privadas com os ricos e famosos. Os políticos, por sua vez, recebem os
"agrados" dessas empreiteiras escolhidas.
As redes de hotéis e a própria mídia também se beneficiam
do evento.
Já para os membros do Comitê Olímpico Internacional,
as Olimpíadas são uma festa non-stop,
durante a qual eles vivem na opulência à custa dos pagadores de impostos, os
quais devem se sentir privilegiados por sediar e bancar esse prestigioso
evento.
Esse estilo de vida dos membros do COI não é
novidade nenhuma. Ainda em 2014, a
Noruega desistiu de sua candidatura à sede dos jogos de inverno de 2022 após a
imprensa norueguesa ter vazado a lista de exigências — "típicas de uma diva
de cinema", segundo a própria imprensa — feitas pelos membros do COI,
que exigem várias mordomias, como as melhores comidas e as mais finas bebidas
existentes, bem como o privilégio de usufruírem faixas de trânsito exclusivas
em ruas e estradas. Os pagadores de
impostos noruegueses simplesmente não tiveram o estomago para tolerar as excêntricas
demandas da elite do COI. Tais demandas incluíam:
- Faixas
de trânsito exclusivas deverão ser criadas em todas as ruas e estradas
pelas quais os membros do COI irão trafegar, sendo que estas não deverão
em hipótese alguma ser utilizadas pelos cidadãos comuns ou pelo transporte
público.
- Nos
quartos de hotel dos membros do COI deverá haver uma saudação de boas
vindas feita pelo chefe olímpico local e pelo gerente do hotel, junto com
doces, bolos e frutas frescas da estação.
- Os
membros do COI devem utilizar entradas e saídas exclusivas no hotel e no
aeroporto.
E várias outras.
À época, o jornal canadense The National Post escreveu que
"o Comitê Olímpico Internacional é uma organização notoriamente ridícula
gerida por corruptos e
por aristocratas
hereditários [leia-se: descendentes de ladrões altamente bem-sucedidos
do passado]".
Nada mudou desde 2014, exceto que, agora, os
aspirantes à realeza do COI, em vez de espoliarem a classe média da Europa, estão
tendo seus luxos bancados pelo suor dos trabalhadores pagadores de impostos de
um país que está vivenciando sua pior recessão em 90 anos.
Enquanto os membros do COI degustam champanhe em
suas luxuosas instalações construídas com os impostos dos brasileiros, com suas
despensas fartamente providas e refeições opulentas, será fácil para eles
ignorarem as favelas repletas de brasileiros miseráveis que tiveram o prazer de
pagar por tudo isso.
[N. do E.: vale ressaltar que a maioria dos gastos
foi feita pelos governos estadual e municipal, que têm como suas principais fontes
de arrecadação o ICMS (que é estadual, mas também repassado os municípios) e o
ISS (que supera
o IPTU). Nenhum pobre escapa desses dois impostos.]
Seria algo completamente diferente, é claro, se os
jogos Olímpicos fossem 100% financiados privadamente. Se isso ocorresse, aí sim os jogos Olímpicos
poderiam ser contabilizados como um investimento
na economia local, com turistas estrangeiros gastando seus dólares e o COI
bancando integralmente todas as instalações que utilizou.
Mas não é assim que as Olimpíadas funcionam, de modo
que os brasileiros, assim como os cidadãos de outros países-sede, pagaram
bilhões em impostos enquanto a elite do COI, das redes hoteleiras, da mídia,
das empreiteiras e da política (e, em vários casos, muitos atletas) faz farra à
custa da população.
Mas a boa notícia é que, em várias cidades, os cidadãos
já começaram a se dar conta da fraude. Em
julho de 2015, a cidade de Boston desistiu
de ser candidata a sediar a Olimpíada de 2024 após a pressão da
população, que se manifestou
contra "o endividamento, as remoções e a militarização do espaço
público" que os jogos olímpicos impõem a todas as cidades-sede. Adicionalmente, os cidadãos da Polônia e,
como já dito, da Noruega, também se recusaram a bancar mais uma festinha
internacional para milionários.
E, em um esforço prático para acabar com boa parte
da corrupção e do desperdício gerados pelo processo de candidatura, algumas
pessoas já deram a
sensata e prática sugestão de que as Olimpíadas deveriam ser sediadas em um
único lugar (por exemplo, Atenas) de agora em diante.
A mais necessária reforma, é claro, é acabar
imediatamente com todos os gastos olímpicos financiados por impostos.
Negócios corporativistas como as Olimpíadas ajudam a
nos lembrar que há uma grande — aliás, intransponível — diferença entre defender o
livre mercado e defender grandes empresas. Empreiteiras e outras
grandes empresas sempre estarão muito à vontade em espoliar os pagadores de
impostos caso saibam que esse dinheiro irá para seu bolso ou para subsidiar
projetos do seu interesse.
Por outro lado, empreendedores, empregadores e
pagadores de impostos que não possuem poder organizacional, que não fazem lobby
e que não têm políticos em sua folha de pagamento não têm importância nenhuma
para esses "líderes" empresariais que influenciam políticos e suas
políticas.
Estádios bonitos, instalações vistosas e
mega-eventos globais sem dúvida nenhuma são ótimos para as contas bancárias dos
ricos e poderosos com boas conexões políticas. Mas aqueles que arcam com
a fatura disso tudo não melhoram em nada sua situação.