quarta-feira, 15 jun 2016
O
desastre econômico que está
ocorrendo na Venezuela despertou a curiosidade de literalmente todo o
mundo. Mídia, intelectuais, acadêmicos e
o cidadão médio tentam entender o que foi que tornou as coisas tão horrendas no
país.
Não basta simplesmente
dizer que "foi o socialismo". Afinal, os
líderes políticos de Equador e Bolívia também são declaradamente socialistas,
ao menos na retórica. A Argentina,
quando ainda presidida por Cristina Kirchner, adotou medidas abertamente
socialistas e deu seguidos calotes em seus credores externos; porém, nem isso e
nem as várias outras bagunças feitas pelo governo argentino geraram os
martírios que estão ocorrendo na Venezuela.
O esquerdista Brasil ainda permanece uma questão em aberto.
Portanto, o que houve de
diferente na Venezuela que levou o país ao limiar da inanição, enquanto a
Bolívia permanece relativamente estável e sem pessoas morrendo de fome? Afinal, o presidente boliviano, Evo Morales,
um auto-declarado discípulo de Marx, deu ao papa Francisco um crucifixo em formato de foice e
martelo durante uma recente visita do pontífice à Bolívia.
A resposta está no profundo volume do socialismo praticado na
Venezuela em relação aos seus vizinhos sul-americanos.
Seguidores genuínos versus pragmáticos
Desde Lênin, líderes
políticos sabem que o socialismo "puro" leva à inanição muito rapidamente. Quanto mais puro o socialismo, mais rápido
vem o desastre. Lênin tentou implantar o
controle total da economia pelo estado soviético assim que chegou ao
poder. Entretanto, após perceber que
isso estava destruindo rapidamente a economia, ele recuou e implantou sua "Nova
Política Econômica", a qual permitia um pouco de livre iniciativa e
mercado, especialmente na produção de alimentos.
Todos os regimes que
tentaram o socialismo puro rapidamente se depararam com o problema de que é impossível fazer qualquer
tipo de cálculo econômico sob o socialismo, o que inviabiliza toda e
qualquer atividade econômica. Sem
mercados livres, como saber o que produzir, como produzir e para quem
produzir? Como saber quanto devem custar
os bens e serviços? Sem uma liberdade ao
menos parcial para os preços de mercado, as economias degringolam muito
rapidamente.
Espertamente (e felizmente
para os cidadãos comuns), Lênin permitiu que seu pragmatismo como político
sobrepujasse sua devoção ao marxismo.
Similarmente, após a inanição em massa e o cataclismo social causados
pelo marxismo linha-dura
de Mao Tsé-Tung na China, Deng Xiaoping adotou o pragmatismo do
"socialismo com características chinesas".
Era, em outras palavras, um "socialismo leve".
Como sempre ocorre quando
o socialismo retrocede, a riqueza aumenta.
No caso da União Soviética, a política de permitir um "mercado limitado"
nunca avançou para além de um âmbito muito estrito — graças a Stálin e sua
re-imposição do planejamento centralizado.
Na China pós-Mao, que permitiu que os mercados se tornassem mais livres
e difusos (embora sempre fortemente regulados), a economia se desenvolveu (em
termos relativos) à medida
que agricultores, comerciantes e inúmeras pequenas e médias empresas
passaram a poder operar com uma relativa liberdade.
Já na Venezuela de ontem sob Hugo
Chávez, e na Venezuela de hoje sob Nicolás Maduro, as coisas se moveram na
direção exatamente oposta.
Talvez mais do que qualquer
outro caudilho latino-americano, Chávez foi um "seguidor genuíno" das teorias
socialistas, e mostrou sua devoção ideológica ao declarar guerra não apenas às
empresas multinacionais e a outras grandes empresas, como também a toda e
qualquer pessoa que ele considerasse ser "da burguesia".
Opor-se a corporações
estrangeiras sempre foi algo politicamente popular na América do Sul, e vem
sendo algo central nos governos de Rafael Correa no Equador e de Evo Morales na
Bolívia. Porém, tanto Correa quanto Morales
mitigam suas intervenções políticas nesse aspecto permitindo um limitado laissez-faire para o empreendedorismo
doméstico.
Uma guerra contra a classe média e os
comerciantes
Chávez, por outro lado,
não fazia distinção em sua cruzada contra empresas e empreendedores. Ele atacava tanto os nativos quanto os
estrangeiros.
Na Bolívia, o governo de
Morales tem sido mais voltado para o pragmatismo do que para o marxismo. Sim, é verdade que, desde 2005, ele
expropriou mais de 20 empresas estrangeiras, mas o nível de expropriação não se
compara às expropriações que ocorrem na Venezuela, em que predomina uma cultura
de total impunidade ao governo. Entre
2002 e 2012, nada
menos que 1.168 empresas nacionais e estrangeiras foram expropriadas na
Venezuela.
Já as famosas estatizações
de campos de petróleo e gás natural que ocorreram na Bolívia não foram do tipo
que transferiram ao estado o controle total, mas sim a
fatia majoritária das ações, o que lhe confere o "direito" de ficar com a maior
parte dos lucros auferidos pelas empresas estrangeiras.
Por outro lado, Morales
sempre se mostrou muito à vontade em deixar as pequenas e médias
empresas bolivianas em paz. Mais
ainda: ele nunca teve problemas em permitir que uma grande fatia da economia operasse
na informalidade (ou seja, operasse sem nenhuma regulamentação). Na prática, quando Morales ignora a economia
informal, ele está essencialmente criando "brechas" nas regulamentações
estatais. E, como Ludwig Von Mises
sempre dizia, "as
brechas nas regulamentações são o que permitem a economia respirar".
[N. do E.: ainda mais
importante do que essa "negligência salutar" de Morales em relação à economia
informal é o fato de que a Bolívia atrelou
sua moeda ao dólar desde o final de 2008.
Como consequência de ter uma moeda forte, a
inflação de preços caiu de 17% em 2008 para menos de 3% em 2015.
Segundo o site
Trading Economics, o "Banco Central da Bolívia não utiliza as taxas de
juros como ferramenta de política monetária.
Toda a política monetária da Bolívia tem sido baseada na taxa de
câmbio."
Não é à toa que Evo
Morales foi reeleito com altos índices. Ele apenas fala contra o "imperialismo"; na
hora que realmente interessa, ele (que não é bobo) atrela sua moeda ao dólar.
Se não fizesse isso, sua moeda iria despencar. (Para entender mais sobre os
regimes cambiais e qual é o mais adequado para economias não-desenvolvidas, veja este artigo)].
Já o regime venezuelano,
por outro lado, não é nenhum fã de brechas nas regulamentações. (E nem nunca quis ter uma moeda
forte).
Esse contraste também se
estende aos outros regimes socialistas da América do Sul. Em 2014, o The Washington
Post comparou
o governo de Rafael Correa no Equador ao governo de Chávez na Venezuela. Segundo a reportagem:
Ao contrário de Chávez e seus épicos ataques ao
setor privado da Venezuela, Correa mantém laços fortes com a comunidade
empreendedora do Equador, permitindo um período de crescimento econômico e
baixo desemprego. Mais ainda: ele manteve o dólar
americano como a moeda corrente do Equador.
[N. do E.: sendo esta a principal fonte de estabilidade da economia
equatoriana; como na Bolívia, o segredo está na moeda forte].
Felipe Burbano, analista político de Quito, disse
que Correa é um mestre do "ativismo", projetando sua imagem — e os gastos do
governo — em cada canto do país de 15 milhões de habitantes, alcançando os
eleitores rurais, os moradores das favelas e outros que normalmente eram
ignorados por políticos.
Prendendo os "traidores da classe" em
Caracas
Ainda em 2010, o jornal
britânico The Guardian, abertamente
de esquerda, publicou
uma matéria sobre Hugo Chávez e sua perseguição a um pequeno açougueiro em
Caracas, a quem ele chamou de "traidor da classe" e marionete dos
capitalistas estrangeiros. O açougueiro,
Omar Cedeño, foi julgado e preso por vários crimes "capitalistas". Em seguida, vários outros pequenos
comerciantes, empreendedores e varejistas tiveram o mesmo destino.
E, como a Venezuela está
percebendo hoje, quando comerciantes e varejistas são destruídos, não sobra
ninguém para vender, preparar, obter e processar alimentos.
Em 2011, o The
Huffington Post publicou uma matéria sobre a
cruzada que Chávez estava empreendendo contra os judeus, os quais,
aparentemente, também eram "burgueses demais" para o gosto do caudilho.
Em 2012, a Reuters relatou
como Chávez estava ameaçando "os ricos" com uma "guerra civil" caso eles não se
juntassem à sua causa. Na Venezuela, o
termo "ricos" raramente se refere a poderosos bilionários, mas sim a meras
pessoas de classe média alta que trabalham, empreendem, criam e vendem bens e
serviços, e fazem a economia crescer.
Destruir essas pessoas não é exatamente uma atitude inteligente para um
líder político que queira evitar a fome em massa e o colapso no padrão de vida
dos cidadãos do país.
Naturalmente, para um
"crente genuíno" no socialismo, como Chávez, uma guerra aos empreendedores do
país não se limita apenas a açougueiros e pequenos administradores. Ela é expandida
para canais de televisão e de rádio, jornais, vendedores de livros, e quaisquer
outros empreendimentos que não sejam totalmente "leais e submissos" ao regime.
Não surpreendentemente,
tão logo todos os varejistas, empresas de mídia, administradores, empreendedores
e demais profissionais liberais são esmagados, presos, empobrecidos ou
exilados, a economia deixa de funcionar.
Isso é praticamente a adoção dos 10 pontos da
plataforma do Manifesto Comunista.
Conclusão
Obviamente, não se está
dizendo que políticos como Correa e Morales são fãs da liberdade e dos mercados
livres. Isso é improvável. Tanto Correa quanto Morales agem como "atravessadores"
tradicionais, roubando alguns grupos para distribuir benesses para outros
grupos em troca de apoio para sua base política. A retórica marxista — ainda muito popular na
América do Sul — serve como um conveniente truque publicitário para o regime;
porém, assim como o governo chinês, os governos equatoriano e boliviano também já
perceberam há muito tempo que o marxismo é economicamente inviável.
Infelizmente para o povo
da Bolívia e do Equador, mesmo esse gerenciamento limitado e não-marxista da
economia pelo estado garante um crescimento econômico insustentável, repleto de
"vôos de galinha", além de perpetuar um aparentemente infindável ciclo de corrupção. Um estado que controla a economia também tem
o poder de espoliá-la.
No entanto, há uma grande diferença
entre, de um lado, distribuir riqueza à força e, de outro, destruir todos que
tentam criar riqueza. Para redistribuir riqueza, é
necessário antes criá-la. Essa é uma
distinção que os líderes do regime venezuelano (e seus apoiadores) aparentemente
foram tolos demais para perceber. Por causa
disso, o povo daquele país está pagando um preço desumano.
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