O planejador quer construir uma casa. Para isso, ele pode recorrer a vários
métodos. Cada um destes métodos oferece, do ponto de vista do próprio planejador,
vantagens e desvantagens em relação à utilização futura da edificação. Cada um destes métodos gerará uma construção cujo
aproveitamento terá duração distinta. E
cada um destes métodos requererá gastos diferentes com materiais e mão-de-obra,
o que gerará períodos de produção desiguais.
Que método deve o planejador adotar?
Ele não tem como reduzir ao mesmo denominador comum
os vários materiais e os vários tipos de mão-de-obra a serem utilizados. Não tem
como compará-los. Não tem como atribuir uma expressão numérica, nem ao período
de espera (período de produção) nem à durabilidade da casa.
Em suma, não há como, por meio de uma operação
aritmética qualquer, comparar os custos a serem incorridos com os benefícios a
serem obtidos.
Os planos dos seus arquitetos enumeram uma vasta
multiplicidade de matérias-primas e suas respectivas qualidades físicas e
químicas; descrevem a produtividade física de várias máquinas, ferramentas e
processos. Mas todos esses elementos são dados isolados, sem relação entre si. Não
há como estabelecer qualquer conexão entre eles.
Imagine a perplexidade do planejador diante de um
projeto qualquer. Ele tem de saber se a
execução do projeto em questão aumentará ou não o bem-estar, isto é, se
acrescentará algo à riqueza existente sem comprometer a satisfação de outras
necessidades que ele considera urgentes. Mas nenhum dos relatórios que recebe
contém qualquer indicação quanto à solução desse problema.
Pelo bem do debate, não levemos em consideração o
dilema representado pela escolha de quais bens de consumo a serem produzidos.
Suponhamos que esse problema esteja resolvido e que se saiba exatamente quais são
os bens de consumo que devem ser produzidos. Ainda assim, persistiria o constrangimento de
ter de escolher entre uma enorme quantidade de bens de produção e uma
infinidade de processos que poderiam ser usados para fabricação destes bens de
consumo. Haveria a necessidade de determinar a localização e o tamanho de cada
indústria e de cada equipamento; de escolher que tipo de energia mecânica deveria
ser utilizado em cada um dos processos; de estipular qual, dentre as várias
maneiras de produzir essa energia, deveria ser a escolhida.
Todos esses problemas são suscitados diariamente em
milhares e milhares de casos. Cada caso apresenta condições especiais e requer
uma solução individual adequada às suas particularidades. O número de elementos
a serem considerados na decisão do planejador é muito maior do que os que
possam estar contidos em uma mera descrição técnica das características físicas
e químicas dos bens de produção disponíveis.
A localização de cada unidade fabril deve ser levada
em consideração, assim como a possibilidade de utilização de investimentos já
feitos anteriormente. O planejador não terá de lidar simplesmente com carvão,
mas com milhares e milhares de minas já em exploração em diversos locais, bem
como com a possibilidade de se encontrar e explorar novas jazidas. Terá de considerar também os vários processos
de mineração que podem ser usados em cada caso, as diferentes qualidades do
carvão nas várias jazidas, e os vários métodos de utilização do carvão para
produzir calor, energia e uma grande variedade de derivados.
Pode-se dizer que o atual estágio do conhecimento
tecnológico torna possível produzir praticamente tudo a partir de quase tudo.
Nossos antepassados, por exemplo, conheciam apenas um número limitado de
utilizações para a madeira. A tecnologia moderna acrescentou uma profusão de
novos empregos aos já conhecidos. Hoje,
a madeira pode ser usada para produzir papel, várias fibras têxteis, alimentos,
remédios, e muitos outros produtos sintéticos.
Para abastecer uma cidade com água potável,
costuma-se recorrer a dois métodos: ou -trazê-la de longe por meio de aquedutos
— método usado desde a Antiguidade — ou tratar quimicamente a água disponível
nas cercanias. Mas por que não produzir
água sinteticamente em fábricas? A tecnologia moderna poderia resolver
facilmente os problemas técnicos, se fosse essa a solução escolhida.
O homem comum, na sua inércia mental, se apressaria
em ridicularizar tal projeto como uma sandice. Entretanto, a única razão para
não se utilizar a produção sintética de água potável — que talvez possa vir a
ocorrer no futuro — reside no fato de que o cálculo econômico mostra ser esse um método mais caro do que outros
métodos conhecidos. O sistema de preços livres em conjunto com o cálculo de
lucros e prejuízos permitido pelo sistema monetário mostra claramente que tal opção
não seria economicamente viável.
Elimine-se o cálculo econômico e não será possível como
escolher racionalmente entre as várias alternativas.
Os socialistas reagem dizendo, com alguma razão, que
o cálculo econômico não é infalível. Eles
afirmam que os capitalistas às vezes se enganam nos seus cálculos. É claro que
isso acontece e acontecerá sempre, já que a ação humana está voltada para o
futuro e o futuro sempre será incerto. Os planos mais cuidadosamente elaborados
serão frustrados caso as expectativas sejam desmentidas pelos fatos. [N. do E.: vide a atual situação da economia
brasileira, em que vários empreendimentos aparentemente promissores feitos há dois
ou três anos hoje se revelam errôneos]
Mas o problema que estamos examinando não é esse. O
cálculo que efetuamos considera o nosso conhecimento atual e a previsão que
fazemos hoje da situação futura. Não se trata de saber se o planejador será ou
não capaz de prever a situação futura. O que estamos afirmando é que é impossível
o planejador calcular com base no seu próprio juízo de valor e na sua própria
previsão da situação futura, seja ela qual for. Se ele decidir hoje ampliar a produção
da indústria de alimentos enlatados, pode ocorrer que uma mudança nos hábitos
ou nas considerações higiênicas sobre a comida em lata venha a transformar seu
investimento num desperdício. Mas a questão não é essa; a questão é: como ele
irá definir hoje a melhor maneira de
construir e equipar uma fábrica de conservas da maneira mais economicamente
racional?
Algumas estradas de ferro construídas no início do
século XX não teriam sido construídas se os empreendedores daquela época
tivessem previsto o iminente progresso do automóvel e da aviação. No entanto, aqueles que naquele tempo
construíram estradas de ferro sabiam qual, dentre as várias possíveis
alternativas para a realização de seus projetos, devia ser o método escolhido:
eles sabiam qual escolher porque podiam recorrer aos preços de livre mercado —
preços esses nos quais estavam refletidas as valorações dos consumidores — e,
com isso, fazer o cálculo da viabilidade do projeto, dos custos e, com isso,
estimar lucros ou prejuízos. E tudo de acordo com suas próprias avaliações e
previsões da demanda futura.
É precisamente esta possibilidade de discernir que
faltará ao planejador. Sua situação será idêntica a de um navegante em alto mar
que não conheça os métodos de navegação, ou à de um sábio da Idade Média a quem
fosse atribuída a tarefa de fazer funcionar uma locomotiva.
Havíamos suposto que o diretor já se tinha decidido
quanto à construção de uma determinada usina ou edificação. Entretanto, mesmo
para tomar essa decisão, já teria sido necessário o cálculo econômico. Para
decidir sobre a construção de uma usina hidrelétrica, é preciso saber se ela
representa ou não a maneira mais econômica de produzir a energia necessária.
Como se poderá saber, se não se tem como calcular os custos e nem o valor da
energia produzida?
Podemos supor que no seu período inicial um regime
socialista poderia, numa certa medida, basear-se na experiência do período
capitalista anterior. Mas o que fará mais tarde, à medida que as condições forem
mudando? Para que servem os preços de 1900 para um planejador em 1949 [N. do
E.: ano em que Mises escreveu o livro Ação Humana]? E que
proveito pode um planejador em 1989 derivar do conhecimento dos preços de 1949?
O paradoxo do "planejamento" é que, em uma
economia planejada, é impossível planejar.
É impossível se fazer planejamento econômico onde não há um livre
mercado determinando os preços. De um
lado, se não há liberdade para a determinação dos preços, é impossível saber a genuína
demanda dos consumidores. De outro, se não
há preços livres, não há como fazer um cálculo econômico sensato.
Se não há preços livres, é impossível fazer cálculo
de custos. Sem cálculo de custos, é impossível
estimar lucros e prejuízos. Sem se
estimar lucros e prejuízos, é impossível fazer qualquer investimento
racional. E sem investimentos racionais,
é impossível atender às genuínas demandas da população.
E daí tem-se a escassez generalizada.
Uma economia planejada ou dirigida pode ser tudo,
menos economia. É apenas um sistema de tatear no escuro. Não permite uma
escolha racional de meios que tenham em vista alcançar objetivos desejados.
Aquilo que os socialistas e intervencionistas chamam
de "planejamento consciente" significa, na realidade, a eliminação de toda a
ação consciente e proposital.
Trecho extraído do livro Ação Humana.
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