Um racionalista sensato jamais teria a pretensão de
afirmar que a razão humana pode chegar a fazer com que o homem se torne
onisciente. Ele teria consciência do fato de que, por mais que aumente o
conhecimento, sempre haverá dados irredutíveis que não são passíveis de
elucidação ou compreensão.
Não obstante — acrescentaria o nosso racionalista —,
para que um homem seja capaz de adquirir conhecimento, ele necessariamente tem de
contar com a razão. O irracional seria aquele dado irredutível, aquele fenômeno
mais primário que não pode ser explicado pela lógica. Já tudo o que é
conhecível, na medida em que já seja conhecido, é necessariamente racional.
Não existe uma forma irracional de cognição nem tampouco uma ciência da
irracionalidade.
Com relação a problemas ainda não resolvidos,
podemos formular diversas hipóteses, desde que elas não contradigam a lógica ou
conhecimentos incontestáveis. Mas, ainda assim, continuarão sendo apenas
hipóteses.
Ignoramos, por exemplo, quais são as causas das
diferenças inatas da capacidade ou do talento humano. A ciência não é capaz
de explicar por que Newton e Mozart foram geniais ao passo que a maioria dos
outros homens não o foram.
Mas o que não é aceitável é atribuir a genialidade à
raça ou à ancestralidade. A questão a ser respondida é por que uma pessoa
difere de seus irmãos de sangue e dos outros membros de sua raça.
Supor que as grandes realizações da raça branca se
devem a alguma superioridade racial constitui um erro um pouco mais
compreensível. De qualquer forma, não é nada mais do que uma hipótese
vaga e em flagrante contradição com o fato de que devemos a outras raças a
própria origem da civilização. Tampouco podemos saber se, no futuro, outras
raças suplantarão a civilização ocidental.
Entretanto, esta hipótese racial deve ser avaliada
pelos seus próprios méritos. Não deve ser condenada de antemão só porque
os racistas nela se baseiam para postular que existe um conflito
irreconciliável entre os vários grupos raciais e que as raças superiores devem
escravizar as inferiores. A lei de associação formulada por Ricardo —
que demonstra quais são as consequências da divisão do trabalho quando um
indivíduo ou um grupo coopera com outro indivíduo ou grupo menos eficiente sob
todos os aspectos — há muito tempo já mostrou o equívoco representado por esta
maneira de interpretar a desigualdade dos homens. Não faz sentido
combater o racismo negando fatos óbvios. É inútil negar que, até o momento,
algumas raças muito pouco ou mesmo nada contribuíram para o progresso da
civilização, podendo, neste sentido, ser chamadas de inferiores.
Se quisermos extrair, a qualquer preço, alguma
verdade dos ensinamentos marxistas podemos dizer que as emoções influenciam
muito o raciocínio humano. Ninguém pode negar este fato óbvio; tampouco
devemos creditar ao marxismo esta descoberta. E nada disso tem qualquer
importância para a epistemologia. São inúmeros os fatores, tanto de
sucesso, como de erro. É tarefa de a psicologia enumerá-los e
classificá-los.
A inveja é uma fraqueza muito comum. Muitos intelectuais
invejam a renda elevada de alguns empreendedores e este ressentimento os conduz
à defesa do socialismo. Acreditam que as autoridades de um regime socialista
lhes pagariam salários maiores do que aqueles que poderiam ganhar no regime
capitalista. Mas o fato de essa inveja existir não desvia a ciência do
dever de examinar cuidadosamente as doutrinas socialistas.
Os cientistas devem analisar qualquer doutrina como
se os seus defensores não tivessem outro propósito a não ser a busca do
conhecimento. Já os ideólogos, em vez de analisar teoricamente doutrinas
contrárias às suas, preferem revelar os antecedentes e os motivos de seus
autores. Tal procedimento é incompatível com os mais elementares
princípios do raciocínio.
É um artifício medíocre julgar uma teoria por seus
antecedentes históricos, pelo "espírito" de seu tempo, pelas
condições materiais de seu país de origem ou por alguma qualidade pessoal de
seu autor. Uma teoria só pode ser julgada pelo tribunal da razão. O único
critério a ser aplicado é o critério da razão.
Uma teoria pode estar certa ou errada. Ocorre
que, dado o nosso estágio de conhecimento, talvez não seja possível determinar
seu acerto ou erro. Mas uma teoria jamais poderá ser válida para um
burguês ou um americano se não for igualmente válida para um proletário ou um
chinês.
Se as doutrinas marxistas ou racistas fossem
corretas, seria impossível explicar por que seus seguidores, quando estão no
poder, procuram logo silenciar teorias que lhes sejam dissidentes e perseguir
quem as defende. O próprio fato de que existem governos intolerantes e
partidos políticos que procuram cassar os direitos de seus opositores, ou mesmo
exterminá-los, é uma prova manifesta do poder da razão. Uma doutrina não
pode estar correta quando seus proponentes recorrem à violência para combater
seus opositores. Aqueles que recorrem à violência estão, no seu
subconsciente, convencidos da improcedência de suas próprias doutrinas.
É impossível demonstrar a validade dos fundamentos
apriorísticos da lógica sem recorrer a estes mesmos fundamentos. A razão
é um dado irredutível e não pode ser analisada ou questionada por si mesma.
A própria existência da razão humana é um fato não-racional. A
única afirmação que pode ser feita sobre a razão é que ela é o marco que separa
os homens dos animais e a ela devemos todas as realizações que consideramos
especificamente humanas.
Para aqueles que pensam que o homem seria mais feliz
se renunciasse ao uso da razão e tentasse deixar-se conduzir somente pela
intuição, pelos instintos e pela emoção, não há melhor resposta do que recordar
as conquistas da sociedade humana.
A ciência econômica, ao descrever a origem e o
funcionamento da cooperação social, fornece todas as informações necessárias a
uma escolha entre a racionalidade e a irracionalidade. Se o homem
cogitasse se libertar da supremacia da razão, deveria procurar ao menos saber
ao que realmente estaria renunciando.