quinta-feira, 21 jan 2016
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"Quem manda nele sou eu!"
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Com
a recente decisão do COPOM, Alexandre Tombini eliminou os últimos resquícios
de dúvida quanto à sua real autonomia na presidência do Banco Central.
Ao manter a SELIC inalterada depois
de claros e sucessivos indicativos de que a taxa seria elevada, o
presidente do Banco Central mandou um sinal inequívoco ao mercado: quem manda
no Banco Central é ele, sim, e quem manda nele é a presidente Dilma.
Agora, além da Presidência da República, a Sra. Rousseff
acumula de facto os cargos de
ministra da Fazenda e presidente do Banco Central. Convenhamos, suspeitas todos
tínhamos, mas os recentes acontecimentos sacramentaram essa realidade. Mas isso
é assunto para outro artigo.
O que nos traz aqui agora é a postura servil e
embaraçosa do Sr. Tombini e as repercussões da decisão do COPOM no dia de ontem.
Desde 2010, quando Dilma indicou Tombini para a
presidência do Banco Central, o mercado vinha desconfiando do futuro da
autoridade monetária e do poder de compra do real. A não-independência de jure corria sérios riscos de ser
estendia à prática do dia a dia. A desconfiança do mercado tinha fundamento,
pois ao substituir Henrique Meirelles, Dilma colocaria alguém de sua "confiança"
— o que na prática significava um subalterno submisso e moldável.
Dilma encontrou em Tombini justamente esse perfil —
assim como em Guido
Mantega, Arno Augustin e Nelson Barbosa, muito embora o alinhamento
ideológico com estes seja muito mais cristalino.
Não foi a primeira vez que Tombini surpreendeu o
mercado. Ao final de agosto de 2011, quando já havia uma crescente preocupação
com a inflação — o IPCA havia fechado em 5,91% em 2010 e a o
COPOM decidiu por reverter a escalada dos juros e, contra
todas as expectativas, cortou 50 pontos-base (0,5 ponto percentual) da meta
para a SELIC, em uma guinada brusca que deixou o mercado perplexo.
Naquele ano,
o IPCA registrou exatos 6,50%, encostando-se ao
limite superior da meta, mas sem ultrapassá-la — uma verdadeira proeza da
estatística. A perplexidade do mercado provou-se correta.
De lá para cá, foram sucessivos estímulos monetários,
fiscais e retóricos. O Banco Central estacionou a SELIC em 7,25% ao fim de 2012
e se viu forçado a elevá-la quando o nível geral de preços começou a mostrar
sinais claros de resiliência. O estrago já estava feito. Em todos os âmbitos da
política econômica.
Desta vez, Tombini voltou a surpreender o mercado. E não foi
a decisão em si — a não elevação da SELIC — a causa da perplexidade, mas a
forma pela qual o COPOM resolveu contrariar todas as expectativas e as suas
próprias sinalizações de semanas.
Manter os juros nos patamares atuais é uma questão
aberta ao debate. Em um momento em que há uma contração monetária em curso — o
M1
apresenta
crescimento negativo e o M2 está quase inerte (
crescimento de 5%,
um recorde de baixa) —, e o crédito bancário,
em termos reais, está contraindo (
crescimento de 7,4%
contra uma
inflação
de preços de 10,67%), talvez uma alta da SELIC não surta mais efeitos na
inflação de preços e jogue a economia em uma recessão ainda mais profunda.
Por ignorância ou convicção cega, o governo está
usando os juros como bode expiatório para os seus próprios fracassos.
Mas a taxa de juros não é a única variável a
determinar crescimento ou não da atividade econômica. E, especialmente no
quadro atual, há outros fatores tão ou mais importantes do que a SELIC. Um
deles é a já tão batida "confiança", no sentido mais pleno do termo. Isso nos
leva ao grande mal causado pela decisão inusitada do COPOM.
Segundo o noticiário, Tombini
teria se encontrado com a presidente da República dias antes da reunião do
COPOM. Estaria a Sra. Dilma pressionando o Banco Central para que este
cedesse à pressão do Planalto e dos economistas do atraso? Primeira bola fora e
ponto de inquietude no mercado.
Se a especulação tinha fundamento, o que era
provável, Tombini teria de encontrar algum pretexto para justificar uma mudança
brusca e repentina. E ele encontrou. Aproveitou o
pessimismo do FMI em relação aos riscos da economia mundial e, em especial,
à piora das estimativas de crescimento da economia brasileira, e divulgou às vésperas da reunião do COPOM uma nota
juvenil, sem precedentes e, agora, histórica, declarando como "significativas"
as conclusões do órgão e adicionando que "todas as informações econômicas
relevantes e disponíveis até a reunião do Copom são consideradas nas decisões
do colegiado".
A credibilidade minguante de Tombini se esvaiu por
completo em três curtos parágrafos. E, no dia seguinte à nota, a decisão
hesitante do COPOM em manter a SELIC estacionada serviu para confirmar de uma
vez por todas quem está de fato no comando da economia.
O Brasil vive diversas crises — fiscal, econômica,
monetária, política, moral e de confiança —, cada uma reforçando e
retroalimentando as outras. Mas fica cada vez mais claro que, para resgatar o
país do atoleiro, é preciso debelar a principal delas: a crise de confiança.
Infelizmente, a desconfiança gerada pela trapalhada do Banco Central é
incurável. O dia de ontem entrou para história para selar de uma vez por todas
o destino da economia enquanto ela estiver nas mãos de Dilma Rousseff e equipe.
Quando se trata de política monetária, a comunicação
e a transparência são fundamentais; são um ativo que deve ser cuidado todos os
dias com muito zelo e apreço. Uma decisão certa, feita da forma errada, pode
ser tão fatal quanto uma decisão errada, embora comunicada da forma correta.
Ao "desancorar as expectativas"
e causar perplexidade nos agentes, Tombini conseguiu a façanha de introduzir
uma dose adicional de incerteza no mercado, gerando volatilidade no câmbio e desvalorizando
ainda mais o real, o que, ao fim e ao cabo, pressionará os preços da
economia, reduzindo a pó as chances de a autarquia atingir as metas de
inflação, perpetuando assim o ciclo de desconfiança generalizado.
Paradoxalmente, isso tem um lado extremamente
positivo, pois está inserindo pelo menos uma certeza no mercado: a de que não
há recuperação com esse governo. Serão mais heterodoxia, mais estímulos, mais
keynesianismo-marxista tupiniquim, mais experimentos econômicos que têm tudo
para dar errado. E darão.
Para encerrar, gostaria de trazer uma citação de um
distinto economista brasileiro, formado na Universidade de Brasília e com PhD
pela Universidade de Illinois:
Não
há exemplo de país que tenha experimentado períodos prolongados de crescimento
econômico com inflação alta. Pelo contrário, há evidências empíricas de que
taxas mais elevadas de inflação trazem prejuízos ao crescimento e ao nível de
emprego por períodos prolongados.
Quem proferiu essa verdade foi ninguém menos que
Alexandre Tombini, durante seu discurso
na sabatina no Senado em 2010. Isso serve apenas para evidenciar que discurso
não importa bulhufas quando dissociado de ações palpáveis e condizentes. Sim, Tombini
prometeu defender a estabilidade do poder de compra da moeda brasileira. A
única estabilidade mantida, porém, foi a de sua subserviência à presidente e,
por consequência, a ideias refratárias ao bom senso e às boas práticas de
política econômica.
A economia tem saída? Tem, claro, mas ela começa com
a saída de "tudo o que está aí" no seu caminho. Impreterivelmente.