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Filosofia

O estado, o agressor

30/01/2009

O estado, o agressor

[O texto a seguir é do capítulo 3 do livro For a New Liberty -- The Libertarian Manifesto, de 1973].


O impulso central do pensamento libertário é se opor a qualquer agressão contra os direitos de propriedade dos indivíduos em suas próprias pessoas e em objetos materiais que eles adquiriram voluntariamente. Embora os indivíduos e gangues criminosas sejam obviamente contestados, não há nada de exclusivo do credo libertário aqui, já que quase todas as pessoas e escolas de pensamento se opõem ao exercício da violência aleatória contra as pessoas e propriedades.

Há, porém, uma diferença de ênfase por parte dos libertários, até mesmo nesta área universalmente aceita da defesa das pessoas contra o crime. Em uma sociedade libertária não haveria um "promotor público" que processa criminosos em nome de uma "sociedade" não existente, mesmo contra o desejo da vítima do crime. A própria vítima iria decidir se faria as acusações. Além do mais, como o outro lado da mesma moeda, em um mundo libertário a vítima poderia abrir um processo contra um malfeitor sem ter que convencer o mesmo promotor público de que ele deveria prosseguir.  Além disso, no sistema de punição criminal no mundo libertário, a ênfase não seria nunca, como é atualmente, no aprisionamento do criminoso pela "sociedade"; a ênfase seria necessariamente em compelir o criminoso a fazer uma restituição à vítima do seu crime. O sistema presente, no qual a vítima não é recompensada, mas ao invés disso, tem que pagar taxas para sustentar o encarceramento do seu próprio agressor -- seria um absurdo evidente em um mundo que focasse na defesa dos direitos de propriedade e, portanto, na vítima do crime.

Além do mais, embora a maioria dos libertários não seja pacifista, eles não apoiariam o sistema presente interferindo nos direitos das pessoas de serem pacifistas. Assim, suponha que Jones, um pacifista, é agredido por Smith, um criminoso. Se Jones, como resultado de suas crenças, é contra se defender com o uso da violência e se opõe, portanto, a qualquer processo criminal, logo Jones vai simplesmente deixar de abrir um processo e este será o fim da história. Não haverá nenhuma máquina governamental que persegue e ataca criminosos mesmo contra a vontade da vítima.

Mas a diferença crítica entre os libertários e as outras pessoas não está na área do crime privado; a diferença crítica consiste na sua visão do estado -- o governo -- como um todo.  Isto se deve ao fato de que os libertários consideram o estado como sendo o supremo, o incessante e o mais organizado agressor das pessoas e das propriedades da massa do público. Todos os estados em todos os lugares, sejam eles democráticos, ditatoriais ou monárquicos, sejam vermelhos, brancos, azuis ou marrons.

O estado! Sempre e sucessivamente o governo e os seus comandantes e operadores têm sido considerados acima da lei moral geral. Os "Papéis do Pentágono" são apenas uma instância recente entre inúmeras outras instâncias na história dos homens que mentem até os dentes perante o público, os quais são em sua maioria perfeitamente honráveis nas suas vidas privadas. Por quê? Por "razões do estado". Trabalhar para o estado supõe desculpar todas as ações que seriam consideradas imorais e criminosas se cometidas por cidadãos "privados". A distinção essencial dos libertários é que eles, calmamente e sem compromisso, aplicam a lei moral geral às pessoas agindo em suas funções como membros do aparato estatal. Os libertários não fazem exceções. Por séculos o estado (ou mais precisamente, indivíduos agindo nas suas funções de "membros do governo") disfarçou as suas atividades criminosas em uma retórica pretensiosa. Por séculos o estado cometeu assassinatos em massa e os chamou de "guerra"; também enobreceu a escravidão em massa que a "guerra" envolve. Por séculos o estado tem escravizado pessoas nos seus batalhões armados e chamou isso de "recrutamento" para o "serviço nacional". Por séculos o estado tem roubado pessoas em escala territorial e chamou isso de "taxação". De fato, se você gostaria de saber como os libertários enxergam o estado e qualquer um de seus atos, simplesmente pense no estado como uma organização criminosa, de repente todas as atitudes libertárias irão logicamente fazer sentido.

Vamos considerar, por exemplo, o que é que formalmente distingue o governo de todas as outras organizações na sociedade. Muitos cientistas políticos e sociólogos têm obscurecido esta distinção vital e se referem a todas as organizações e grupos como sendo hierárquicos, estruturados, "governamentais", etc. Anarquistas de esquerda, por exemplo, irão se opor da mesma maneira ao governo e às organizações privadas tais como as corporações, tomando como base que todos são igualmente "elitistas" e "coercivos". Mas o libertário "direitista" não se opõe à desigualdade, sua concepção de "coerção" se aplica somente ao uso da violência. O libertário enxerga uma distinção crucial entre o governo, seja este central, estadual ou local, e todas as outras instituições da sociedade. Ou até mesmo, duas distinções cruciais. Primeiramente, qualquer outra pessoa ou grupo recebe sua renda através de pagamentos voluntários: seja por contribuição ou presente voluntário (tal como a comunidade beneficente local ou um clube de bridge), ou por compras voluntárias dos seus produtos ou serviços no mercado (i.e., dono de armazém, jogador de baseball, fabricante de aço, etc.). Somente o governo obtém a sua renda através da coerção e da violência -- i.e., através da ameaça direta de confisco e detenção caso o pagamento não seja feito prontamente. Esta cobrança coerciva se chama "taxação". Uma segunda distinção é que, independentemente dos criminosos fora da lei, somente o governo pode usar os seus fundos para cometer violência contra os seus próprios e quaisquer outros súditos; somente o governo pode proibir a pornografia, compelir uma obediência religiosa, ou colocar pessoas na prisão por venderem produtos a um preço maior do que o governo considera que seja justo. Ambas as distinções, é claro, podem ser resumidas assim: na sociedade, somente o governo tem o poder de cometer a agressão contra os direitos de propriedade dos seus súditos, seja para extrair a sua renda, para impor o seu código moral, ou para matar aqueles dos quais ele discorda. Além do mais, todo e qualquer governo, até mesmo o menos déspota, sempre obteve o volume de sua renda através do poder coercivo da taxação. E já que vimos que o impulso central do pensamento libertário é se opor a qualquer agressão contra os direitos de todos à vida e à propriedade, o libertário necessariamente se opõe à instituição do estado por ser o inimigo inerente e majoritariamente mais importante destes direitos preciosos.

Existe outra razão pela qual a agressão estatal tem sido de longe mais importante do que a privada, uma razão à parte da maior organização e mobilização central de recursos que os governantes do estado podem impor. A razão é a ausência de qualquer obstáculo à depredação estatal, um obstáculo que existe quando nós temos que nos preocupar com assaltantes ou com a Máfia. Para nos defender de criminosos privados, temos podido nos voltar ao estado e à sua polícia; mas quem pode nos defender do próprio estado? Ninguém. Outra distinção crítica do estado é que ele compele o monopólio do serviço de proteção; o estado arroga para si mesmo um monopólio virtual da violência e da tomada de decisões na sociedade. Se nós não gostamos das decisões dos tribunais do estado, por exemplo, não há outras agências de proteção para as quais nós podemos nos voltar.

É verdade que nos Estados Unidos, pelo menos, nós temos uma constituição que impõe limites estreitos em alguns poderes do estado. Mas, como nós descobrimos no século passado, nenhuma constituição pode se interpretar ou se fazer cumprir; ela precisa ser interpretada pelos homens. E se o poder máximo de interpretar a constituição é dado ao próprio Supremo Tribunal do governo, então a tendência inevitável é que o Tribunal continue dando suporte ao aumento de poderes para o próprio governo. Além do mais, as mais altas "pesos e contrapesos" e "separações de poderes" no governo Americano de fato são frágeis, já que na análise final, todas estas divisões são partes do mesmo governo e são governados pelo mesmo conjunto de governantes.

Um dos teóricos políticos mais brilhantes dos EUA, John C. Calhoun, escreveu profeticamente sobre a tendência inerente do estado de ultrapassar os limites de sua constituição escrita:

Uma constituição escrita certamente tem muitas vantagens consideráveis, mas é um grande erro achar que a mera inserção de condições para restringir e limitar os poderes do governo, sem investir de autoridade aqueles que foram inseridos na proteção, com os meios de forçar a sua obediência, serão suficientes para prevenir o partido dominante e majoritário de abusar dos seus poderes. Sendo o partido com a posse do governo, ele vai. . . favorecer os poderes garantidos pela constituição e se opor às restrições que pretendem limitá-lo. Na qualidade de partidos dominantes e majoritários, eles não terão necessidade destas restrições para sua proteção...

O partido minoritário e mais fraco, ao contrário, iria tomar a direção oposta e considerá-las essenciais à sua proteção contra o partido dominante... Mas onde não há meios pelos quais eles poderiam compelir o partido majoritário a obedecer às restrições, o único recurso deixado para eles seria uma rigorosa construção da constituição... Para isso o partido majoritário iria se opor a uma constituição liberal -- uma que daria às palavras da concessão o mais amplo meio pelo qual eles estariam susceptíveis. Seria então a construção contra a construção -- uma para contrair e a outra para ampliar os poderes do governo ao máximo. Mas qual poderia ser o possível benefício da rigorosa construção pelo partido minoritário, contra a interpretação liberal do majoritário, já que este teria todos os poderes governamentais para levar a sua construção adiante e o outro seria privado de todos os meios de executar a sua construção.  Em um contexto tão desigual, não restaria dúvidas do resultado. O partido em favor das restrições iria ser subjugado... O final do contesto seria a subversão da constituição... as restrições iriam finalmente serem anuladas e o governo seria convertido em um de poderes ilimitados.

Nem a divisão do governo em departamentos independentes e separados, como eles se consideram, preveniria este resultado... como cada um e todos os departamentos -- e, é claro, o governo inteiro -- estaria sob o controle de uma maioria numérica, fica demasiadamente claro também para requerer uma explicação que uma mera distribuição dos seus poderes dentre seus agentes e representantes poderia fazer pouco ou nada para conter sua tendência de opressão e abuso do poder.

Mas porque se preocupar com a fraqueza dos limites do poder governamental? Especialmente em uma "democracia", a exemplo da frase tão frequentemente usada pelos esquerdistas Americanos nos seus períodos de glória, antes da metade da década de 1960, quando as dúvidas começaram a se tornar evidentes na utopia esquerdista: "Não somos nós o governo?" Na frase "nós somos o governo", o útil termo coletivo "nós" proporciona uma camuflagem ideológica sobre a despida realidade exploradora da vida política.  Mas se nós somos realmente o governo, então qualquer coisa que um governo faz a um indivíduo não é somente justo e não tirânico; é também "voluntário" por parte da concessão individual. Se o governo contraiu um déficit público enorme que deve ser pago taxando um grupo em benefício de outro, esta realidade de ônus é convenientemente obscurecida ao se dizer alegremente "nós devemos para nós mesmos" (mas quem é "nós" e quem é "nós mesmo"?). Se o governo convoca um homem para as forças armadas, ou até mesmo o põe na cadeia por opiniões dissidentes, então o homem está somente "fazendo isto por ele mesmo" e, portanto, nada impróprio foi feito. Por este raciocínio, os Judeus assassinados pelo governo Nazista, então, não foram assassinados; eles devem ter "cometido suicídio", já que eles eram o governo (que foi democraticamente escolhido), e, portanto, tudo o que o governo fez a eles foi apenas voluntário por parte deles. Mas não há saída de tais coisas grotescas para os defensores do governo, os quais veem o estado como um agente público meramente benevolente e voluntário.

E então nós devemos concluir que "nós" não somos o governo; o governo não somos "nós". O governo não "representa" de nenhum modo acurado a maioria das pessoas, mas mesmo se o fizesse, mesmo se 90% da população decidisse assassinar ou escravizar os outros 10%, isso ainda seria assassinato e escravidão, não seria suicídio ou escravidão voluntária por parte da minoria oprimida. Crime é crime, agressão contra os direitos é agressão, não importa a quantidade de cidadãos que concorde com a opressão. Não há nada de sagrado na maioria; a multidão linchadora é, também, a maioria no seu próprio domínio.

Mas embora, como no caso da multidão linchadora, a maioria possa se tornar ativamente tirânica e agressiva, a condição normal e contínua do estado é o comando oligárquico; o comando de uma elite coerciva que conseguiu ganhar o controle do maquinário estatal. Há duas razões básicas para isso: uma é a diversidade e divisão do trabalho inerente da natureza do homem, o que dá origem a uma "Lei Rígida da Oligarquia" em todas as atividades do homem; e em segundo vem a natureza parasítica do próprio empreendimento estatal.

Nós dissemos que o individualista não é um igualitário. Parte da razão disto é o discernimento individualista sobre a vasta diversidade e individualidade da raça humana, uma diversidade que tem a chance de florescer e expandir a civilização e o progresso dos padrões de vida. Indivíduos se diferem em habilidades e em interesses, ambas ao alcance e em conjunto com as ocupações; e, portanto, em todas as ocupações e caminhos da vida, seja na produção de aço ou na organização de um clube de bridge, a liderança na atividade será inevitavelmente assumida por um punhado relativamente mais capacitado e eficaz, enquanto a maioria restante irá se formar em comuns seguidores. Esta verdade se aplica em todas as atividades, sejam elas benéficas ou maléficas (como em organizações criminosas). De fato, a descoberta Lei Rígida da Oligarquia foi feita pelo sociólogo italiano Robert Michels, que descobriu que o Partido Social Democrático da Alemanha, apesar de seu compromisso retórico com o igualitarismo, era rigidamente oligárquico e hierárquico na sua função real.

Uma segunda razão básica para o comando oligárquico do estado é a sua natureza parasítica -- o fato de que ele vive coercivamente da produção dos cidadãos. Para obter sucesso para os seus patrocinadores, os frutos da exploração parasítica devem ser confinados a uma relativa minoria, caso contrário o saque sem sentido de todos por todos não resultaria em ganhos para ninguém. Em nenhum lugar a natureza coerciva e parasítica do estado foi tão claramente ilustrada quanto foi pelo grande sociólogo alemão do século XIX, Franz Oppenheimer. Oppenheimer apontou que há dois e apenas dois meios mutuamente exclusivos para o homem obter bens. Um, o método de produção e troca voluntária, o método do livre mercado, os quais Oppenheimer denominou de "meios econômicos"; o outro, o método de roubo pelo uso da violência, ele chamou de "meios políticos". Os meios políticos são claramente parasíticos, pois requerem a produção prévia para que os exploradores possam confiscar, e eles subtraem ao invés de adicionar à produção total da sociedade. Oppenheimer então procedeu em definir o estado como sendo a "organização dos meios políticos" -- a sistematização do processo predatório sobre uma determinada área territorial.

Em resumo, o crime privado é, na melhor das hipóteses, esporádico e incerto; o parasitismo é efêmero, e a linha de vida coerciva e parasítica pode ser cortada a qualquer momento pela resistência das vítimas. O estado provê um canal legal, ordenado e sistemático para os saques das propriedades dos produtores; ele faz a linha de vida da casta parasítica da sociedade ser certa, segura e relativamente "pacífica". O grande escritor libertário Albert Jay Nock escreveu vividamente que "o estado reivindica e exerce o monopólio do crime... Ele proíbe o assassinato privado, mas ele mesmo organiza assassinatos em uma escala colossal. Ele pune o roubo privado, mas ele mesmo põe suas inescrupulosas mãos em tudo que ele quer, seja na propriedade dos cidadãos ou dos estrangeiros".

Obviamente que no começo, é chocante para alguém considerar a taxação como sendo o mesmo que o roubo e, portanto, considerar o governo como um bando de assaltantes. Mas qualquer um que persiste em pensar na taxação como sendo de algum modo um pagamento "voluntário", pode ver o que acontece se escolher não pagar. O grande economista Joseph Schumpeter, ele mesmo de modo algum um libertário, escreveu que "o estado tem vivido da renda que estava sendo produzida na esfera privada para propósitos privados e tiveram que ser desviados destes seus propósitos pela força política. A teoria que interpreta os impostos pela analogia de mensalidades de um clube ou da compra de serviços de, digamos, um doutor, só prova o quão afastado está esta parte das ciências sociais dos hábitos científicos da mente." O eminente "positivista legal" de Veneza Hans Kelsen tentou no seu tratado The General Theory of Law and the State, estabelecer uma teoria política e justificação para o estado, à partir de um embasamento estritamente "científico" e sem julgamento de valores. O que aconteceu é que no começo do seu livro, ele veio com o ponto de partida crucial, o pons asinorum da filosofia política: O que distingue os decretos do estado dos comandos de uma gangue criminosa? A resposta de Kelsen foi simplesmente dizer que os decretos estatais são "válidos", e procedeu alegremente daí, sem se preocupar em definir e explicar o conceito de "validade". De fato, seria um exercício útil aos não libertários ponderar esta questão: Como você pode definir o imposto de um modo que seja diferente do roubo?

Para o grande anarquista individualista -- e advogado constitucional -- Lysander Spooner, não havia problema em achar a solução. A análise de Spooner sobre o estado como um grupo assaltante talvez seja a mais devastadora que já foi escrita:

É verdade que na teoria de nossa constituição todos os impostos são pagos voluntariamente; que nosso governo é uma companhia de seguros mútua, que as pessoas voluntariamente entraram em um acordo umas com as outras para participar. . . .

Mas esta teoria do nosso governo é completamente diferente da realidade prática.  A realidade é que o governo, assim como um ladrão de estrada, diz para um homem: "O dinheiro ou a vida".  E muitos impostos, se não forem todos, são pagos sob a compulsão desta ameaça.

O governo, na verdade, não arma ciladas para um homem em um lugar isolado ao pular repentinamente da beira da estrada para cima dele e, apontando um revólver para sua cabeça, começa a saquear seus bolsos.  Mas o roubo não deixa de ser roubo por conta disso; e ele é muito mais covarde e vergonhoso.

O ladrão de estrada assume sozinho a responsabilidade, o perigo e o crime de seu próprio ato.  Ele não finge que possui qualquer direito legítimo sobre seu dinheiro, ou que ele pretende usá-lo para beneficiar você mesmo.  Ele não finge ser qualquer coisa além de um ladrão.  Ele não tem cara de pau suficiente para declarar que é simplesmente um "protetor", e que ele tira o dinheiro dos homens contra suas vontades simplesmente para possibilitar que ele "proteja" estes tolos viajantes, que se sentem perfeitamente capazes de defender a si mesmos, ou que não apreciem este peculiar sistema de proteção.  Ele é um homem sensato demais para fazer declarações como estas.  Além disso, depois de ter pego seu dinheiro, ele abandona você, conforme você gostaria que ele fizesse.  Ele não continua indo atrás de você na estrada contra a sua vontade; presumindo ser o seu "superior" legítimo por conta da "proteção" que ele fornece a você.  Ele não continua "protegendo" você, ordenando que você se curve e o sirva; exigindo que você faça isso, e proibindo que você faça aquilo; roubando mais dinheiro de você sempre que ele considerar que é do interesse ou do agrado dele fazer isso; e estigmatizando você como um rebelde, um traidor, e um inimigo do seu país, e matando você sem misericórdia se você contestar a autoridade dele ou se resistir às suas exigências.  Ele é muito cavalheiro para ser considerado culpado de tais imposturas, insultos e depravações como estas.  Em resumo, ele, além de roubar você, não tenta fazer de você nem seu incauto nem seu escravo.

Se o estado é um grupo de saqueadores, quem então constitui o estado? A elite dominante consiste claramente, em qualquer momento, de (a) o aparato de tempo integral -- os reis, políticos e burocratas que operam o estado; e (b) os grupos que fizeram manobras para ganhar privilégios, subsídios e benefícios do estado. O restante da sociedade constitui-se dos dominados. Foi, novamente, John C. Calhoun quem viu com uma claridade cristalina que, não importa o quão pequeno seja o poder do Governo, não importa o quão baixa seja a carga tributária ou o quão igual seja a sua distribuição, a pura natureza do governo cria duas classes desiguais e inerentemente conflitantes na sociedade: aqueles que, em termos líquidos, pagam as taxas (os "pagadores de impostos") e aqueles que, em termos líquidos, vivem das taxas (os "consumidores de impostos"). Suponha que o governo imponha um imposto baixo, o qual pareça ser igualmente distribuído, para pagar a construção de uma represa. Este simples ato pega dinheiro da maioria do público para pagar os "consumidores de impostos": os burocratas que conduzem a operação, os empreiteiros e os trabalhadores que constroem a represa etc. E quanto maior o escopo do poder de decisão do governo, maior a sua carga fiscal, Calhoun prosseguiu, na carga e na diferença artificial que ela impõe entre estas duas classes:

Os agentes e empregados do governo, que são relativamente poucos, constituem aquela porção da comunidade que é exclusivamente a destinatária dos procedimentos dos impostos. Seja qual for a quantidade que é retirada da comunidade na forma de impostos, se não for perdida, vai para eles na forma de gastos e pagamentos. Os dois -- pagamento e tributação-- constituem a ação fiscal do governo. Elas são correlativas. O que um tira da comunidade sob o nome de impostos, é trasferido à porção da comunidade que é a destinatária sob nome o de pagamentos. Mas como os destinatários constituem apenas uma porção da comunidade, segue que, pegando juntas as duas partes do processo fiscal, sua ação deve ser desigual dentre os pagadores de impostos e os destinatários de seus procedimentos. Não poderia ser diferente; a não ser que o que for coletado de cada indivíduo na forma de impostos fosse retornado para ele na forma de pagamento, o que tornaria o processo sem sentido e absurdo...

O resultado necessário da ação fiscal desigual do governo é, portanto, dividir a comunidade em duas grandes classes: uma consistindo daqueles que na realidade pagam os impostos e, é claro, exclusivamente aguentam a carga de sustentar o governo; e a outra, daqueles que são os destinatários dos procedimentos através dos seus pagamentos, os quais são, de fato, sustentados pelo governo; ou em poucas palavras, dividi-la em pagadores de impostos e consumidores de impostos.

Mas o efeito disto é colocá-las em relações antagônicas em referencia à ação fiscal do governo -- e o curso das práticas ligadas a elas. Quanto maiores são os impostos e pagamentos, maior é o ganho de uma e a perda da outra, e vice versa... O efeito, portanto, de cada aumento é enriquecer e fortalecer uma, e empobrecer e enfraquecer a outra.

Se em todos os lugares os estados têm sido conduzidos por um grupo de predadores, como eles têm conseguido manter seu controle sobre a massa da população? A resposta, como o filósofo David Hume apontou há dois séculos, é que ao longo dos tempos todo governo, não importa o quão ditatorial, depende do apoio da maioria dos seus súditos. Agora, é claro que isso não torna estes governos "voluntários", já que a própria existência do imposto e outros poderes coercivos mostram quanta compulsão o estado precisa exercer. Nem o apoio da maioria precisa ser uma aprovação ávida e entusiasmada; ele poderia bem ser uma aquiescência e resignação meramente passiva. A conjunção na famosa frase "morte e impostos" implica a aceitação passiva e resignada da inevitabilidade assumida do estado e da sua tributação.

Os consumidores de impostos, os grupos que se beneficiam das operações do estado, irão é claro ser seguidores mais ávidos do que passivos do mecanismo estatal. Mas estes são apenas a minoria. Como é que pode ser assegurada a obediência e aquiescência da massa da população? Nós chegamos aqui no problema central da filosofia política -- o ramo da filosofia que lida com a política, o exercício da violência regularizada: o mistério da obediência civil. Por que as pessoas obedecem aos decretos e depredações da elite dominante? O escritor conservador James Burnham, o qual é o inverso de um libertário, põe o problema de forma muito clara, admitindo que não há justificação racional para a obediência civil: "Nem a origem nem a justificação do governo pode ser posta inteiramente em termos racionais... por que eu deveria aceitar a legitimidade hereditária ou democrática ou de qualquer outro princípio? Por que um princípio justifica o domínio de um homem sobre a minha pessoa?" Sua própria resposta é dificilmente dada na intenção de convencer muitos outros: "Eu aceito o princípio, bem... por que eu aceito, por que é o jeito como as coisas são e têm sido." Mas suponha que alguém não aceite o princípio; qual será o "jeito" então? E por que é que a massa dos súditos concorda em aceitá-lo?

 O estado e os intelectuais

A resposta é que, desde as remotas origens do estado, seus governantes têm sempre recorrido a uma aliança com a classe intelectual da sociedade, sendo este um amparo necessário ao seu domínio. As massas não criam suas próprias idéias abstratas, ou pensam estas idéias independentemente de fato; elas seguem passivamente as idéias adotadas e promulgadas pelo corpo dos intelectuais, que se tornam os "formadores de opinião" efetivos da sociedade. E já que é precisamente de uma formação de opinião em favor dos governantes que o estado necessita quase que desesperadamente, isto forma uma base firme para a aliança dos intelectuais e das classes dominantes do estado desde a idade-antiga. A aliança é baseada em um quid pro quo: de um lado, os intelectuais difundem dentre as massas que o estado e seus governantes são sábios, bons, às vezes divinos e bem por último, inevitáveis e melhores do que quaisquer alternativas concebíveis. Em troca desta ideologia protetora, o estado incorpora os intelectuais como parte da elite dominante, garantindo a eles poder, status, prestígio e segurança material. Além do mais, os intelectuais são necessários para prover a burocracia com pessoal e para "planejar" a economia e a sociedade.

Antes da era moderna, a casta sacerdotal era particularmente potente dentre os ajudantes do estado, consolidando a poderosa e terrível aliança do chefe guerreiro e do curandeiro, do trono e do altar. O estado "estabeleceu" a Igreja e a conferiu poder, prestígio e riquezas extraídas dos seus súditos. Em troca, a Igreja consagrou o estado com uma sanção divina e apontou esta sanção à população. Na era moderna, quando os argumentos teocráticos perderam a maior parte do seu esplendor perante o público, os intelectuais passaram a posar como um núcleo científico de "especialistas" e têm estado ocupados informando o infeliz público que os afazeres políticos, internos e externos, são muito complexos para as pessoas comuns se preocuparem com eles. Só o estado e o seu corpo de intelectuais especialistas, planejadores, cientistas, economistas, e "gerentes da segurança nacional" podem almejar lidar com estes problemas. A função das massas, mesmo nas "democracias", é ratificar e consentir as decisões dos sábios governantes.

Historicamente, a união da Igreja e do estado, do Trono e do Altar, foi o artifício mais eficiente para induzir obediência e suporte perante os súditos. Burnham atesta o poder do mito e do mistério na indução do apoio público quando ele escreve que "Nos tempos remotos, antes que as ilusões da ciência tivessem corrompido a sabedoria tradicional, os fundadores das cidades eram conhecidos por serem deuses ou semi-deuses." Para o estabelecido ofício-sacerdotal, o governante ou era consagrado por Deus ou, como no caso do regime absolutista de muitos despotismos orientais, era ele o próprio Deus; portanto, qualquer questionamento ao seu comando seria blasfêmia.

As armas ideológicas que o estado e seus intelectuais usaram ao longo dos séculos para induzir seus súditos a aceitarem seu regime são numerosas e sutis. Uma arma excelente foi o poder da tradição. Quanto mais longa for duração do regime de qualquer estado, mais poderosa se torna esta arma; pois então a dinastia-X ou o estado-Y tem o peso de uma aparente tradição de séculos por trás deles. A adoração dos ancestrais de alguém se torna então meios não-tão-sutis de cultivar a adoração pelos ancestrais dos governantes. A força da tradição é, de fato, apoiada pelo costume antigo, o qual confirma aos súditos a aparente propriedade e legitimidade do regime sob o qual eles vivem. Deste modo, o teórico político Bertrand De Jouvenel escreveu:

A razão essencial da obediência é que ela se tornou um costume das espécies... Para nós, o poder é um fato da natureza. Desde os tempos mais remotos da história documentada ela tem presidido sobre os destinos humanos... as autoridades que governaram... nos tempos passados não desapareceram sem deixar para os seus sucessores os seus privilégios ou sem deixar na mente humana impressões que são cumulativas em seus efeitos. A sucessão de governos que, ao longo dos séculos, comandou a mesma sociedade, pode ser visto como um governo obscuro que emprega acréscimos contínuos.

Outra força ideológica potente usada pelo estado é a desconsideração do indivíduo e a exaltação do coletivo da sociedade, tanto do passado quanto do presente. Qualquer voz isolada, qualquer levantador de novas questões pode ser atacado por ser um violador profano da sabedoria de seus ancestrais. Além do mais, qualquer idéia nova, ainda mais alguma idéia crítica nova, deve necessariamente começar como a opinião de uma pequena minoria. Desta maneira, para repelir qualquer idéia que seja potencialmente perigosa em ameaçar a aceitação majoritária do seu regime, o estado irá tentar corromper a nova idéia, ridicularizando qualquer idéia que seja contra a opinião da massa. Os modos pelos quais os governantes do estado nos antigos despotismos Chineses usaram a religião como um método de cegar o indivíduo para o regime Estatista da sociedade foi sumarizado por Norman Jacobs:

A religião chinesa é uma religião social, procurando resolver os problemas de interesses sociais, não de interesses individuais... A religião é essencialmente uma força de ajuste e controle social impessoal -- ao invés de um instrumento para soluções pessoais do indivíduo -- e ajuste e controle social são efetuados através da educação e da reverência pelos superiores... Reverência pelos superiores -- superiores em idade e, portanto, em educação e experiência -- é a fundação ética do ajuste e controle social... Na China, a relação interpessoal da autoridade política com a religião ortodoxa iguala heterodoxia com o erro político. A religião ortodoxa foi particularmente ativa em perseguir e destruir os setores heterodoxos; com isso ele foi banido pelo poder secular.

A tendência geral do governo procurar e impedir qualquer ponto de vista heterodoxo foi esboçado, em um estilo tradicionalmente gracioso e agradável, pelo escritor libertário H.L. Mencken:

Tudo [que o governo] pode ver em uma idéia original é um potencial de mudança e, portanto, uma invasão às suas prerrogativas. O homem mais perigoso, para qualquer governo, é o homem capaz de pensar as coisas por ele mesmo, sem considerar as superstições e tabus correntes. Ele, quase que inevitavelmente, chega à conclusão que o governo  sob o qual ele vive é desonesto, insano e intolerável e assim sendo, se ele for romântico, ele tenta mudar isso. E mesmo se ele não for pessoalmente romântico, ele tem muita propensão a difundir o descontentamento dentre aqueles que são.

É também particularmente importante para qualquer estado fazer com que o seu regime pareça inevitável: mesmo se o seu reinado não agrade, como é frequentemente o caso, isso será recebido com uma resignação passiva expressa no famoso dueto "morte e impostos." Um método é trazer para o seu lado o determinismo histórico: se o estado-X nos governa, então isso foi inevitavelmente decretado para nós pelas Leis Inexoráveis da História (ou pela Vontade Divina, ou o Absoluto, ou as Forças Materiais Produtivas), e nada que quaisquer indivíduos insignificantes façam pode mudar o inevitável. É importante também para o estado inculcar nos seus súditos a aversão a qualquer afloramento do que é hoje chamado de "teoria da conspiração da história." Uma busca por "conspirações", por mais sem sentido que sejam frequentemente os resultados, significa uma busca por motivos e uma atribuição de responsabilidade individual para com os delitos históricos das elites dominantes. Se, por outro lado, qualquer tirania ou venalidade ou guerra agressiva imposta pelo estado não foi trazida pelos governantes de um estado em particular, mas por "forças sociais" misteriosas e enigmáticas, ou por um estado imperfeito do mundo -- ou se, de alguma forma, todos foram culpados ("Nós todos somos assassinos," proclama um slogan comum), então não há razão pela qual alguém fique indignado e conteste tais delitos. Além do mais, o descrédito das "teorias da conspiração" -- ou até mesmo, de qualquer coisa cheia de "determinismo econômico" -- vai fazer com que os súditos fiquem mais aptos a acreditar nas razões do "bem estar geral" que são invariavelmente postas à vista pelo estado moderno para engajar em quaisquer ações agressivas.

Faz-se com que o domínio do estado pareça ser inevitável. Além do mais, qualquer alternativa ao estado existente é envolvida em uma aura de medo. Ao menosprezar o seu próprio monopólio do roubo e da função predatória, o estado provoca dentre os seus súditos o medo de um cenário de caos que supostamente iria se seguir caso o estado viesse a desaparecer. Dizem que as pessoas nunca poderiam prover, por conta própria, a sua própria proteção contra criminosos e saqueadores esporádicos.  Além do mais, cada estado tem sido particularmente bem sucedido ao longo dos séculos em instaurar o medo dentre os seus súditos de governantes de outros estados. Com a área territorial do globo agora parcelada entre estados específicos, uma das doutrinas básicas e táticas dos governantes de cada estado tem sido se identificar com o território que ele governa. A partir do momento que a maioria dos homens tende a amar a sua terra natal, a identificação daquela terra e da sua população com o estado é um meio de fazer o patriotismo natural funcionar em prol do estado. Se então a "Ruritania" é atacada pela "Walldavia", a primeira tarefa do estado Ruritanio e dos seus intelectuais é a de convencer as pessoas da Ruritania que o ataque é realmente a elas e não simplesmente à classe dominante. Desta forma, uma guerra entre governantes se torna uma guerra entre pessoas, com cada pessoa investindo na defesa de seus governantes pela crença errônea de que os governantes estão as defendendo ativamente. Este mecanismo de nacionalismo tem sido bastante eficiente nos séculos recentes; não era assim há um tempo, pelo menos na Europa Ocidental, quando a massa dos súditos considerava guerras como batalhas irrelevantes entre diversos grupos de nobres e suas comitivas.

Outro método experimentado e preciso para submeter os súditos à vontade de alguém é a infusão de culpa. Qualquer aumento no bem-estar privado pode ser atacado como "ganância inescrupulosa", "materialismo" ou "riqueza excessiva"; e trocas mutuamente voluntárias no mercado podem ser denunciadas como "egoísmo." De alguma forma as conclusões tiradas sempre são as de que mais recursos precisam ser expropriados do setor privado e extraídos para o setor  "público" parasita, ou do estado. Frequentemente o clamor ao público para que este entregue mais recursos é exprimida pela elite dominante com um clamor severo por mais "sacrifícios" pelo bem comum ou nacional. Porém, de alguma forma enquanto o público supostamente precisa sacrificar e reduzir a sua "ganância materialista", os sacrifícios são sempre unilaterais. O estado não se sacrifica; o estado avidamente rouba mais e mais dos recursos materiais do público. De fato, é regra prática bem útil: quando o seu governante clamar ardorosamente por "sacrifícios", atente para a sua própria vida e seus recursos financeiros.

Este tipo de argumentação reflete um padrão duplo geral de moralidade que é sempre aplicado somente aos governantes do estado e à ninguém mais. Ninguém, por exemplo, fica surpreso ou horrorizado ao saber que os homens de negócios buscam maiores lucros. Ninguém se horroriza se os trabalhadores trocam seus empregos de salários menores por aqueles com salários maiores. Tudo isto é considerado um comportamento apropriado e normal. Mas se alguém ousar dizer que os políticos e burocratas são motivados pelo desejo de maximizarem seus lucros, acusações alvoroçadas de "teoria conspiratória" ou "determinismo econômico" surgem de toda parte. A opinião geral -- cultivada cuidadosamente pelo estado é claro -- é que o homem entra na política ou no governo puramente por uma preocupação devotada pelo bem comum e pela prosperidade. O que dá aos cavalheiros do aparato estatal a sua aura de superioridade moral? Talvez seja o conhecimento instintivo e obscurecido da população de que o estado está engajado no roubo e depredação sistemáticos, assim, eles poderiam sentir que apenas uma dedicação ao altruísmo por parte do estado tornaria toleráveis estas ações. Considerar políticos e burocratas sujeitos aos mesmos interesses monetários que todo mundo arrancaria o disfarce de Robbin Hood da depredação estatal. Estaria claro então que, fraseando Oppenheimer, cidadãos ordinários estavam buscando os "meios econômicos" pacíficos e produtivos para a riqueza, enquanto o aparato estatal estava se devotando aos "meios políticos" coercivos e exploradores. As roupas do imperador de suposta preocupação altruísta pelo bem comum seriam então arrancadas dele.

Os argumentos intelectuais usados pelo estado ao longo da história para "construir o consenso" do público pode ser classificado em duas partes: (1) que o regime do governo existente é inevitável, absolutamente necessário e muito melhor do que os maus indescritíveis que surgiriam com a sua queda; e (2) que os governantes do estado são homens especialmente grandiosos, sábios e altruístas -- bem mais grandiosos, sábios e avançados do que seus meros súditos. Nos tempos passados, este segundo argumento tomou a forma do regime do "direito divino" ou do próprio "governante divino", ou pela "aristocracia" dos homens. Nos tempos modernos, como nós indicamos anteriormente, este argumento não pressiona tanta aprovação divina quanto o regime de uma sábia associação de "cientistas experts" especialmente dotados do conhecimento da arte de governar e dos fatos enigmáticos do mundo. O crescente uso do jargão científico, especialmente nas ciências sociais, permitiu aos intelectuais tecerem a apologia ao regime estatal que rivaliza com o antigo poder sacerdotal de obscurantismo. Por exemplo, um ladrão que presumiu justificar seu roubo falando que ele estava realmente ajudando as suas vítimas com seus gastos, deste modo dandoao comércio varejista um estímulo necessário, seria escurraçado na mesma hora. Mas quando essa mesma teoria é revestida por equações matemáticas Keynesianas e referências impressionantes ao "efeito multiplicador", ganha muito mais respaldo com um público iludido.

Nos anos recentes, temos visto um crescimento nos Estados Unidos da profissão de "administradores da segurança nacional", de burocratas que nunca se depararam com procedimentos eleitorais, mas que continuam, administração após administração, secretamente usando sua suposta experiência especial para planejar guerras, intervenções e aventuras militares. Foi preciso que eles cometessem erros crassos na guerra do Vietnã para que suas atividades fossem questionadas pela opinião pública; antes disso eles foram capazes de pisar forte, ampla e lindamente sobre o povo, que eles viam apenas como bucha de canhão para ser usada em seus próprios propósitos.

O debate público entre o "isolacionista" senador Robert A. Taft e um dos líderes intelectuais da segurança nacional, Mac George Bundy, foi instrutivo em demarcar ambas as questões em jogo e a atitude da elite dominante intelectual. Bundy atacou Taft no começo de 1951 por abrir um debate público no decorrer da guerra com a Coréia. Bundy insistiu que apenas os líderes políticos do executivo estavam preparados para manipular a força diplomática e militar em um período prolongado de guerra limitada contra as nações comunistas. Era importante, dizia Bundy, que a opinião pública e o debate público não manifestassem qualquer orientação política nesta área. Pois, ele alertou, o público infelizmente não estava comprometido com os rígidos propósitos nacionais compreendidos pelos admnistradores políticos; isso meramente respondeu às realidades ad hoc de certas situações. Bundy também disse que não deveria haver recriminações ou até mesmo análises das decisões dos admnistradores políticos, porque era importante que o público aceitasse às suas decisões sem questionar. Taft, em contra partida, denunciou as tomadas de decisões secretas os conselheiros militares e especialistas no ramo executivo, decisões efetivamente escondidas do público. Além do mais, ele reclamava, "se qualquer um  ousasse sugerir críticas ou até mesmo um debate, ele era tachado como um isolacionista e um sabotador da integridade e da política externa bipartidária".

Similarmente, em um momento quando o presidente Eisenhower e o secretário de estado Dulles estavam contemplando ir à guerra na Indochina, outro proeminente admonistrador da segurança nacional, George F. Kennan, estava advertindo ao público que "Existem momentos em que, tendo elegido um governo, estaremos melhor se deixarmo-lo governar, deixarmo-lo falar por nós como ele fará nos conselhos das nações".

Nós podemor ver claramente porque o estado precisa dos intelectuais, mas por que os intelectuais precisam do estado? Simplificando, o sustento dos intelectuais no livre mercado não é geralmente muito seguro; o intelectual, como qualquer um no mercado, depende dos valores e escolhas das massas de seus concidadãos e é da característica das massas que elas são geralmente desinteressadas por assuntos intelectuais. O estado, por outro lado, está disposto a oferecer aos intelectuais uma posição prestigiosa, segura e permanente no seu aparato, uma renda assegurada e muitas glórias.

A intusiástica aliança entre o estado e os intelectuais foi simbolizada pelo desejo ávido dos professores na Universidade de Berlin a formarem, no século XIX, no que eles mesmos proclamaram de "guarda-costas intelectuais da Casa de Hohenzollern." De uma perspectiva ideológica superficialmente diferente, isso pode ser visto na reação reveladoramente ultrajante do eminente escolástico Marxista da China antiga, Joseph Needham, à áspera critica de Karl Wittfogel ao antigo despotismo chinês. Wittfogel mostrou a importância, para o suporte do sistema, da glorificação confuciana dos cavalheiros-estudiosos que administravam a burocracia dominante da China despótica. Needham acusou indignadamente que a "civilização que o professor Wittfogel está atacando tão amargamente era uma que podia fazer poetas e escolásticos virarem funcionários públicos." Qual o problema com um totalitarismo contanto que a classe dominante seja abundantemente formada por intelectuais certificados!

A atitude respeitadora e bajuladora dos intelectuais perante seus governantes foi ilustrada inúmeras vezes ao longo da história. Uma cópia contemporânea americana do "guarda-costas intelectual da Casa de Hohenzollern" é a atitude de muitos intelectuais esquerdistas perante o ofício e pessoa do presidente. Deste modo, para o cientista político Professor Richard Neustadt, o presidente é o "único símbolo da realeza da união". E o admnistrador político Townsend Hoopes, no inverno de 1960, escreveu que "sob o nosso sistema, ao povo podem se voltar apenas para o presidente para definir a natureza do problema de nossa política externa e dos programas nacionais e os sacrifícios requeridos para satisfazê-los com efetividade." Após gerações com essa retórica, não é de se admirar que Richard Nixon descrevesse então, na noite de sua eleição presidencial, o seu papel: "Ele [o presidente] deve articular os valores da nação, definir seus fins e guiar os seus desejos." A concepção de Nixon sobre o seu papel é assombrosamente parecida com a articulação de Ernst Huber, na Alemanha dos anos de 1930, da Lei Constitucional do Grandioso Reich Germânico. Huber escreveu que o líder do estado "estabelece os grandes fins que devem ser alcançados e traça os planos para a utilização de todas as forças nacionais na realização dos fins comuns... ele dá à vida nacional seu verdadeiro propósito e valor."

A atitude e motivação dos guarda-costas intelectuais da segurança nacional contemporânea do estado foi ironicamente descrita por Marcus Raskin, que foi um membro do Conselho da Segurança Nacional durante a administração Kennedy. Chamando-os de "intelectuais genocídas," Raskin escreve que:

...a função mais importante deles é justificar e prolongar a existência de seus empregadores... Para justificar a contínua produção em larga-escala destas bombas e mísseis [termonucleares], líderes militares e industriais precisavam de algum tipo de teoria para racionalizar o seu uso... Isso se tornou particularmente urgente durante o final dos anos de 1950, quando a membros da Administração Eisenhower mais voltados a economia começaram a se perguntar porque tanto dinheiro e recursos estavam sendo gastos com armas se o seu uso não podia ser justificado. E então começaram uma série de racionalizações por parte do "intelectuais da defesa" dentro e fora das universidades... A aquisição militar irá continuar a florescer e eles irão continuar a demonstrar porque ela deve continuar. Neste quesito eles não são diferentes da grande maioria dos especialistas modernos que aceitam as suposições das organizações que os empregam por causa das recompensas em dinheiro e do poder e prestígio... Eles sabem o suficiente para não questionarem o direito de seus empregadores existirem.

Isso não quer dizer que todos os intelectuais em todos os lugares têm sido "intelectuais da corte", servidores e parceiros juniores do poder. Mas essa tem sido a condição dominante na história das civilizações -- geralmente na forma de um sacerdócio -- assim como a condição dominante nestas civilizações tem sido a de uma ou outra forma de despotismo. Existiram, porém, algumas exceções gloriosas, particularmente na história da civilização ocidental, onde os intelectuais frequentemente foram críticos sinceros e oponentes do poder estatal, e usaram seus dons intelectuais para moldar sistemas teóricos que podiam ser usados na luta pela libertação daquele poder. Mas, invariavelmente, estes intelectuais só puderam surgir como uma força significante quando eles puderam operar à partir de uma base de poder independente -- uma propriedade como base independente -- separada do aparato estatal. Aonde quer que o estado controle todas as propriedades, riquezas, e oferta de empregos, todos estão economicamente dependentes dele e se torna difícil, se não impossível, para que essa crítica independente surja. Foi no ocidente, com o seu foco de poder descentralizado, suas fontes de propriedade e oferta de empregos independentes e, consequentemente, de bases para criticar o estado, onde um corpo de intelectuais pode florescer. Na Idade Média, a Igreja Católica Romana que era pelo menos separada, se não independente, do estado, e as novas cidades livres foram capazes de servir como centros de oposição intelectual e também substantiva. Nos últimos séculos, professores, ministros e panfleteiros em uma sociedade relativamente livre eram capazes de usar a sua independência do estado para agitar uma maior expansão da liberdade. Em contraste, um dos primeiros filósofos libertários, Lao-tse, morando no meio do antigo despotismo chinês, não via esperança em alcançar a liberdade naquela sociedade totalitária, exceto por recomendar quietismo, ao ponto de se afastar completamente da vida social .

Com um poder descentralizado, com uma igreja separada do estado, com cidades e municípios podendo se desenvolver fora da estrutura do poder feudal, e com liberdade na sociedade, a economia pode se desenvolver na Europa ocidental de uma maneira que transcendeu todas as civilizações anteriores. Além do mais, a estrutura tribal germânica -- e particularmente a celta -- que sucedeu à desintegração do Império Romano, tinha fortes elementos libertários. Ao invés de um poderoso aparato estatal exercendo um monopólio da violência, as disputas eram resolvidas com os homens da tribo em disputa consultando os anciões da tribo sobre a natureza e aplicação dos costumes e da lei comum da tribo. O "chefe" era geralmente um mero líder de guerra que era chamado para o seu papel de guerreiro apenas quando havia uma guerra iminente com outras tribos. Não havia guerra permanente ou uma burocracia militar nas tribos. Na Europa ocidental, assim como em muitas outras civilizações, o modelo típico da origem do estado não era através de um "contrato social" voluntário, mas pela conquista de uma tribo por outra. A liberdade original da tribo ou da classe camponesa deste modo vira vítima dos conquistadores. A princípio, a tribo conquistadora matou e saqueou as vítimas e se retirou. Mas em certo momento os conquistadores decidiram que seria mais lucrativo instalar-se entre os camponeses conquistados e controlá-los e saqueá-los de forma sistemática e permanente. O tributo periódico extraído dos súditos conquistados foi eventualmente chamado de "imposto". Também, com igual generosidade, os caciques das tribos parcelaram o território da classe camponesa entre vários líderes militares, os quais foram então capazes de se instalarem e coletarem um "aluguel" feudal da classe camponesa. Os camponeses frequentemente eram escravizados, ou transformados em servos, para que a própria terra pudesse prover uma fonte contínua de trabalho explorado para os senhores feudais.

Nós podemos notar alguns exemplos relevantes para nascimento do estado moderno através da conquista. Um foi a conquista militar da classe camponesa indígena na America Latina pelos espanhóis. A Espanha conquistadora não apenas estabeleceu um estado novo sobre os indígenas, mas a terra dos camponeses foi divida entre os líderes militares, os quais ficaram desde então coletando aluguéis dos agricultores. Outro exemplo foi a nova forma política imposta sobre os saxões da Inglaterra após sua conquista pelos normandos em 1066. A terra da Inglaterra foi dividida entre os líderes guerreiros normandos, os quais formaram então um aparato estatal e feudal de domínio sobre a população súdita. Para o libertário, o mais interessante e certamente o mais doloroso exemplo da criação de um estado através da conquista foi o da destruição da sociedade libertária da Irlanda antiga pela Inglaterra no século XVII, uma conquista que estabeleceu um estado imperial e expulsou inúmeros irlandeses da sua terra natal. A sociedade libertária da Irlanda, a qual durou por mil anos -- e que será descrita mais adiante -- foi capaz de resistir à conquista inglesa por séculos por causa da ausência de um estado que poderia ser facilmente conquistado e depois usado pelos conquistadores para dominar a população nativa.

Mas ao passo que por toda a história ocidental, os intelectuais formularam teorias designadas a checar e limitar o poder estatal, cada estado pode usar seus próprios intelectuais para tornar essas idéias ainda mais legitimadores do seus próprio avanço de poder. Deste modo, na Europa ocidental, originalmente, o conceito de "direito divino dos reis" era uma doutrina promovida pela igreja para limitar o poder estatal. A idéia era que o rei não podia apenas impor sua vontade arbitrária. Seus decretos eram limitados nos conformes da lei divina. Com o avanço da monarquia, porém, os reis puderam transformar o conceito em uma idéia de que Deus punha seu selo de aprovação em quaisquer ações dos reis; que ele governava pelo "direito divino".

Similarmente, o conceito de uma democracia parlamentar começou como um controle popular no governo absoluto do monarca. O rei era limitado pelo poder do parlamento de garantir a ele os rendimentos dos impostos. Gradualmente, porém, como o parlamento substituiu o rei como a chefe do estado, o próprio parlamento se tornou o soberano do estado sem controle algum. No início do século XIX, os utilitárias ingleses, que defenderam mais liberdade individual em nome da utilidade social e do bem estar geral, viram estes conceitos serem transformados em sanções para a expansão do poder estatal.

Como escreveu De Jouvenel:

Muitos escritores de teorias de soberania desenvolveram um ou outro destes dispositivos restritivos. Mas no fim das contas, cada teoria destas perdeu, mais cedo ou mais tarde, o seu propósito original, vindo a atuar meramente como um trampolim para o poder, provendo-o com o auxílio poderoso de uma soberania invisível, com a qual ele podia se identificar exitosamente no devido tempo.

Certamente a tentativa mais ambiciosa da historia para impor limites no estado foi a Declaração dos Direitos dos Cidadãos e outras partes restritivas da Constituição Americana. Aqui, os limites escritos para o governo se tornaram a lei fundamental, para serem interpretados por um judiciário supostamente independente das outras partes do governo. Todos os americanos estão familiarizados com o processo pelo qual a análise profética de John C. Calhoun tem se justificado; o próprio monopólio judiciário do estado tem inexoravelmente ampliado a construção do poder estatal ao longo do ultimo século e meio. Mas poucos foram tão sagazes quanto o professor esquerdista Charles Black -- que saúda o processo -- em ver que o estado foi capaz de transformar a própria revisão judicial de um dispositivo limitador em um poderoso instrumento para ganhar legitimidade para as suas ações perante a opinião pública. Se um decreto judicial de "inconstitucional" é uma verificação poderosa no poder governamental, também o veredicto de "constitucional" é igualmente uma arma poderosa para alimentar a aceitação pública de um poder governamental ainda maior.

O professor Black inicia sua análise apontando a necessidade crucial pela "legitimidade" de qualquer governo para que este possa durar; isto é, a aceitação básica da maioria ao governo e suas ações. A aceitação de legitimidade, porém, se torna um grande problema em um país como os Estados Unidos, onde "limitações substantivas são construídas na teoria pela qual o estado sobrevive". O que é preciso, acrescenta Black, é um método pelo qual o governo pode assegurar ao público que  suas expansões de poder são de fato "constitucionais". E esta, ele conclui, tem sido a principal função histórica da revisão judicial. Deixe Black ilustrar o problema:

O risco supremo [para o governo] é o do desafeto e de um sentimento de abuso amplamente disseminado perante a população, e a perda de autoridade moral pelo governo como tal, por mais quetenha sido escorado pela força ou inércia ou pela carência de uma alternativa atraente e imediatamente disponível. Quase todo mundo que vive sob um governo de poderes limitados, deve mais cedo ou mais tarde se sujeitar a alguma ação governamental que, como uma questão de opinião pessoal, ele considere como estando fora do poder governamental ou positivamente proibido para o governo. Um homem é saqueado, mesmo não encontrando nada na constituição sobre ser saqueado... A um fazendeiro, é dito quanto trigo ele pode plantar; ele acredita, e descobre que alguns respeitáveis advogados acreditam com ele, que o governo não tem mais direito para lhe dizer quanto trigo ele pode plantar do que ele tem para dizer com quem sua filha pode se casar. Um homem é mandado à penitenciária federal por dizer o que ele quis, e ele marcha para sua cela repetindo... "O congresso não deve fazer leis reduzindo a liberdade de expressão"... A um empresário, é dito o quanto ele pode cobrar, e deve cobrar, por uma manteiga.

O perigo é real o bastante que cada uma destas pessoas (e quem não faz parte dessa multidão?) vá confrontar o conceito de limite governamental com a realidade (como ele a vê) do flagrante extrapolamento dos seus limites reais, e chegar na conclusão óbvia sobre o status de seu governo com respeito à legitimidade.

Este perigo é evitado, adiciona Black, com o estado propondo a doutrina de que a agência de alguém deve ter a decisão final sobre a constitucionalidade, e que esta agência deve ser parte do próprio governo federal. Pois ao passo que a aparente independência do judiciário federal teve um papel vital em fazer com que suas ações parecessem virtualmente como uma Sagrada Escritura para a massa da população, também é verdade que o judiciário é parte e parcela do aparato governamental e é designado pelos ramos executivos e legislativos. O professor Black reconhece que o governo se auto-estabeleceu como um juiz no seu próprio caso e, portanto, violou um princípio jurídico básico para se chegar a qualquer tipo de decisão justa. Mas Black é notoriamente iluminado sobre esta brecha fundamental : "O poder final do estado... deve parar onde as leis o param. E quem deve estabelecer o limite, e quem deve forçar a interrupção contra o maior poder? Por que, o próprio estado, é claro, através de seus juízes e suas leis. Quem controla o moderado? Quem ensina ao sábio?..." E então Black admite que quando nós temos um estado, nós cedemos todas as nossas armas e meios de coerção ao aparato estatal, nós voltamos todas os nossos poderes de tomada de decisões finais a este grupo definido, e então nós devemos celebrar bastante, sentar para trás quietinhos e aguardar a corrente sem fim da justiça que vai se despejar destas instituições -- mesmo eles estando julgando basicamente o próprio caso deles. Black não vê alternativa concebível a este monopólio coercivo de decisões judiciais compelido pelo estado, mas aqui é precisamente onde o nosso novo movimento desafia esta visão convencional e afirma que há uma alternativa viável: o libertarianismo.

Não vendo tal alternativa, o Professor Black se volta a um misticismo na sua defesa do estado, pois em suas análises finais ele constata que o empreendimento da justiça e a legitimidade dos perpétuos julgamentos feitos pelo estado na sua própria causa seriam "algo milagroso". Desta forma, o esquerdista Black se junta ao conservador Burnham ao recorrer ao milagroso e assim sendo, admitindo que não há argumento racional satisfatório na defesa do estado.

Aplicando a sua visão realística da Suprema Corte ao famoso conflito entre a Corte Suprema e o New Deal nos anos de 1930, o Professor Black repreende seus colegas esquerdistas pelas suas visões míopes ao denunciarem o obstrucionismo judicial:

...a versão padrão da história do New Deal e da Corte, apesar de acurada na sua forma, desloca a ênfase... Ela concentra nas dificuldades; ela quase esquece como toda a coisa terminou. O desfecho da questão foi que (e isso é o que eu gosto de dar ênfase) depois de uns vinte quatro meses de fracasso... A Suprema Corte, sem nem uma única alteração na composição da lei, colocou a estampa afirmativa de legitimidade no New Deal e na completa nova concepção do governo na América. [Itálico do autor.]

Desta forma, a Suprema Corte foi capaz de dar o golpe final nogrande número de americanos que tinham fortes objeções constitucionais aos poderes expandidos do New Deal:

É claro que nem todos estavam satisfeitos. O "Bonnie Prince Charlie" do laissez-faire constitucionalmente comandado ainda agita o coração de alguns fanáticos nas montanhas da fantasia colérica. Mas não há mais nenhuma dúvida pública significante ou perigosa quanto ao poder constitucional do congresso para lidar com a economia nacional... Nós não tivemos meios, além da Suprema Corte, para conceder legitimidade ao New Deal.

Deste modo, até mesmo nos Estados Unidos,o único entre os governos a ter uma constituição, com partes das quais ao menos pretendiam impor limites rigorosos e solenes nas suas ações, até mesmo aqui a Constituição provou ser um instrumento para ratificar a expansão do poder estatal ao invés de se opor a ela. Como disse Calhoun, quaisquer limites escritos que são deixados para o governo interpretar os seus próprios poderes, estão fadados a serem interpretados como sanções para expandir e não amarrar tais poderes. De um modo profundo, a idéia de amarrar o poder com as correntes de uma constituição escrita provou ter sido um nobre experimento que falhou. A idéia de um governo estritamente limitado provou ter sido uma utopia; outros meios, mais radicais, precisam ser encontrados para prevenir o crescimento do estado agressivo. O sistema libertário satisfaria este problema eliminando toda a noção de se criar um governo -- uma instituição com um monopólio coercivo da força em um determinado território -- e de então esperar encontrar maneiras para evitar a expansão deste governo. A alternativa libertária é se abster da criação de tal monopólio governamental.

Nós vamos explorar toda a ideia de uma sociedade sem um estado, uma sociedade sem um governo formal, nos próximos capítulos. Mas um exercício instrutivo é tentar abandonar as maneiras habituais de ver as coisas e considerar o argumento pelo estado de novo. Vamos tentar transcender o fato de que até onde lembramos, o estado tem monopolizado os serviços policiais e judiciários na sociedade. Suponha que nós todos estivéssemos partindo completamente do zero, e que milhões de nós fomos deixados na terra, totalmente crescidos e desenvolvidos, de algum outro planeta. O debate começa com como a proteção (serviços policiais e judiciários) serão fornecidos. Alguém diz; "Vamos todos dar todas as nossas armas para aquele Joe Jones ali e aos seus parentes. Vamos também deixar o Jones e a sua família decidir todas as disputas entre a gente. Desta maneira, os Jones vão poder proteger todos nós de qualquer agressão ou fraude que qualquer um possa cometer. Com todo o poder e toda a capacidade para tomar as decisões finais das disputas nas mãos de Jones, nós todos estaremos protegidos uns dos outros. E por fim, vamos deixar os Jones obter sua receita para prestar este grande serviço usando suas armas e extorquindo tantos impostos pela coerção quanto eles desejarem." Certamente neste tipo de situação, ninguém trataria  esta proposta como nada mais do que ridícula. Seria totalmente evidente que não haveria maneira, neste caso, de nenhum de nós nos protegermos contra as agressões, ou depredações, dos próprios Jones. Ninguém então seria tão tolo ao ponto de responder àquela velha e discernente questão; "Quem irá defender os defensores?" com idéia do Professor Black: "Quem controla o moderado?". É só porque nós estamos acostumados com milhares de anos de existência do estado que nós damos este tipo de resposta absurda ao problema da proteção e defesa social.

E, é claro, o estado nunca de fato começou com este tipo de "contrato social". Como Oppenheimer mostrou, o estado geralmente começou com violência e conquista; mesmo quando processos internos deram origem ao estado, certamente jamais foi através de consenso geral ou contrato.

O credo libertário pode ser agora resumido da seguinte forma (1) o direito absoluto do homem de possuir o próprio corpo; (a) o direito absoluto e equivalente de possuir e desta forma controlar os recursos materiais que ele descobriu e transformou; e (3) deste modo, o direito absoluto de trocar ou dar a posse de tais títulos a quem quer que deseje trocar ou recebê-los. Como nós já vimos, cada um desses passos envolve diretos de propriedade, mas mesmo se nós chamarmos o passo (1) de direitos "individuais", veremos que os problemas sobre "liberdade individual" inexoravelmente envolvem os direitos de propriedades materiais ou de livre troca. Ou, resumidamente, os direitos de liberdade pessoal e "liberdade de empreendimento" quase que invariavelmente se interligam e não podem de fato ser separados.

Nós vimos que o exercício da "liberdade de expressão", por exemplo, quase que invariavelmente envolve o exercício da "liberdade econômica" -- i.e., liberdade para possuir e trocar propriedades materiais. A realização de um encontro para exercer a liberdade de expressão envolve a contratação de um auditório, se locomover para o hall através das estradas, usar alguma forma de transporte etc. A mais semelhante "liberdade de imprensa" envolve ainda mais evidentemente os custos de impressão e o uso de uma imprensa, a venda de panfletos para compradores dispostos à comprar -- resumindo, todos os ingredientes da "liberdade econômica". Além do mais, nosso exemplo de "gritar fogo" em um teatro lotado nos dá uma clara diretriz para podermos decidir de quem devem ser os direitos que devemos defender em qualquer situação -- as diretrizes fornecidas por nosso critério: os direitos de propriedade.

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Tradução de Eric Duarte


Sobre o autor

Murray N. Rothbard

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. TambÉm foi vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

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