O
Banco Mundial recentemente anunciou
que o mundo alcançou um novo marco. A
pobreza extrema, disse o Banco, provavelmente cairá para menos de 10% da
população mundial pela primeira vez na história em 2015.
Pobreza
extrema, de acordo com o Banco Mundial, é uma situação em que uma pessoa vive
com uma renda menor que US$ 1,90 por dia.
Em outras palavras, trata-se de uma pobreza genuinamente opressiva, e não uma pobreza "americana", em que os
pobres possuem celulares e ar-condicionado.
Ou seja, esta medida de pobreza não
é uma medida relativa (por exemplo, os
pobres nos EUA são mais ricos que a classe média de boa parte da Europa),
como é frequentemente feito pelas Nações Unidas em relatórios como os da
UNICEF.
De
acordo com o Banco:
O Banco Mundial
projeta que a pobreza global terá caído de 902 milhões de pessoas, ou 12,8% da
população global, em 2012, para 702 milhões de pessoas, ou 9,6% da população
global, este ano.
Naturalmente,
qualquer tendência de queda na extrema pobreza é uma ótima notícia. Mas a pergunta óbvia que tem de ser feita é
por que os níveis de extrema pobreza têm caído.
O
Banco Mundial alega que as melhorias "se deveram às fortes taxas de crescimento
econômico nos países em desenvolvimento nos últimos anos, aos investimentos na
educação e na saúde, e à ampliação das redes de seguridade social, o que
impediu que pessoas voltassem para a pobreza".

Gráfico 1:
pobreza extrema mundial, em porcentagem da população total. Fonte: Banco Mundial.
Essa
conclusão, a princípio, é aceitável. Com
efeito, transferir fundos de um grupo de pessoas para outro grupo de pessoas
realmente tende a aumentar a renda deste último grupo. Pelo menos no curto prazo. Adicionalmente, aumentar investimentos na
educação e na saúde é uma coisa boa. (É difícil dizer se, para o Banco Mundial,
"investimento" significa um genuíno investimento privado ou simplesmente gastos
governamentais).
Entretanto,
independentemente do que se pense a respeito de redes de proteção social e
gastos governamentais, o fato imutável é que, para que a riqueza possa ser
redistribuída, ela tem antes de ser criada.
Essa é uma realidade incontornável.
Não se pode redistribuir aquilo que não se criou.
[N.
do E.: para que uma economia continue crescendo ao mesmo tempo em que o governo
redistribui a renda de um grupo (geradores de riqueza) para outro grupo
(consumidores de riqueza), a produtividade dos geradores de riqueza tem de ser
muito alta. E para a produtividade ser
alta, a criação e a
acumulação de capital pela economia têm de ser muito altas. Apenas um alto grau de capital criado e acumulado
pode permitir uma alta produtividade.]
Consequentemente,
se uma economia não consegue aumentar a produtividade de seus trabalhadores por
meio da poupança e da criação e acumulação de capital, não haverá a criação de
novos excedentes que possam ser redistribuídos.
Você pode querer redistribuir riqueza indefinidamente; no entanto, se
alguns trabalhadores e empreendedores não mais estiverem criando riqueza real,
o resultado final será simplesmente a redistribuição da pobreza.
Portanto,
a que podemos atribuir essa contínua queda na pobreza extrema, que é a pior
pobreza que existe?
Para
se ter uma melhor perspectiva das causas do declínio na pobreza, vejamos em que
parte do mundo a pobreza extrema persiste.
Primeiramente,
temos de notar que os países mais ricos do mundo já erradicaram a pobreza
extrema. Não há pessoas que vivem com
menos de US$ 1,90 nos EUA, no Canadá, na Austrália e na Europa Ocidental. Tais países simplesmente não possuem um
número nem sequer ínfimo de pessoas que vivem em palhoças, que têm de andar
quilômetros diariamente apenas para conseguir água potável, e que não possuem
acesso a serviços de saúde modernos.
Mesmo no Leste Europeu, onde o socialismo de estilo soviético durou até
o início da década de 1990, é difícil encontrar uma população com mais de 1%
das pessoas vivendo em níveis de extrema pobreza.
Portanto,
temos de olhar para América Latina, Ásia e África para encontrar as populações
que continuam padecendo condições de pobreza extrema.
Todos os dados são do
Banco Mundial e foram coletados ao longo de 20 anos, de 1992 a 2012, o
último com dados disponíveis. Durante
esse período, ao redor de todo o mundo, a pobreza extrema caiu de 34,7% para
12,7%.
A
América Latina é a menos pobre das regiões que estão fora das ricas América do
Norte e Europa. Os maiores países da
América Latina ficaram bem abaixo das taxas mundiais de pobreza extrema ao
longo dos 20 anos que vão de 1992 a 2012:

Gráfico 2:
porcentagem de pessoas vivendo na pobreza extrema na Argentina, no Brasil, na
Colômbia, no México e no mundo em 1992 (azul) e em 2012 (laranja)
Além
de constatar que a América Latina possui menos pobreza extrema do que o mundo
como um todo, também é possível observar que houve uma substancial melhora ao
longo desse período de 20 anos. No
México, por exemplo, a pobreza extrema caiu de 9,7% para 2,7%. No Brasil, a queda foi ainda mais intensa [N.
do E.: graças, majoritariamente, à estabilização da economia
e ao fim da
hiperinflação], de 20,8% para 4,9%. Na
Colômbia (que já tinha menos pobreza que o México e muito menos que o Brasil), a
queda foi menor, mas se manteve no caminho certo, com a pobreza extrema caindo
de 8% para 6%.
Já
no sul e sudeste da Ásia, as condições são consideravelmente piores, podendo
ser encontradas taxas de pobreza extrema que excedem 40%.

Gráfico 3:
porcentagem de pessoas vivendo na pobreza extrema em Bangladesh, na China, Na
Índia, na Indonésia, no Irã, no Paquistão, nas Filipinas e no mundo em 1992
(azul) e em 2012 (laranja)
Não
obstante, nestes casos também observamos profundas melhorias ao longo do
período de 20 anos. Na China, por
exemplo, a taxa de pobreza extrema caiu de 57% para 11%. Na Indonésia, a taxa caiu de 57% para
15%. O menor progresso ocorreu em
Bangladesh. Mas, mesmo lá, a pobreza
extrema caiu 20 pontos percentuais, de 63% para 43%.
A
pior situação, no entanto, é encontrada na África, onde as taxas de pobreza
extrema são maiores e as melhorias observadas foram as menores.

Gráfico 4: porcentagem de pessoas vivendo na
pobreza extrema na República Democrática do Congo, na Etiópia, na Nigéria, na
África do Sul e no mundo em 1992 (azul) e em 2012 (laranja)
Dentre
os maiores países da África, percebe-se que a pobreza extrema continua
flagelando uma grande fatia da população, embora tenha havido uma significativa
melhoria na África do Sul e na Etiópia.
Na Etiópia, de 1992 a 2012, a pobreza extrema caiu de 67% para 33%, e na
África do Sul, de 32% para 17%.
Por que as
disparidades entre regiões e países?
Se
o Banco Mundial alega que a pobreza é reduzida por programas de seguridade
social e investimentos em saúde e educação, então a pergunta inevitável é: como
uma população obtém um excedente grande o suficiente para financiar programas
de seguridade social, educação e saúde?
A
resposta está em uma mão-de-obra mais produtiva, uma maior inserção no comércio
mundial, e mais atividades empreendedoras.
Igualmente essencial é um sistema legal confiável que proteja a
propriedade privada.
[N.
do E.: em suma, o que permite que um país gere riqueza — riqueza essa que
então poderia ser redistribuída — é divisão do trabalho, poupança, acumulação
de capital, capacidade intelectual da população (se a população for despreparada,
a mão-de-obra terá de ser importada), respeito à propriedade privada, baixa
tributação, segurança institucional, desregulamentação econômica, moeda forte,
ausência de inflação, empreendedorismo da população, leis confiáveis,
previsíveis e estáveis, arcabouço jurídico sensato e independente].
Ou
seja, a resposta está em uma maior liberdade empreendedorial e em maior
segurança para as pessoas que atuam no mercado.
O
mundo desenvolvido, por exemplo, onde a extrema pobreza deixou de existir, é
dominado por economias de mercado. Mesmo
as supostas economias "socialistas" de países como Suécia e Dinamarca estão
entre as economias mais liberais do mundo. (Leia detalhes sobre as economias de
Suécia e Dinamarca aqui e aqui).
Com
efeito, se olharmos para os países nórdicos em um contexto mais geral, veremos
que a região é obviamente formada por mercados que são, ao menos parcialmente,
livres. Suécia e Dinamarca não têm nada
em comum com as economias "planejadas" que eram populares no mundo em meados do
século XX. Sim, esses países são menos
ricos do que poderiam ser graças a uma variedade de regulamentações
governamentais e políticas redistributivas; porém, se olharmos no contexto
global, não haverá nenhuma dificuldade em entender por que a Dinamarca é muito
mais rica do que, por exemplo, a Índia, país este que, até a década de 1990,
padeceu sob um ambiente extremamente regulador e burocrático. A Índia ainda está tentando alcançar a
Dinamarca, mas não será capaz pelas próximas décadas, se não pelos próximos
séculos.
[N.
do E.: assistencialismo e redistributivismo só podem funcionar — e, ainda
assim, por tempo determinado — em sociedades que já enriqueceram e já
alcançaram altos níveis de produtividade. Apenas países ricos, que já têm
capital acumulado, podem se dar ao luxo de consumir esse capital com políticas redistributivistas.
Não dá para redistribuir aquilo que não foi criado. Adotar um modelo sueco em um país sudanês não
daria muito certo.]
A
América Latina, por sua vez, reduziu suas taxas de pobreza extrema tão
intensamente graças à adoção, ainda que tímida, de economias de mercado. O Chile é uma grande história de sucesso, e,
se o país permanecer em seu atual caminho relativamente pró-mercado, provavelmente
entrará no clube dos países mais ricos do mundo na próxima geração.
Embora
mais pobre que o Chile, o México também é uma história de êxito, e a ascensão
de uma classe média no país ao longo dos últimos vinte anos é um sinal do
comprometimento do país em se afastar, ainda que lentamente, de séculos de
domínio do governo sobre a economia. As
pessoas que se referem à América Latina como "terceiro mundo" estão paradas no
tempo.
E,
obviamente, México, Chile e outros países da América Latina em que a pobreza
extrema está desaparecendo simplesmente já vêm participando da economia global
há mais tempo do que grande parte do mundo.
Não
obstante todos os avanços e retrocessos políticos, todos os ciclos de expansão
e recessão, a América Latina tem se voltado para uma economia de mercado. Já o mesmo não pode ser dito da Ásia e da
África. Dominados há muito tempo por, de
um lado, políticas econômicas marxistas e, de outro, mercantilismo
colonialista, os países africanos fizeram muito pouco para criar condições
favoráveis para o desenvolvimento econômico.
Flagelada por guerras, sistemas judiciários corruptos, e ideologias que
desprezam a propriedade privada — como o islamismo e o marxismo —, a
população do continente africano continua sofrendo com a pobreza que domina a
paisagem do local.
Enquanto
isso, na Ásia, o cenário é bem mais variado.
China, Índia e o sudeste asiático estão continuamente abrindo suas
economias. Os maiores países da região (com
a exceção de Bangladesh) reduziram suas taxas de pobreza extrema pela metada ao
longo dos últimos anos.
A
China, obviamente, adotou uma economia mais aberta na década de
1980, ao passo que a Índia vem abandonando a opressão do seu bizantino e extremamente burocrático
sistema de licenças e regulamentações.
Para
uma evidência dessa difusão da economia
de mercado não é necessário ir mais além do que contemplar a variedade de publicações
de esquerda que deploram a difusão do "neoliberalismo" pela América Latina e
Ásia.
Nós
defensores do laissez-faire não temos nenhuma simpatia pelo neoliberalismo,
pois os neoliberais defendem corporativismo, subsídios para as grandes
empresas, agências
reguladoras para proteger as empresas aliadas do regime, e uma "Terceira
Via" que permite um contínuo
controle estatal sobre vários aspectos da economia.
O
problema com o neoliberalismo não é o "liberalismo", como afirmam os críticos
anti-capitalistas. O problema é o prefixo "neo".
E,
embora o neoliberalismo perpetue vários malefícios vigentes nas economias controladas
pelo estado, o fato é que — no que diz respeito à redução da pobreza — algum
liberalismo é melhor do que nenhum liberalismo.