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Por que Ludwig von Mises não teria temido o Estado Islâmico

08/10/2015

Por que Ludwig von Mises não teria temido o Estado Islâmico

"Ao lutar contra as sociedades menos desenvolvidas, as mais desenvolvidas sempre descobriram que levam sua maior vantagem na falta de unidade nas fileiras inimigas"

Ludwig von Mises, Socialism, p. 273

 

A intervenção do governo americano no Iraque, como bem ensinam as teorias sobre a intervenção do estado, não tinha como dar certo.  Não apenas nada saiu como o planejado, como também os custos em termos de vidas perdidas e em termos financeiros foram estarrecedores.

Para piorar, e também como acontece em todas as intervenções governamentais, ocorreu no Iraque uma consequência não-premeditada do intervencionismo: o esfacelamento da região levou à ascensão dos brutais terroristas do Estado Islâmico, organização também conhecido pela sigla ISIS (Islamic State of Iraq and Syria), cuja autoproclamada intenção é criar um califado na região.

O surgimento dessa organização terrorista serviu para criar um consenso político onde antes não havia: EUA, Europa, Jordânia e Arábia Saudita juntaram esforços com Rússia, Afeganistão, Nigéria, Paquistão, Talibã, Al-Qaeda e Hezbollah para combater os terroristas do ISIS.

Direita e esquerda parecem concordar com a necessidade de eliminar essa organização terrorista, a qual é vista como a maior ameaça para a humanidade.  Mesmo pessoas que haviam se posicionado firmemente contra a guerra no Iraque passaram a assumir uma postura de que "desta vez é diferente", e que o ISIS é de fato uma organização que tem de ser combatida pelos governos, pois representa uma ameaça global.

Com efeito, é sim bem possível que desta vez seja diferente.  As bárbaras ações dos membros do Estado Islâmico demonstram uma até então impensável brutalidade, a qual é difícil de ser ignorada. 

Dado que é impossível, este artigo não tem a pretensão de afirmar se tais pessoas estão, do ponto de vista da política externa, certas ou erradas em sua avaliação sobre o ISIS ser a maior ameaça para a humanidade.  Com efeito, este artigo não tem a pretensão de fazer uma análise de assuntos relacionadas a política externa.  Devo dizer abertamente que nada do que será escrito aqui deve ser visto como uma declaração de conhecimento sobre especificidades do Estado Islâmico, sobre quão poderosa de fato é essa organização, e se ela representa algo a ser realmente temido, ao contrário de Saddam Hussein -- que, olhando em retrospecto, parecia não ser.

Este artigo terá, no entanto, a pretensão de fazer uma análise da situação exclusivamente sob um ponto de vista econômico.  Mais especificamente, este artigo tentará abordar a suposta ameaça do Estado Islâmico por meio das idéias do grande pensador econômico austríaco, Ludwig von Mises.  O palpite é que o ISIS não teria amedrontado Mises.

E o ISIS não teria intimidado Mises porque tal organização surgiu e cresceu exatamente naquele tipo de sociedade "menos desenvolvida" à qual Mises se referiu como sendo não-ameaçadora em seu clássico livro Socialism

Sem em nenhum momento tentar minimizar os horrores dos atentados de 11 de setembro, as ações repugnantes do ISIS, ou a capacidade de grupos terroristas ou extremistas fazerem novos atentados naquele que é considerado o símbolo máximo do mundo desenvolvido (os EUA), é justo supor que Mises ficaria um tanto espantado com todo esse estardalhaço feito em relação ao ISIS.  Afinal, tal organização não surgiu e não foi formada dentro de nenhum país minimamente sofisticado ou desenvolvido.

A realidade é que essa organização -- que conseguiu fazer com que esquerda e direita se unissem em prol de uma reação musculosa -- nasceu em uma região do mundo que: a) é uma das menos produtivas economicamente, b) não criou um único bem de consumo desejado pelos consumidores do mundo (sim, ali há o recurso natural do petróleo, mas riqueza gerada pelo petróleo é majoritariamente uma criação de engenhosidade ocidental), c) não possui uma única universidade que tenha alguma reputação.  Ou seja, é uma região hoje habitada por pessoas economicamente atrasadas, pouco produtivas e sem engenhosidade. 

Não obstante, todos estão temendo o ISIS?

Ainda mais incompreensíveis são as reportagens sobre essa organização.  Uma recente matéria de capa do The Wall Street Journal tinha a seguinte manchete: "O Estado Islâmico e sua economia baseada na extorsão".  A reportagem explicou que o ISIS é uma organização que se financia por meio da "extração coerciva de tributos de uma população de 8 milhões de pessoas", e também consegue levantar fundos por meios de "atividades criminosas e terroristas". 

Certo.  Então quer dizer que um grupo que se financia por meio de espoliação de indivíduos que não são ricos nem produtivos representa uma ameaça para todo o mundo capitalista, desenvolvido e civilizado? 

Uma coisa é você ter uma organização que tributa (de maneira previsível) centenas de milhões de indivíduos extremamente produtivos e ricos, como é o caso do governo americano.  Essa, sim, é uma organização a ser temida.  Outra coisa, completamente distinta, é você ter um grupo terrorista que sobrevive da espoliação violenta de indivíduos pobres e nada produtivos.  Pode esse grupo representar uma ameaça para o mundo rico e desenvolvido?

Mises, muito provavelmente, estaria fazendo escárnio do atual consenso dos governos mundiais em relação ao ISIS exatamente porque toda a base da existência do ISIS é o roubo e a coerção violenta de indivíduos pobres e pouco produtivos.  Tais fundamentos não têm como durar para sempre.  Como ele escreveu em Socialism, "Toda a civilização ainda existe porque os homens foram bem-sucedidos em reagir aos ataques dos redistributivistas".

O mundo rico e desenvolvido prosperou exatamente porque conseguiu se manter relativamente livre.  Já uma entidade terrorista que se financia por meio do esbulho de pessoas pobres e pouco produtivas deve ser vista como uma ameaça irrefreável para o mundo?

O que é curioso nisso tudo é ver como vários membros da direita estão caindo nessa narrativa e se contradizendo fragorosamente.  Embora tais pessoas digam, corretamente, que baixos impostos e menos barreiras regulatórias irão gerar mais riqueza e mais crescimento econômico, essas mesmas pessoas, paradoxalmente, passam a acreditar que políticas de redistribuição forçosa de renda são eficazes em criar exuberância e poderio avassalador em uma região pobre do Oriente Médio.  Não é irônico?

Ainda mais interessantes são os relatos de quão habilidosos são os terroristas do ISIS.  Quem ler a supracitada matéria do jornal sem um olhar mais crítico irá ficar com a impressão de que o ISIS é gerido por uma equipe de consultores da McKinsey e não por militantes radicais.  Segundo a reportagem, "os radicais do grupo administram um metódico sistema de extorsão sobre o comércio, cobram taxas sobre o uso do transporte público, e impõem pagamentos de proteção a cristãos e outras minorias religiosas que optaram por viver sob o comando dos militantes em vez de fugir".

É possível tal cenário gerar um crescimento vibrante em algum lugar do mundo?  Muito menos em um local pobre e pouco produtivo, e a lógica econômica sugere que o ISIS não será capaz de alterar essa realidade.

Há quem diga que as receitas do petróleo podem estar financiando o ISIS.  Se isso for verdade, então o melhor que o governo americano poderia fazer é adotar uma política de valorização do dólar, o que derrubaria os preços do petróleo.  Com o dólar forte e os preços do petróleo em queda, as receitas obtidas com a venda dos barris de petróleo cairiam acentuadamente e os produtores de petróleo do Oriente Médio ficariam sufocados.  Isso reduziria os valores obtidos pelas extorsões do ISIS.

No que mais, se a qualidade intelectual e administrativa dos líderes políticos dos países ricos e avançados já não é nada impressionante, como deve ser então a qualidade dos radicais que lideram o ISIS?  Não é necessário ser nenhum especialista em política externa para deduzir que provavelmente não há uma coleção de Thomas Jeffersons e George Washingtons no alto escalão dessa entidade que está apavorando o mundo. 

Se a classe política de qualquer país minimamente civilizado raramente concorda entre si (a suposta ameaça representada pelo ISIS é um raro exemplo de consenso) e as rixas são constantes, por que então deveríamos imaginar que as atividades de uma organização criminosa são definidas por um competente, calmo e estudado consenso do seu alto escalão, de modo que uma inação agora causaria massacres nas cidades ocidentais? 

De novo, pode até ser que dessa vez seja diferente, e de fato o ISIS seja uma exceção.  Esse artigo, como dito, não pretende dar aulas de política externa.  Entretanto, a mais básica lógica econômica sugere algum ceticismo quanto ao real poder do ISIS em escala global.  Com tempo, ensina a lógica econômica, organizações que se baseiam nesse tipo de arranjo se ramificam e se esfacelam. 

Como explicou Mises em Socialism, "Apenas temporariamente podem aquelas nações que possuem uma baixa organização fazer grandes empreendimentos militares.  A desunião interna sempre atuou para dispersar seus exércitos muito rapidamente."

Adicionalmente, Mises também afirmou que "Sociedades mais desenvolvidas conseguem alcançar uma maior riqueza natural do que as menos desenvolvidas; consequentemente, elas têm mais recursos e capacidade para preservar seus membros da miséria e da pobreza.  Elas também são mais bem equipadas para defender seus membros de eventuais inimigos" (ênfase minha).

Infelizmente, Mises não está entre nós para participar das discussões sobre o ISIS, mas seus escritos sugerem que ele teria um olhar cético sobre todo o estardalhaço a respeito dessa mais recente ameaça terrorista.  Repetindo: pode ser que, de fato, dessa vez seja diferente.  Mas, se isso ocorrer, então toda a lógica econômica estará refutada.


Sobre o autor

John Tamny

É o editor do site Real Clear Markets, contribui para a revista Forbes

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