segunda-feira, 15 0aio 2017
Os problemas gerados pela livre emigração e imigração de seres humanos
frequentemente levam a situações de confusão entre os teoristas libertários e os
demais defensores da liberdade.
Em primeiro lugar, a doutrina libertária tradicionalmente se declara, sem
ressalvas, a favor do princípio da completa liberdade de emigração e
imigração. Essa posição se baseia no
reconhecimento de que fronteiras — meras linhas políticas imaginárias —
representam um flagrante ato de intervencionismo e coerção institucional da
parte do estado, o que frequentemente tende a afetar, ou até mesmo proibir, a
livre movimentação de seres humanos.
Adicionalmente, várias leis de imigração e vários mecanismos de controles de
fronteiras surgem como resultado da ação política de grupos de interesse
privilegiados, como os sindicatos, os quais se esforçam para restringir a
oferta de mão-de-obra com o intuito de artificialmente elevar os salários. Na medida em que essas regras
intervencionistas sobre a emigração e a imigração afetam ou impedem acordos
voluntárias firmados entre ambos os lados (nativos e estrangeiros), não há
dúvidas de que eles violam os princípios básicos que deveriam governar toda e
qualquer sociedade libertária.
Entretanto, e embora isso pareça paradoxal, as ações subversivas do estado
não se manifestam somente na obstrução da livre movimentação de pessoas; o
estado muitas vezes também age com o intuito de fazer uma integração forçada entre certos grupos de pessoas e os nativos de
um determinado estado ou região, contra a vontade destes. Essa ação coerciva do estado ocorre tanto
intranacionalmente quanto internacionalmente.
Assim, dentro de cada nação, medidas voltadas para a integração coerciva de
determinadas minorias e grupos são frequentemente implantadas à força, tais
como leis anti-discriminação, leis de ação afirmativa, leis de cotas etc. Em nível internacional, muitas nações abrem
indiscriminadamente suas fronteiras para estrangeiros e permitem que estes
entrem nestes países e façam uso gratuito dos bens públicos (ruas, estradas,
praças, parques, praias, serviços de saúde, serviços de educação etc.) na
condição de "caroneiros", gerando significativos custos externos para os
nativos (que arcam com tudo via impostos), os quais são então obrigados a
aceitar a integração forçada com esses estrangeiros contra sua vontade ou sob
condições com as quais não concordam.[1]
À luz dessa natureza aparentemente contraditória, os problemas supracitados
demonstram a grande importância de se isolar a real origem de cada problema e,
em seguida, construir uma teoria libertária sobre a imigração que esclareça os
princípios que deveriam governar os processos de emigração e imigração em uma
sociedade livre.
A teoria pura dos movimentos
individuais em um ambiente libertário
Devemos começar nossa análise assumindo um modelo puramente
anarcocapitalista, isto é, um modelo no qual nenhum pedaço de terra, nenhum
centímetro quadrado do mundo, é 'público'.
Cada centímetro quadrado de cada pedaço de terra, esteja ele em uma rua,
em uma praça ou em vizinhanças, é privatizado.
Sob este cenário, torna-se óbvio que nenhum dos problemas relacionados à
imigração, diagnosticados na seção anterior, pode surgir aqui. Se cada centímetro do território é
propriedade privada, o proprietário tem o direito de aceitar e excluir quem
quiser. Consequentemente, as condições, o
volume e a duração das viagens pessoais serão estritamente aquelas acordadas e
decididas mutuamente pelas partes envolvidas.
Nenhum imigrante parasitará a propriedade privada de terceiros. Entretanto, até mesmo movimentos em massa de pessoas
à procura de trabalho são concebíveis neste arranjo, desde que os empregadores envolvidos estejam dispostos a fornecer
trabalho para os imigrantes, a fornecer a eles a possibilidade de encontrarem
acomodação, a arranjarem e até mesmo pagarem pela viagem deles etc. Em suma, os possíveis contratos entre os
lados envolvidos serão muito variados e irão contemplar toda a riqueza que as
circunstâncias e características especiais de cada caso permitirem.
Sob essas condições, fluxos migratórios, longe de serem prejudiciais, são
altamente favoráveis ao desenvolvimento social e econômico, impulsionando a
civilização para o progresso. O
argumento de que a abundância de mão-de-obra é prejudicial aos salários da
classe trabalhadora não se sustenta: seres humanos não são um fator de produção
uniforme, e não se comportam em termos exclusivamente biológicos em relação a
recursos escassos — como ocorre, por exemplo, com os ratos e outros animais,
cujo aumento populacional sempre tende a diminuir os recursos disponíveis para
cada indivíduo. Os seres humanos, ao
contrário, são dotados de uma inata capacidade criativa empreendedorial, o que
significa que um aumento no número de pessoas permite, em um ambiente dinâmico,
um crescimento exponencial (sem limites) das descobertas e da exploração de
novas oportunidades capazes de fazer evoluir o padrão de vida dos indivíduos em
todos os aspectos.
Dada a limitada capacidade da mente humana em assimilar informações ou
conhecimento, e considerando-se o crescente volume de informação utilizado no
processo social conduzido pela força do empreendedorismo, torna-se claro que o avanço
da civilização requer um contínuo crescimento e aprofundamento da divisão do
trabalho — ou, se você preferir, do conhecimento.
Tal idéia simplesmente significa que qualquer processo de desenvolvimento
implica, de uma perspectiva vertical, um conhecimento cada vez mais profundo,
especializado e detalhado, o qual, com o intuito de se ampliar horizontalmente,
requer um volume crescente de seres humanos, ou seja, um contínuo crescimento
populacional.
Em termos mundiais, esse crescimento populacional ocorre gradualmente no
longo prazo, com mais seres humanos nascendo do que morrendo. Porém, nos curto e médio prazos, a única
resposta rápida e efetiva aos contínuos ajustes exigidos pelas mudanças
econômicas e sociais é por meio de fluxos emigratórios e imigratórios. Tais fluxos permitem um rápido aumento na
divisão do trabalho (ou seja, geram um aumento na quantidade de conhecimento disponibilizado
em relação a áreas específicas), desta forma superando o obstáculo gerado pela
limitada capacidade de assimilação de cada mente humana individual ao
rapidamente aumentar o número de pessoas envolvidas nos processos de interação
social.
O desenvolvimento das cidades como centros de riqueza econômica e
entrepostos de civilização é uma clara ilustração do processo de expansão do
conhecimento possibilitado pela imigração, processo este que foi explicado logo
acima. O contínuo despovoamento das
áreas rurais e o subsequente movimento em massa de trabalhadores para os centros
urbanos, longe de empobrecê-los, promoveu seu desenvolvimento e riqueza em um
processo auto-acumulativo que se tornou uma das mais características
manifestações do desenvolvimento humano desde a Revolução Industrial.
Adicionalmente, fluxos de emigração e imigração, no ambiente libertário que
estamos considerando, tendem a multiplicar a variedade e a diversidade das
possíveis soluções para os diferentes problemas que surgem. Tudo isso favorece a seleção cultural e
econômica, bem como o desenvolvimento social, uma vez que todos os movimentos
ocorrem como resultado de acordos voluntários; no que mais, sempre que as
circunstâncias se alteram ou as pessoas envolvidas não as consideram
apropriadas, os envolvidos têm a chance de emigrar ou se mudar para outros
empreendimentos em outras localidades geográficas.[2]
Finalmente, temos de chamar a atenção para o fato de que, em um ambiente
libertário no qual todos aqueles bens e recursos que hoje são considerados "públicos"
já foram privatizados, nenhum dos dois efeitos negativos identificados acima em
relação aos casos de integração forçada estimulada por vários governos atuais
ocorreriam. Leis anti-discriminação,
leis de ação afirmativa, leis de cotas ou simplesmente a enxurrada de
imigrantes nas ruas ou em qualquer cidade seriam reduzidas a um mínimo. Todas as locomoções sempre seriam feitas
utilizando-se meios de transporte privados, satisfazendo-se as condições
contratuais estipuladas pelos seus proprietários e pagando-se o correspondente
preço de mercado. Diferentes agências
iriam se especializar em organizar os itinerários e garantiriam a priori a
necessária liberdade de acesso para cada meio de transporte.
Igualmente, e por interesse próprio, os respectivos proprietários de cada
pedaço de terra iriam se certificar de que os viajantes utilizassem os meios de
transporte apropriadamente e garantiriam que seus clientes passassem por eles
sem se tornarem hóspedes permanentes e indesejados. Isso iria evoluir, com uma variedade e
riqueza de arranjos sociais e instituições jurídicas e econômicas que ainda não
somos capazes de imaginar hoje, uma vez que o mercado e a criatividade
empreendedorial não têm a permissão de atuar em relação aos bens que, hoje, são
considerados públicos.
Podemos, portanto, chegar à conclusão de que a emigração e a imigração, por
si sós, quando sujeitas aos princípios gerais da lei em um ambiente em que
todos os recursos são privados, não apenas não representam nenhum problema de
integração forçada ou de custos externos, como na realidade se transformam em
uma força-motriz muito importante para o desenvolvimento econômico e social,
para a criação de riqueza e para a variedade da cultura e da civilização.[3]
Problemas gerados pela coerciva
intervenção estatal
A análise acima nos permite isolar e identificar a real origem dos problemas
diagnosticados no início deste artigo em relação à imigração e à
emigração.
Todos os problemas se originam da coerciva intervenção estatal em diferentes
níveis.
Inicialmente, a coerção estatal é feita com o intuito de criar barreiras
para atrapalhar ou proibir, em maior ou menor grau, movimentos que foram
voluntariamente acordados e aceitos pelos agentes envolvidos. Em seguida, e simultaneamente, o estado
insiste em impor diferentes medidas de integração forçada, tanto explicitamente
(por meio de leis anti-discriminação e de ação afirmativa) quanto
indiretamente, ao declarar que importantes áreas territoriais (ruas, praças,
parques, praias etc.) são públicas e, portanto, livremente acessíveis.
Dado que o governo não define adequadamente quais são os relevantes direitos
de propriedade dos "estrangeiros" e dos "nativos", essa intervenção estatal se
torna a causa de todos os problemas e conflitos que surgem em decorrência da
emigração e da imigração.
As ações subversivas do estado, nesta área, aparecem em dois níveis.
Primeiro, em nível intranacional — isto é, dentro das fronteiras de cada
país. Aqui, os típicos problemas da
integração forçada e das externalidades negativas que inevitavelmente surgem em
decorrência do simples fato de haver recursos "públicos" — e, portanto,
livremente acessíveis por todos — surgem em sua forma mais virulenta.
Segundo, em nível internacional. Os
efeitos do intervencionismo estatal também se manifestam internacionalmente,
isto é, entre diferentes países, em decorrência da regulação dos fluxos
migratórios através das fronteiras.
A maneira como isso ocorre é dupla e contraditória. De um lado, o governo cria dificuldades para
aqueles movimentos que são voluntariamente desejados e acordados pelos agentes
envolvidos (nativos de um país que querem contratar, legalmente, mão-de-obra de
estrangeiros). De outro, o governo,
involuntária e artificialmente, estimula imigrações em massa de estrangeiros em
decorrência dos programas sociais e assistencialistas fornecidos por seus
programas de bem-estar social, programas esses financiados pelos impostos dos
nativos e implantados por meio de políticas redistributivistas.
Consequentemente, hoje, há esse paradoxo: aqueles que querem seguir
escrupulosamente as leis percebem que seus processos de emigração são
impossíveis, mesmo que eles tenham sido voluntariamente aceitos e desejados por
ambos os lados envolvidos. Ao mesmo tempo,
a existência de bens públicos e a livre disponibilidade dos benefícios
ofertados pelo estado assistencialista atraem, como um ímã, um contínuo fluxo
imigratório, majoritariamente ilegal, o qual gera conflitos e custos externos
significativos. Nativos pagam impostos
para financiar programas assistencialistas, e estes são utilizados por
imigrantes ilegais.
Tudo isso estimula a xenofobia e promove subsequentes medidas
intervencionistas, as quais agravam ainda mais os problemas, e fazem com que os
cidadãos sejam incapazes de diagnosticar corretamente a verdadeira origem do
problema. Assim, gera-se um ambiente de
grande confusão e transtorno, e os cidadãos facilmente se tornam vítimas da
demagogia de políticos e acabam apoiando novas medidas intervencionistas que,
além de serem contraditórias, são também ineficientes e prejudiciais.
Uma solução para os problemas atuais
gerados pelos fluxos de emigração e imigração
Obviamente, a solução ideal para todos esses problemas seria a total
privatização dos recursos que hoje são considerados públicos, bem como a
abolição da intervenção estatal sobre as áreas de emigração e imigração, em
todos os níveis. Em outras palavras,
dado que os problemas identificados se originam dos efeitos maléficos da
coerciva intervenção estatal, e não da emigração e imigração per se, então um
sistema puramente anarcocapitalista eliminaria a maior parte desses problemas.
No entanto, enquanto o conceito de estado-nação continuar existindo, temos
de descobrir e propor soluções "práticas" que permitam que os problemas sejam
resolvidos no longo prazo. Em relação a
isso, vários teóricos libertários vêm desenvolvendo um modelo de secessão e
descentralização que visa a desmembrar as atuais e fortemente centralizadas
nações-estado em unidades políticas cada vez menores, o que inevitavelmente
levaria a uma redução no intervencionismo estatal.
Essa redução surgiria naturalmente do fato de que os diferentes estados que
surgiriam desse desmembramento (estados cada vez menores e menos centralizados)
teriam de concorrer entre si para atrair cidadãos e investidores (e também para
evitar a saída de ambos). Essa dinâmica
os obrigaria a adotar medidas cada vez mais libertárias e cada vez menos
intervencionistas.
Neste processo de concorrência entre estados cada vez menores e mais
descentralizados, fluxos de emigração e imigração teriam uma função essencial:
tais movimentos constituiriam aquilo que podemos chamar de "votar com os pés". Cada cidadão, ao sair de um país para emigrar
para o mais próximo, estaria revelando quais estados são os mais
intervencionistas e os obrigaria a desmantelar seu aparato regulatório e a
desregulamentar, sempre que possível, a maior parte do aparato coercitivo,
tributário e intervencionista de seus respectivos governos.
Como disse Hans-Hermann Hoppe:
Estados pequenos têm inevitavelmente
de ser libertários — caso contrário, as pessoas trabalhadoras e produtivas
irão desertar. Governos pequenos possuem vários concorrentes
geograficamente próximos. Se um governo passar a tributar e a
regulamentar mais do que seus concorrentes, a população emigrará, e o país
sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra. O governo ficará sem recursos
e será forçado a revogar suas políticas confiscatórias. Quanto menor o
país, maior a pressão para que ele adote um genuíno livre comércio e maior será
a oposição a medidas protecionistas.
A maior esperança para a liberdade vem
justamente dos países pequenos. Um mundo
formado por dezenas de milhares de países, regiões e cantões, e centenas de
milhares de cidades livres e independentes, como as atuais "excentricidades" de
Mônaco, Andorra, San Marino, Liechtenstein, Hong Kong e Cingapura, resultando
em crescentes oportunidades para a migração economicamente motivada, seria um
mundo formado por pequenos estados liberais economicamente integrados por meio
do livre comércio e por uma moeda-commodity internacional, como o ouro.
Seria um mundo de prosperidade, crescimento econômico e avanços culturais sem
precedentes.
Entretanto, a identificação de soluções ideais e "práticas" para os
problemas apresentados pela emigração e imigração não nos isenta da obrigação de
estudar os princípios aos quais os fluxos migratórios deveriam estar sujeitos considerando-se
as atuais circunstâncias em que vivemos, nas quais estados fortemente
intervencionistas existem.
Esses princípios devem ser compatíveis com ideais libertários e, ao mesmo
tempo, levar em conta as grandes restrições, dificuldades e contradições geradas
pela existência de nações-estado, em conjunto com os sérios efeitos das
injustiças e das ineficiências gerados por suas intervenções.
Princípios sobre os quais devem se
basear os atuais processos de emigração-imigração
Por vários motivos, é indispensável estabelecer vários princípios —
compatíveis com idéias libertárias — que deveriam conduzir os atuais processos
de emigração e imigração.
Em primeiro lugar porque, mesmo que o processo de desmembramento dos estados
proposto por Murray N. Rothbard, Hans-Hermann Hoppe e outros já estivesse
acontecendo, não haveria nenhuma garantia de que as medidas estatais
estabelecidas por cada governo em relação à emigração-imigração seriam corretas
do ponto de vista libertário.
Como o próprio Hoppe reconhece,
"a secessão resolve esse problema ao permitir que territórios menores adotem
autonomamente seus próprios padrões de admissão e determinem de maneira
independente com quem eles querem se associar em seu próprio território e com
quem eles preferem manter relações mais distantes". No entanto, é bem possível que esses padrões
também sejam bastante intervencionistas e proíbam o livre trânsito
voluntariamente acordado entre nativos e estrangeiros, desta forma gerando resultados
que radicalmente violam princípios libertários.
Adicionalmente, enquanto os estados continuarem existindo (por menores que
eles sejam), e, dentro deles, ruas, estradas e terras "púbicas" continuarem sem
direitos de propriedade adequadamente definidos ou defendidos, pode continuar
havendo fenômenos de integração forçada e de ocupação em massa, os quais, como
é o caso das favelas no Brasil, geram significativos custos externos e violam
seriamente os direitos de propriedade dos nativos.
No que mais, é necessário propor soluções que, além de levarem à direção
correta e não serem incompatíveis com princípios libertários, sejam também
"eficazes" na medida em que fornecem uma resposta para os mais urgentes
problemas observados atualmente (por exemplo, em relação à emigração através da
fronteira entre México e os EUA ou entre a África ou o Oriente Médio e a
Europa). Em suma, uma série de regras
que deveriam ser criadas para impedir que a imigração seja utilizada para fins
coercivos e intervencionistas.
O primeiro destes princípios é o de que as pessoas que estão imigrando devem
fazê-lo por sua própria conta e risco.
Isso significa que a imigração não deve ser subsidiada pelo estado
assistencialista e por seus programas sociais — ou seja, por benefícios
fornecidos pelo governo e financiados por meio de impostos pagos pelos
nativos. Esses benefícios incluem não
apenas os tradicionais benefícios fornecidos por qualquer estado assistencial
(educação estatal, saúde estatal, seguridade social etc.), como também incluem
aqueles benefícios gerados pela possibilidade de se utilizar livremente os bens
públicos.
Se os imigrantes adquirirem o direito de receber os benefícios assistenciais
distribuídos pelo estado, tais benefícios — os quais são, em última instância,
transferências compulsórias de renda de um grupo (nativos) para outro
(imigrantes) — irão se tornar um ímã capaz de atrair descontroladamente vários
grupos de imigrantes. Vale ressaltar que
alguns grupos de imigrantes (embora não todos), quando tomam sua decisão de
emigrar, levam em conta principalmente os benefícios sociais que eles esperam
receber no país para o qual estão se mudando.
Para certos grupos de imigrantes, mesmo que eles representem uma minoria,
basta que em seus cálculos mentais eles se considerem subsidiados — isso já
servirá para gerar um perverso efeito de estímulo artificial à imigração, em
detrimento dos cidadãos do país hospedeiro.
Por outro lado, dado que não têm direito a utilizar nenhuma benesse do
estado, os imigrantes devem ser isentos de fazer "contribuições" para a
Previdência Social. Consequentemente, os
imigrantes deveriam, para seu próprio bem, recorrer ao sistema privado de
educação, saúde e previdência.
Portanto, a primeira regra à qual os imigrantes deveriam estar sujeitos é:
imigrantes não devem ter direito a qualquer benefício estatal (nem saúde
pública, nem educação pública, nem previdência pública e nem programas de
transferência de renda). Isso irá
impedir que determinados grupos oportunistas se aproveitem do sistema e se
beneficiem com subsídios financiados pelos impostos dos nativos. A segunda regra à qual os imigrantes deveriam
estar sujeitos é: são isentos de pagar a Previdência Social (à qual não têm
direito) e, com isso, estão livres para recorrer aos serviços privados de
saúde, educação e previdência.
Assim, dois objetivos muito positivos do ponto de vista libertário são
alcançados: primeiro, os subsídios, os incentivos e os estímulos à imigração em
decorrência de políticas coercivas de redistribuição de renda seriam evitados;
segundo, contribuiria para um rápido desmantelamento do sistema de previdência
pública baseado no insustentável
sistema de "repartição
simples", desta forma estimulando o desenvolvimento de sistemas privados
baseados na poupança e na capitalização, os quais os imigrantes adquiririam na
condição de novos clientes.
O segundo princípio que deveria nortear os atuais processos migratórios é:
todos os imigrantes devem ser capazes de demonstrar que possuem meios
independentes para se sustentar; que não irão ser um fardo para as instituições
de caridade ou para os programas assistencialistas do estado; e, em geral, que
irão ser capazes de se manter pelo trabalho.
Em outras palavras, os imigrantes devem ser capazes de demonstrar que
eles aceitam fazer parte do grupo social que os está recebendo em troca de
ofertar sua mão-de-obra ou suas capacidades empreendedoriais.
Há várias maneiras de se colocar este princípio em prática, embora nenhuma
delas seja perfeita. Talvez a mais
apropriada seja pedir para que cada imigrante tenha, a todo e qualquer momento,
um nativo que garanta seus recursos econômicos, seja ao lhe fornecer um emprego
ou um contrato de emprego, ou ao atuar como o depositório de um determinado
volume de dinheiro. No caso de
refugiados, demonstrar que há uma instituição privada responsável por cuidar dele.
Logicamente, a flexibilidade de mercado requer que, durante períodos de
tempo razoáveis, trabalhadores estrangeiros tenham a chance de procurar um novo
emprego antes de serem repatriados para seus respectivos países de origem caso
sejam demitidos ou deixem seu emprego voluntariamente.
O terceiro essencial princípio ao qual todos os processos migratórios
deveriam estar sujeitos é: sob nenhuma circunstância, o direito de votar em eleições
deve ser rapidamente concedido a
imigrantes, uma vez que isso pode criar um risco de exploração política pelos
diferentes grupos de imigrantes envolvidos nos correspondentes fluxos migratórios.
Aqueles que emigram devem estar cientes do que estão fazendo ao se mudarem
para um novo país e para um novo ambiente cultural onde supostamente irão melhorar
suas condições de vida. Sendo assim, a imigração
não deveria dar a eles o direito de utilizar o mecanismo da coerção política (representada
pelo voto democrático) para fomentar medidas de redistribuição de renda ao seu
favor ou para modificar os processos espontâneos dos mercados nacionais nos
quais eles estão entrando.
É verdade que, à medida que o processo de desmembramento das nações em
estados cada vez menores for se intensificando, o direito de votar e as eleições
políticas irão gradualmente perder importância, e serão, na prática, substituídos
pelo ato de "votar com os pés" — ou seja, pelo fluxo migratório saindo de áreas
consideradas pouco favoráveis ao capital, ao trabalho e ao investimento e indo
para áreas consideradas mais favoráveis.
Entretanto, continua sendo verdade que, enquanto esse processo de descentralização
não estiver avançado, a concessão automática de direitos políticos para
emigrantes pode se tornar uma verdadeira bomba-relógio que será usada por
maiorias circunstanciais para destruir o mercado, a cultura e a linguagem de
cada país.
Sendo assim, a proposta é que, somente após um longo período de tempo,
quando se considerar na prática que os imigrantes já absorveram completamente
os princípios culturais da sociedade que os recebeu, a concessão de cidadania,
inclusive os concomitantes direitos políticos e eleitorais, pode ser
considerada. O princípio estabelecido
pela União Européia de que todos os imigrantes estrangeiros podem votar nas eleições
do município em que residem não pode ser aceito. Somente quando tais residentes estiverem
vivendo no novo país por um número mínimo de anos e já tiverem adquirido
direitos de propriedade no município em questão (casas ou outros imóveis) seria
justificável conceder a eles o direito ao voto.
Finalmente, em quarto e último, o mais importante princípio que sempre
deveria ser obedecido nos fluxos emigratórios e imigratórios é: todos os
imigrantes devem, a todo e qualquer momento, respeitar as leis do país, principalmente
as leis criminais, independentemente de raça e credo. Especificamente, eles deveriam, de maneira
escrupulosa, respeitar todos os direitos de propriedade já estabelecidos na
sociedade que os recebe. Qualquer violação
desses direitos deveria ser punida, não somente com as penalidades previstas no
código penal, mas também com a expatriação (definitiva na maioria dos casos) do
imigrante em questão.
Já testemunhamos como os mais visíveis problemas gerados pela imigração surgem
do fato de que não há definição ou defesa clara dos direitos de propriedade dos
nativos — como ocorre quando os imigrantes ocupam terrenos que são propriedade
de terceiros, fecham ruas,
e passam a viver utilizando benesses estatais —, o que significa que os
imigrantes que chegam ao país frequentemente geram significativos custos
externos para os cidadãos nativos, o que leva ao surgimento de vários surtos de
xenofobia e violência que impõem um alto custo social e tende a gerar
resultados jurídicos e políticos cujo preço é normalmente pago pelos inocentes.
Esses conflitos seriam minimizados em proporção ao grau em que a definição e
a defesa dos direitos de propriedade se tornarem crescentemente efetivos e
serem ampliados para incluir recursos (ruas, praças, praias e terras) que
atualmente são considerados públicos e, portanto, livremente acessíveis a
todos. Um dos problemas mais evidentes
dessa ausência de direitos de propriedade sobre bens públicos é o aumento do
número de mendigos e moradores de ruas constituídos por imigrantes nos países europeus. Logicamente, enquanto não houver a privatização total
desses bens públicos, o uso deles deve ser regulado para evitar esse tipo de ocupação
em massa.
[1] O
próprio Murray N. Rothbard conta como se tornou ciente do problema gerado pela
imigração forçada em nível internacional: "Comecei a repensar minha visão sobre
imigração quando, após o colapso da União Soviética, vários russos foram
encorajados a emigrar para a Estônia e para a Letônia com o intuito de destruir
a cultura e o idioma dessas pessoas" Murray N. Rothbard "Nations
by Consent: Decomposing the Nation-state", Journal of Libertarian Studies,
Volume 11, 1994, p. 7.
[2] Deve
ser ressaltado, no entanto, que a revolução tecnológica na área da informática
(principalmente em decorrência da internet) está fazendo com que os movimentos
geográficos sejam cada vez mais desnecessários para se alcançar os objetivos
almejados pela ação humana.
[3] É
possível imaginarmos várias soluções empreendedoriais que surgiriam
espontaneamente ao simplesmente observarmos, para fins de comparação, como
foram solucionados todos aqueles grandes problemas que outrora foram gerados
por um grande fluxo de turistas, fenômeno esse que hoje é extremamente comum ao
redor do mundo.
O desenvolvimento dos meios de transporte, a criação
de linhas aéreas, a construção de hotéis, o surgimento das indústrias de
turismo e lazer, a proliferação de agências de viagem e de todos os tipos de
intermediários que organizam e garantem as viagens do início ao fim — todas
essas são instituições que, em um campo muito mais vasto (qualquer movimentação
feita em transporte privado), surgiriam em um arranjo anarcocapitalista. Vale lembrar que o volume de viagens com fins
turísticos ou de negócios é enorme. Por
exemplo, meu país, a Espanha, recebe mais de 40 milhões de turistas anualmente,
um valor maior do que o número de habitantes do país.