O funcionário público não é apenas um
empregado do governo. Ele é, em um arranjo democrático, um eleitor e, ao mesmo
tempo — por fazer parte da estrutura governamental —, o seu próprio
empregador.
Ele se encontra em uma posição peculiar: ele
é, concomitantemente, empregador e empregado. E o seu interesse pecuniário como
empregado tenderá a suplantar sua função como empregador, já que ele recebe dos
fundos públicos muito mais do que contribui.[1]
Essa relação ambígua se torna ainda mais
crítica à medida que o número de pessoas na folha de pagamento do governo
aumenta. O funcionário público, na
condição de eleitor, tenderá a apoiar políticos que prometam aumentos ao
funcionalismo em detrimento daqueles que defendem um orçamento equilibrado. Na condição de eleitor, o burocrata está mais
ansioso com seus próprios aumentos salariais do que com um orçamento
equilibrado e austero. A principal
preocupação do burocrata será a de inflar o valor da folha de pagamento.
Nos anos que imediatamente antecederam a
queda de seus regimes democráticos, a estrutura política da Alemanha e da
França foi majoritariamente influenciada pelo fato de que, para uma fatia
considerável do eleitorado, o estado era a sua fonte de renda. Não apenas havia toda uma horda de
funcionários públicos e de pessoas empregadas nos setores da economia que
haviam sido estatizados (ferrovias, correios, telégrafos e telefônicas), como
também havia os desempregados que recebiam seguro-desemprego e outras pessoas
que recebiam benefícios sociais. Para
completar, havia agricultores e grupos empresariais que, direta ou
indiretamente, recebiam subsídios do governo.
A principal preocupação de todas essas
pessoas era como extrair mais dinheiro dos fundos públicos. Elas não se importavam com questões
"idealistas", como liberdade, justiça, supremacia das leis, e governo
austero. Elas queriam mais dinheiro
público, e só.
Nenhum candidato ao parlamento, aos governos
estaduais, ou mesmo a prefeituras e conselhos municipais podia correr o risco
político de se opor ao apetite dos funcionários públicos por aumentos
salariais. Os vários partidos políticos
competiam entre si para ver quem era o mais generoso nas promessas feitas ao
funcionalismo.
No século XIX, os parlamentos levavam a
sério a ideia de restringir ao máximo possível o aumento dos gastos
públicos. Hoje, no entanto, austeridade
se tornou uma política desprezível. O
aumento incontido dos gastos governamentais passou a ser uma política tida como
sensata e boa para a economia. Tanto o
partido no poder quanto o da oposição competem por popularidade fazendo
promessas de que seriam generosos com o dinheiro dos impostos. Criar novos cargos, secretarias e repartições
e contratar mais funcionários públicos são políticas que passaram a ser vistas
como "positivas", e toda e qualquer tentativa de conter o desperdício e o
esbanjamento do dinheiro público passou a ser criticada como "negativismo",
"pessimismo" e "insensibilidade".
Nenhum arranjo democrático pode existir se
uma grande parcela dos eleitores está na folha de pagamento do governo
(funcionários públicos e pessoas que recebem políticas assistenciais) ou recebe
privilégios do governo (empresários beneficiados por subsídios ou cartelizados
por agências
governamentais ou protegidos por tarifas de importação).
[N do E.: John Stuart Mill, em seu livro de 1861, Considerations
on Representative Government (Considerações Sobre o Governo Representativo), escreveu:
Ao tornar-se
dependente dos demais membros da comunidade para sua subsistência, um indivíduo
tem de abdicar da sua pretensão de ter direitos iguais aos deles em outros
aspectos, como o direito ao voto. [...]
É também importante
que o legislativo que vota os tributos, nacionais ou locais, seja eleito
exclusivamente por aqueles que pagam ou pagarão o tributo criado. Aqueles
que não pagam impostos, e que por meio de seus votos têm acesso ao dinheiro das
outras pessoas, têm todos os motivos para ser generosos consigo mesmos,
esbanjadores e economicamente irracionais.
Qualquer poder de
voto possuído por aqueles que não pagam impostos é uma violação do princípio
fundamental de um governo livre; uma abolição de toda e qualquer capacidade de
controle sobre o tamanho do governo.
Equivale a permitir
que essas pessoas coloquem suas mãos nos bolsos das outras pessoas para
qualquer fim que elas julgarem adequado rotular de "interesse
público"...
A representação
deveria se dar de acordo com a tributação. Isso é o que está de acordo
com a teoria das instituições britânicas.]
Conclusão
Se os políticos passam a agir não como
empregados dos pagadores de impostos mas sim como porta-vozes daqueles que
recebem salários, subsídios e assistencialismos pagos com o dinheiro de
impostos, então o arranjo democrático acabou. Criou-se a insensatez.
Este é um dos paradoxos inerentes ao arranjo
democrático. À medida que as pessoas que
trabalham, produzem e pagam impostos forem se convencendo de que a atual
tendência de mais interferência estatal, mais cargos públicos, mais
ministérios, mais secretarias, mais repartições, mais funcionários públicos,
mais subsídios e mais assistencialismo é inevitável, toda a noção de que o
governo é feito por todos e para todos irá se esfacelar.
A ideia que irá prevalecer é a de que o
governo existe para o benefício de alguns e para a espoliação de outros.
Trecho extraído do livro Burocracia, de 1944.
[1] N. do E.: esse é um ponto que gera calorosos
debates nos círculos libertários. Seria
correto dizer que funcionários públicos pagam impostos?
De acordo com os libertários, se um
funcionário público recebe $ 10.000 oriundos de impostos pagos compulsoriamente
pelo setor privado, e, se destes $ 10.000, $ 2.500 são retidos na fonte pelo
próprio governo, é incorreto dizer que o funcionário público pagou $2.500 de
impostos.
A analogia é a de uma quadrilha que repassa
para seus integrantes o dinheiro que extorquiu dos comerciantes do bairro. Se a quadrilha extorque $ 10.000, retém $
2.500 e repassa os $7.500 restantes para seus membros, não é correto dizer que
seus membros pagaram $2.500 de impostos.
Afinal, eles não geraram esses $ 2.500 vendendo serviços consumidos
voluntariamente no mercado. Os $ 2.500
são apenas uma fatia da espoliação, a qual o agente espoliador achou por bem
reter para si próprio.