Nota
do IMB
O
texto-base do projeto de lei que amplia a terceirização no Brasil, embora
longe de ser o ideal, representa um avanço em termos de liberdade
empreendedorial, trazendo uma extremamente necessária flexibilização da nossa
atualmente rígida legislação trabalhista.
No mínimo, ele poderá retirar milhões de trabalhadores que hoje têm de recorrer à informalidade, oferecendo-lhes salários maiores.
Atualmente,
as empresas só podem terceirizar serviços considerados como atividades-meio —
limpeza e segurança de edifícios, por exemplo.
Já pela proposta aprovada ontem na Câmara (o projeto ainda tem de ser
votado pelo Senado), a terceirização de atividades-fim também se torna
permitida. Isso faria com que, por
exemplo, um hospital possa contratar médicos de outra empresa privada, sem
formar vínculo empregatício.
Embora
não haja vínculo empregatício — o que representa uma considerável flexibilização da
legislação trabalhista, deixando o Brasil um pouquinho mais perto dos países de
primeiro mundo (como a Dinamarca,
que, para espanto dos progressistas, tem a quinta legislação trabalhista
mais liberal do mundo) —, a empresa que recorrer à terceirização continua
sujeita às obrigações trabalhistas, tributárias e previdenciárias da
contratação. E é sua obrigação
fiscalizar o pagamento dessas obrigações. Se não o fizer, poderá ser
responsabilizada conjuntamente com a companhia contratada.
Adicionalmente,
se a empresa contratada não fizer os pagamentos acordados com os trabalhadores,
a empresa contratante terá de segurar parte do pagamento mensal para assegurar
o cumprimento desses direitos.
Por
fim, o projeto de lei estabelece ainda que a empresa contratante não pode proibir
nem impor condições para a contratação de empregados pela contratada. Se isso
ocorrer, haverá multas para as duas.
Ou
seja, o projeto está longe de ser perfeito, mas é um (pequeno) passo na direção
correta. Um ponto curioso, aliás, é que
o projeto prevê que o setor estatal possa contratar terceirizados sem
ter de recorrer a concursos públicos.
Isso está deixando os concurseiros
profissionais em polvorosa...
Por
último, um adendo para evitar confusão e perguntas desnecessárias: o jornalista
Reinaldo Azevedo fez muito barulho ontem dizendo
que o ministro da Fazenda Joaquim Levy resolveu fazer graça e inseriu várias
"emendas confiscatórias" no projeto, as quais serão apreciadas na semana que
vem. Em uma dessas emendas, o governo
quer tributar em 15%, por meio do IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte), as
empresas que trabalham sob o regime de lucro presumido. Embora seja lamentável, vale ressaltar que,
ao contrário do que deu a entender o jornalista, todas as medidas citadas já
existem hoje para empresas prestadoras de serviço conforme a Lei
10833/2003 e a RIR/1999. Ou seja, o PL 4330 não está criando nenhuma
novidade nesse quesito. Está apenas
mantendo algo ruim, que já existia há muito tempo. Deve ser criticado, é claro, mas não é
correto dizer que a estrovenga confiscatória está sendo criada agora.
No
texto a seguir, Bernardo Santoro aprofunda como as terceirizações, que implicam
mais liberdade para a legislação trabalhista, significam necessariamente mais
liberdade econômica.
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É
particularmente assustador pensar que até hoje a terceirização é um assunto
obscuro na nossa ultrapassada legislação trabalhista.
O
projeto
de lei 4330/2004 prevê a contratação de serviços terceirizados de
empresas para qualquer atividade e não estabelece limites ao tipo de serviço
que pode ser alvo de terceirização. Além disso, prevê a forma de contratação
tanto para empresas privadas como públicas.
Houve
quem entendesse que a terceirização irá quebrar o vínculo entre empregadores e
empregados, e isso se transformou na grande reclamação das entidades
sindicais. Mas não procede. A terceirização só é economicamente viável
para o que se chama "atividade-meio" de uma empresa, e não sua "atividade-fim".
Exemplifico.
A
atividade-fim da escola é o ensino. Portanto, seu material humano básico é o
professor. Terceirizar os professores a princípio é economicamente inviável,
pois se existisse uma empresa prestadora de serviço de professores, seria mais
interessante para essa empresa que ela própria prestasse o serviço, já que ela
é a possuidora do principal conhecimento.
Já
atividades-meio da escola, como limpeza e segurança, que não são o cerne da
atividade empresarial, mas que servem de apoio para o objeto principal, possuem
viabilidade de terceirização.
A
economia ensina que a especialização de mão-de-obra e o livre comércio entre
agentes especializados aumentam a riqueza geral dos envolvidos e a produção
social, pois cada agente especializado em um serviço produz muito mais do que
produziria caso ele tivesse de fazer várias coisas diferentes ao mesmo tempo.
Portanto,
se a escola fosse se especializar não somente em ensinar, mas também em serviços
de limpeza, manutenção e segurança, seus custos seriam muito maiores. É aí que entra a terceirização de
atividades-meio.
E
essa terceirização acaba por beneficiar a todos, inclusive aos terceirizados,
pois esses empregados também irão consumir produtos e serviços de empresas que
terceirizaram suas atividades-meio e, consequentemente, baratearam seus
produtos. (Nota do IMB: ou, na realidade brasileira, aumentaram seus preços com menos intensidade).
Outro
argumento das entidades sindicais contra o projeto é a teoria de que a
terceirização prejudicará a todos os brasileiros, pois irá acabar com direitos
trabalhistas em benefício de empresários que terão custos baixos.
Em
primeiro lugar, não é verdade que a terceirização irá realmente acabar com
direitos trabalhistas. Isso é uma mentira. Os direitos trabalhistas serão todos
mantidos, mas os empregados estarão vinculados à empresa prestadora de serviço (a
terceirizada). O que ocorre hoje é que há uma disfunção no direito trabalhista
que diz que empregados terceirizados podem cobrar seus créditos trabalhistas da
empresa contratante do serviço.
Desnecessário
dizer que a prática atual rompe com toda e qualquer lógica comercial. Como é
que alguém pode ser obrigado a pagar por um débito trabalhista de um empregado
que não é seu? E não é mesmo, pois, no caso do exemplo acima, se a escola vier
a falir, o empregado continua vinculado ao prestador de serviço de limpeza, e
será prontamente deslocado para outra empresa que vier a contratar o serviço
junto ao seu patrão.
É
uma lição básica e clássica do Direito o fato de que uma pessoa só pode ser
obrigada a pagar por uma obrigação sua. Hoje em dia, infelizmente, esse novo
Direito distorce isso, criando uma série de situações em que alguém é obrigado
a pagar pelo prejuízo causado por outras pessoas.
E
a realidade, aliás, é que o projeto de lei também é levemente intervencionista
nesse caso, pois seu artigo 10 diz que, durante a prestação do serviço, a
empresa contratante fica responsável, subsidiariamente, pelos créditos
trabalhistas do empregado. Se o contratado, por exemplo, for um profissional da
atividade-fim com empresa própria, ele pode requerer a equiparação com relação de
trabalho na justiça. Ou seja, o projeto de regulamentação da terceirização é
até tímido.
O
mais curioso é que o estado, que se diz tão "socialmente justo e consciente",
se auto-isenta dessa lei. De acordo com a lei de
licitações (art. 71), o estado não responde por dívidas trabalhistas de
empresas terceirizadas que lhe prestam serviços. Para o estado, a isenção; para
o empresário, o rigor da lei. Por quê?
E
deixemos bem claro a principal falha de argumentação das entidades contrárias à
terceirização. De acordo com um folheto da CUT, a terceirização foi feita para "baratear
a produção". Ora, se a produção de produtos e serviços está sendo barateada, então
isso é bom para a sociedade e principalmente para os pobres. Serão mais produtos e serviços
acessíveis para quem tem menos poder aquisitivo.
Por
fim, nem merecia ser citado esse argumento, por tão absurdo que é, mas lá vai:
a esquerda defende que a terceirização pode esconder uma relação de
escravidão.
Mas
o que garante que em serviços não-terceirizados não haja escravidão também?
Isso simplesmente não é parâmetro válido de discussão, pois escravidão é ilegal
em qualquer situação de trabalho, direta ou terceirizada. Está inclusive na constituição, a qual está
acima de qualquer lei brasileira.
Em
suma, esse projeto, embora não seja o ideal, é bom para o Brasil e para os
brasileiros. De fato, é a melhor reforma de liberalização da legislação
trabalhista já feita neste país. Se o Congresso aprovar esse projeto de lei,
estará fazendo história e sedimentando uma real mudança de mentalidade do poder
legislativo nacional.
[Nota do IMB: A questão é simples: quanto maior a liberdade de contrato, melhor para o competente que quer fornecer sua mão-de-obra e pior para o encostado que quer a segurança dos vínculos empregaticios. Só isso.
Se tal liberdade de contrato será ruim para alguns? Certamente. Sempre há quem perde (os mais incompetentes) quando alguma forma de protecionismo é abolida. E sempre há quem ganha (normalmente, os mais competentes).
O empregado competente não será substituído por um terceirizado incompetente e inexperiente. Quem acredita que isso irá acontecer está, na prática, dizendo que empreendedores são ingênuos e gostam de tomar prejuízos (nada é mais prejudicial do que um funcionário ruim).
Funcionário que gera valor não é dispensado — por mais caro que ele seja — em troca de funcionário ruim e inexperiente. O real temor gerado por essa lei é que haverá bons profissionais querendo ofertar seus serviços sem vínculos empregatícios, e isso representará um risco para os ruins que usufruem esses vínculos.]