Nota do IMB
O
fenômeno das favelas no Brasil é complexo e não pode ser explicado de maneira
completa em um simples parágrafo introdutório.
No entanto, Mario Henrique Simonsen, em seu livro 30 Anos de Indexação, fez um excelente compêndio dos
fenômenos. Tudo começa com a destruição
do poder de compra da moeda.
Com
a inflação monetária e a consequente carestia se tornando galopantes ainda no
fim da década de 1950, a contabilidade das empresas e dos bancos tornou-se
extremamente distorcida (fenômeno detalhado neste artigo). Por causa do rápido aumento dos preços, as
receitas se tornavam nominalmente maiores em um curto período de tempo e,
consequentemente, prejuízos operacionais se transformavam em lucros ilusórios,
os quais eram pesadamente tributados. Simultaneamente,
o próprio custo de reposição de ativos aumentava acentuadamente. Isso foi aniquilando o capital de empresas e
bancos.
Como
consequência, os bancos reduziram a oferta de crédito, principalmente para a
aquisição de moradias, chegando ao ponto de, em 1963, a concessão de um
financiamento para a compra de um pequeno apartamento pela Caixa Econômica
Federal depender da expressa autorização do presidente da República.
Com
isso, os edifícios residenciais passaram a ser construídos por meio do
autofinanciamento dos condôminos, fenômeno que se manteve até meados da década
de 1990. Nesse arranjo, os prazos de
término das obras eram continuamente esticados, o que encarecia seus custos.
Para
completar, o incentivo ao investimento em imóveis residenciais para aluguel foi
destruído pelas sucessivas leis do inquilinato, que prorrogavam por prazo
indeterminado os contratos de locação residencial, determinando o congelamento
ou o semicongelamento dos alugueis.
O
resultado foi a atrofia da indústria da construção civil e a proliferação das
favelas, como manifestação ostensiva da crise habitacional.
O
artigo a seguir, embora não aborde este assunto, mostra um relato extremamente
interessante sobre o empreendedorismo das pessoas que foram prejudicadas por
essas políticas estatais e que, por total falta de opção, foram empurradas a
morar em favelas
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Uma
das características dos socialistas é oferecer provas contra si mesmos, seja
por meio de seus governos, seja por meio de seus discursos e livros.
Eles
próprios se encarregam de deixar bem claro o quanto são incompetentes,
delirantes e contraditórios, muitas vezes evidenciando o quanto são incapazes
de enxergar que muitos dos fenômenos sociais que eles enaltecem fazem parte, na
verdade, do argumento liberal, não do discurso socialista.
Acabei
de ler Um
País Chamado Favela, livro escrito por Renato Meirelles e Celso
Athayde.
Não
perderei o meu tempo falando sobre as primeiras 25 páginas (o livro tem 167)
dedicadas à tentativa de implantar no leitor adjetivos elogiosos ao livro antes
mesmo dele o ler. Não perderei meu tempo debochando das apresentações assinadas
por "grandes intelectuais brasileiros", tais como Preto Zezé, MV Bill e...
Luciano Huck! Também não perderei tempo enumerando as distorções na leitura da
história recente do Brasil. Comprei o livro por causa das estatísticas que os
autores oferecem.
Resumidamente,
para 96% dos moradores das 63 favelas pesquisadas, não foram políticas públicas as responsáveis pela melhoria da
qualidade de vida. Para 14%, a família foi a causa, para 40% foi Deus o
responsável e para 42% a melhoria de suas vidas foi obra tão somente de seus
próprios esforços, ou seja, aquilo que os liberais gritam todos os dias — a
potência do indivíduo!
Além
de dados, a pesquisa que gerou o livro também oferece relatos de
empreendedorismo dentro de comunidades distantes das ações estatais,
salientando que foi justamente a distância entre indivíduos e governo que os
tornaram fortes e criativos:
Os jovens, em particular, são filhos e netos
daqueles cidadãos abandonados e maltratados pelo Estado. Criados a partir dessa
memória familiar recente, não enxergam o governo, qualquer que seja, como
provedor de bem-estar. Não raro treinados em modelos espartanos de
sobrevivência, convertem-se em homens e mulheres particularmente resilientes
que aprendem, enfrentam preconceitos e fazem acontecer.
O
que pode ser mais libertário do que isso?
A
despeito dos dados e testemunhos que comprovam que o pobre não é nenhum
incapaz, os autores se esforçam em tentar nos fazer crer que a melhoria na
qualidade de vida nas favelas foi obra do PT, chegando a afirmar, por exemplo,
que seus moradores só puderam planejar melhor suas vidas quando começaram a
receber contracheques impressos.
Segundo
eles, não foi o fim da inflação e a estabilidade econômica que possibilitou que
pessoas de baixa renda tivessem acesso ao crédito, mas sim um pedaço de papel.
Num
dos capítulos, Renato Meirelles assume a narrativa para falar sobre a
trajetória de seu parceiro, Celso Athayde, começando com a seguinte frase: "Ele
não aprendeu com Keynes ou com Amartya Sen, mas com a vida, tocando pequenos
negócios no vasto universo de excluídos e daqueles em processo de inclusão".
Sim,
ele cita dois gurus do socialismo para ilustrar a trajetória liberal de uma
pessoa que abre caminho por si mesmo na sociedade e que, voluntariamente,
direciona seu trabalho para os interesses das comunidades mais pobres,
explicitando, portanto, que os socialistas não conseguem sequer distinguir
socialismo de liberalismo.
Darei
um ajuda: oferecer seu tempo, seu trabalho, seu dinheiro ou apenas seu
interesse aos pobres não faz uma pessoa socialista. Uma pessoa se torna
socialista quando ela passa a cobrar que o Estado obrigue outras pessoas a
fazer caridade, exigindo que os mais ricos, apenas por serem mais ricos, devam
aceitar que o governo lhe tome dinheiro para supostamente dar aos pobres apenas
por estes serem pobres.
A
trajetória "social" de Athayde, relatada por Renato, culmina na criação da Favela Holding, iniciativa responsável
pela criação de um shopping center
dentro do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, empreendimento de R$ 22
milhões.
Os
autores desconhecem que isso se chama iniciativa privada e voluntária, o
pilar do liberalismo. Ignoram que qualquer iniciativa desse tipo, se fosse
empenhada pelo estado, custaria 10 vezes mais e ofereceria serviços ruins.
Ignoram que o sucesso de empreendimentos como os citados no livro se deve
principalmente por serem iniciativas de pessoas comuns e que, por isso, têm
mais condições de saber o que pessoas comuns precisam — o que o estado nunca
conseguirá saber.
No
livro, constam também outros casos, como o de Elias Tergilene, que começou a
vida vendendo esterco e que hoje tem diversos empreendimentos comerciais em
regiões degradadas de Belo Horizonte. A despeito do discurso "social", Elias
apenas pensou empresarialmente, o que lhe possibilitou descobrir um novo nicho
de mercado. Pergunto: ele foi obrigado pelo governo a investir seu trabalho e
seu dinheiro na favela? Não. Foi ele, por iniciativa própria, que enxergou as
oportunidades comerciais que essas regiões guardam e que criou um modelo de
negócio adequado ao perfil de seus moradores. Isso não é socialismo. Isso é
capitalismo.
Em
vez de esperar pela ajuda do estado, o indivíduo tratou de, ele mesmo, fazer o
que acreditava que deveria fazer. Livre iniciativa. A mesma livre iniciativa da
também citada Vai Voando, empresa de venda de
passagens aérea que, a exemplo de Elias, costurou um modelo próprio de negócios
que, visando o lucro, possibilitou que dezenas de milhares de pessoas tivessem
oportunidade de viajar de avião.
A
mesma pergunta: foi o estado que obrigou essa empresa a oferecer produtos e
serviços mais baratos aos mais pobres? Não!
Reconhecendo
o potencial das favelas — a despeito da ausência do estado —, os autores
chegam a escrever: "Ali, portanto, por necessidade e vocação, funcionam alguns
dos melhores laboratórios do país em termos de prática empreendedora". Quando
um liberal fala isso, ele é tachado de maluco — "Impossível um favelado se
erguer sozinho!", gritam os socialistas —, porém, quando são os próprios
socialistas que atestam essa realidade, a pobreza deixa de ser vista como uma
condenação e passa a ser vista como uma situação reversível a partir do
conjunto de esforços individuais.
O
erro, contudo, está na insistência dos socialistas em pregar que o estado
deveria ajudar os esforços individuais. Não, não deveria. Todas as vezes que o estado
estende sua mão, ele retira do indivíduo a necessidade de ser forte e criativo,
empurrando-o na direção da dependência e da subserviência. Qualquer ação de
caridade deve vir de indivíduos, nunca do estado.
Apenas pessoas (espontaneamente associadas
entre si ou não) têm condições de avaliar a necessidade e o merecimento de
outras pessoas e de acompanhar os desdobramentos de cada ação. O estado não tem
esta condição.
Outra
passagem interessante do livro é aquela em que os autores citam a solução encontrada
pelos salões de beleza quando o governo (sempre ele!) restringiu o
funcionamento dos bailes funk. "A solução foi diversificar os serviços. Quem
fazia chapinha passou a oferecer também depilação. Aos poucos, as melhores
profissionais venceram a crise e passaram a colecionar também clientes do
asfalto, gente moradora de Laranjeiras ou da Gávea".
E
ainda há quem diga que o mercado não se autorregula, que o mercado não tem
capacidade de, por si mesmo, resolver seus problemas.
O
livro também nos mostra o ponto de vista dos consumidores pobres, desfazendo a
imagem de "coitadinhos humildes" que os socialistas pintam constantemente. Os
moradores das favelas calculam o custo-benefício de tudo; muitas vezes optam
pelos produtos mais caros e têm especial prazer em ostentar marcas famosas por
reconhecerem o valor agregado de seus produtos. Os dados expostos no livro
comprovam que o "desapego material" e a busca pela "vida simples" não passa de
um fetiche existencial da burguesia socialista. O pobre quer ser patrão. O
pobre quer ser independente. O pobre gosta de luxo e quer passar férias nos
Estados Unidos, não em Cuba.
Vale
ressaltar também que um favelado só tem o poder de escolher o que consumir
porque existe uma complexa rede de interesses individuais que sustentam
incontáveis empresas que brigam entre si pela preferência até dos mais pobres.
Sem
perceber, os autores reconhecem que, enquanto a "benevolência" do estado não
chega a esse grupo de pagadores de impostos, os favelados, o "capitalismo
opressor" sobe o morro com suas farmácias, supermercados, serviços de internet
e de TV a cabo, lojas de eletrodomésticos, de computadores, de celulares e de
material de construção.
Os
autores do livro chegam a registrar casos de megacorporações internacionais,
como a P&G, que, voluntariamente, vão à favela oferecer produtos e serviços
gratuitos como estratégia de divulgação de suas marcas — "Malditos
capitalistas!".
A
infelicidade do livro é a insistente interpretação ideológica da realidade — a
capacidade dos indivíduos de se levantarem por si mesmos —, tentando nos fazer
crer que a favela precisa de estado, muito estado, estado em tudo; e que essas
comunidades devem ser protegidas, vejam só, dos interesses dos capitalistas.
Este
livro é um ótimo documento sobre o autobloqueio de grande parte dos socialistas
em reconhecer a potência humana; fazem questão de não enxergar que o único
papel que o estado assume é o de tornar a vida das pessoas mais cara,
complicada e perigosa.
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