quinta-feira, 12 mar 2015
Democracia,
quando a tirania inicia a sua eternização
A
democracia criou praticamente todas as ditaduras do mundo. Não é de hoje que isso acontece e não é à toa
que boa parte das piores ditaduras carrega palavras derivadas de "democracia"
no nome.
Por
exemplo, a Coreia do Norte se chama República Democrática Popular da Coreia; o
Camboja na época do Pol Pot se chamava Kampuchea Democrático; a Alemanha
Oriental se chamava República Democrática da Alemanha, e p Laos se chama
República Democrática Popular Lau.
Em
suma, geralmente um país com alguma alusão à democracia no nome está muito
longe de ser um país livre.
A
palavra democracia é enganosa. Ela não nos garante a liberdade e nem a proteção
dos nossos "direitos". Pelo contrário, é ela quem vai sepultá-las de
vez.
Não
é necessário voltar muito no tempo para perceber isso. A escolha da maioria ou
a eleição daqueles que mais obtiveram votos nunca foi o meio mais eficiente de
garantir os direitos dos indivíduos numa sociedade. Colocar nas mãos de uma população a escolha de
um governante não é muito diferente de um grupo de escravo escolher o seu
capataz.[1]
O
que acontece exatamente quando temos uma democracia? Nada mais do que a violação, agora legalizada,
ao direto à propriedade privada feita por uma maioria sobre uma minoria. Uma
parcela da população irá querer que a outra pague por seus estudos, por seus
tratamentos médicos, por sua segurança, por seus transportes, por seus subsídios,
por seu assistencialismo e assim por diante.
Como
explicou
Hans-Hermann Hoppe:
Dado que o homem é como ele é, em todas as
sociedades existem pessoas que cobiçam a propriedade de outros.[...]
Quando a entrada no aparato governamental é
livre, qualquer um pode expressar abertamente seu desejo pela propriedade
alheia. O que antes era considerado imoral e era adequadamente suprimido,
agora passa a ser considerado um sentimento legítimo. Todos agora podem
cobiçar abertamente a propriedade de outros em nome da democracia; e todos
podem agir de acordo com esse desejo pela propriedade alheia, desde que ele já
tenha conseguido entrar no governo. Assim, em uma democracia, qualquer um
pode legalmente se tornar uma ameaça.
Consequentemente, sob condições
democráticas, o popular — embora imoral e anti-social — desejo pela
propriedade de outro homem é sistematicamente fortalecido. Toda e
qualquer exigência passa a ser legítima, desde que seja proclamada
publicamente. Em nome da "liberdade de expressão", todos são
livres para exigir a tomada e a consequente redistribuição da propriedade
alheia. Tudo pode ser dito e reivindicado, e tudo passa a ser de
todos. Nem mesmo o mais aparentemente seguro direito de propriedade está
isento das demandas redistributivas.
Pior: em decorrência da existência de
eleições em massa, aqueles membros da sociedade com pouca ou nenhuma inibição
em relação ao confisco da propriedade de terceiros — ou seja, amorais vulgares
que possuem enorme talento em agregar uma turba de seguidores adeptos de
demandas populares moralmente desinibidas e mutuamente incompatíveis (demagogos
eficientes) — terão as maiores chances de entrar no aparato governamental e
ascender até o topo da linha de comando. Daí, uma situação ruim se torna
ainda pior.
Isso
explica o porquê de os partidos declarados de esquerda terem obtido sucesso nas
eleições. A bandeira da esquerda sempre
foi essa e os partidos que se dizem de "direita" acabam abraçando boa parte dos
programas da esquerda para conseguir votos.
A
prova disso é que não são raros os direitistas que hoje adotam as propostas de F.A. Hayek
e Milton Friedman apenas para isso.[2]
A
crise amiga
O
que acontece hoje?
Não
é um cenário muito diferente do que ocorreu após o crash de 1929 e a
consequente Grande Depressão. Crises sempre
fazem com que muitas pessoas se convençam de que políticas autoritárias,
medidas antimercado e confisco de propriedades privadas sejam a solução. As crises sempre são estranhamente prolongadas
e não seria surpreendente se fosse de propósito.

|
"Por
que você não pode dar um emprego ao meu pai?" Certamente a resposta certa seria
"Porque o governo não deixa." |
No
entanto, não há como provar isso, ainda que se possa mostrar premissas que
evidenciem tal suspeita. A maioria da
população em si sempre é instruída a cobrar algo do governo e sempre olha para
os mais bem sucedidos com um ar de inveja achando que os bem sucedidos devem
obrigatoriamente colaborar mais com a "sociedade".
Quando
ocorre uma crise econômica os mais pobres sempre são os mais atingidos, e, ao
ver os mais ricos menos atingidos e ainda demitindo seus empregados, a esquerda
acaba se aproveitando da situação.
Não
é difícil entender a estratégia da esquerda nessa parte. Primeiramente, em
qualquer sociedade, os mais ricos compõem uma minoria numérica por serem os
empregadores dos mais pobres, que são a maioria. Em seguida, basta gerar uma crise. Mas como
gerar?
O
estado tem uma arma e tanto para isso: o monopólio da moeda. Dado que o dinheiro representa a metade de
toda a qualquer transação econômica, qualquer manipulação do dinheiro pode
gerar crises. E, com o monopólio sobre a
moeda garantido, o governo tem o virtual controle da economia.
Vamos
supor que o governo gere uma crise de inflação: a inflação nada mais é do que uma
expansão monetária — ou seja, um aumento da quantidade de dinheiro. O governo
não pode simplesmente distribuir o dinheiro para a população, mas ele pode
colocar esse dinheiro na economia utilizando o sistema bancário — que irá
conceder empréstimos a pessoas e empresas — ou incorrendo em déficits orçamentários
que também são financiados por empréstimos bancários.
Com
esse aumento da oferta monetária, o valor de cada unidade monetária cai, e os
preços e custos sobem. Quem percebe isso
é quem oferta o bem, o empresário, o empregador, o capitalista. Ao perceberem o aumento da oferta monetária,
os empresários aumentam o preço dos produtos que ofertam para evitar a escassez
dos mesmos, e o nome dado isso é remarcação dos preços. Nessa hora o
governo acaba colocando toda a população contra os empresários, acusando-os de
"abusadores", "ladrões" e outros adjetivos pouco elogiosos.
Isso
aconteceu no Brasil durante a gestão do presidente José Sarney com o fracassado
Plano Cruzado,
quando foram convocados os "fiscais do Sarney". Os fiscais do Sarney (os
próprios clientes) basicamente denunciavam os aumentos "abusivos" de preços e a
Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento) se encarregava de multar e
fechar a lojas e ainda chamar a polícia para prender os funcionários e os
gerentes.
O
Brasil da Era Sarney em pouco diferia da Venezuela de Chávez e
Maduro, apesar de a Venezuela enfrentar uma ditadura por muito mais tempo.
Outra
forma de gerar uma crise é pela expansão de crédito para populares. Mises
observou que, com o surgimento dos bancos, surgia a expansão do crédito sem um
equivalente aumento da poupança, pois os bancos podem simplesmente criar dinheiro do nada.
Mises
afirmou que o "pai da
expansão de crédito foi o banqueiro e não a autoridade pública", e continuou:
Hoje, entretanto, a expansão de crédito é
exclusivamente uma prática governamental. A participação dos bancos e
banqueiros privados na emissão de meios fiduciários [o dinheiro criado pelos
bancos] é subalterna e limitada a aspectos técnicos. São os governos que
comandam o funcionamento da atividade bancária; são eles que determinam as
circunstâncias de todas as operações creditícias.
Enquanto os bancos privados, no mercado não
obstruído, têm a sua capacidade de expandir o crédito estritamente limitada, os
governos procuram expandir ao máximo o volume de créditos injetados na
economia. A expansão do crédito é a principal ferramenta do governo na sua luta
contra a economia de mercado. É a varinha de condão que trará a abundância de
bens de capital, que diminuirá a taxa de juros ou a abolirá de uma vez por
todas, que financiará o desperdício dos gastos públicos, que expropriará os
capitalistas, que conseguirá promover o boom permanente e tornar prósperas
todas as pessoas.
A Grande Depressão surgiu
com a expansão de crédito mais diversas outras medidas inflacionárias, e se
agravou ainda mais com diversos programas intervencionistas que dificultaram a
abertura de empresas e criação de empregos, o que, por consequência, provocou o
fechamento de diversas empresas e demissões em massa.
Intelectuais
e o controle das massas

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Da
esquerda para direita em sentido horário: Marilena Chauí, Juca Kfouri, Emir
Sader e Leonardo Sakamoto. Exemplos de intelectuais a serviço de defender o
estado |
Agora,
vamos a uma outra questão: como convencer a multidão de incautos e desavisados?
Vamos
pensar em um ambiente em que esse povo tenha de necessariamente ler e absorver
informações. O estado não quer que as
pessoas absorvam os valores da família e de escolas independentes, não
credenciadas pelos burocratas MEC. Logo,
a primeira coisa que ele fará é obrigar os pais a colocarem os seus filhos
crianças na escola (credenciada pelo MEC) e proibi-las de trabalhar.
A
segunda fase é escolher o material que será estudado.
Obviamente
não haverá tanta doutrinação na matemática e nas ciências naturais e exatas,
mas haverá muita nos estudos sociais e história. Os autores escolhidos serão os
que mais defendem o estado. Geralmente serão os que possuem forte influência de
Marx e seus influenciados (Lukács, Adorno, Marcuse, Gramsci etc) e mais os
iluministas franceses (principalmente Montesquieu, Rousseau, Robespierre, etc)
e influenciados (Deleuze e Foucault).
A
doutrinação nas instituições de ensino está formada, mas não é o suficiente. É
necessário espalhar na mídia: televisão, jornais, revistas, rádio, internet
etc.
Em
ditaduras declaradas, como na China de Mao, estatizar todos os veículos de
comunicação foi o suficiente, assim como na Coreia do Norte. No entanto, na América Latina, como há uma
democracia, a liberdade de faz-de-conta é necessária. É necessário formar
pessoas que formam opiniões. Consequentemente, o estado contrata os
intelectuais.
O
papel do estado é esse: formar intelectuais para disseminar opiniões favoráveis
a ele mesmo. Provar que a melhor solução para um problema que jamais existiria
sem o estado é o próprio estado. Rothbard explica:
É evidente por que o estado precisa de
intelectuais; mas não é algo tão evidente por que os intelectuais precisam do
estado. Posto de forma simples, podemos afirmar que o sustento do intelectual
no livre mercado nunca é algo garantido, pois o intelectual tem de depender dos
valores e das escolhas das massas dos seus concidadãos, e é uma característica
indelével das massas o fato de serem geralmente desinteressadas de assuntos
intelectuais.
O estado, por outro lado, está disposto a
oferecer aos intelectuais um nicho seguro e permanente no seio do aparato
estatal; e, consequentemente, um rendimento certo e um arsenal de prestígios. E
os intelectuais serão generosamente recompensados pela importante função que
executam para os governantes do estado, grupo ao qual eles agora pertencem.
A
partir daí, o pensamento favorável ao estado começa a ser cada vez mais
consolidado. O estado patrocina esses intelectuais para que eles o defendam mesmo que seja da maneira mais refutável e ridícula possível.
Esses
intelectuais fazem verdadeiras apologias ao crime, defendendo aumento de
impostos, censura (para defender a "regulação da mídia" usarão de diversos
tipos de preconceito, "discurso de ódio", "terrorismo eleitoral" etc.),
violações de propriedade (expropriação, movimentos terroristas como o Movimento
dos "Trabalhadores" Sem-Terra, etc.) e até mesmo que a população seja proibida de
garantir a própria segurança (desarmamento civil).
Eles
não hesitarão em mentir também, dizendo que as crises são solucionadas pelo
estado e que apenas ele pode prover certos bens como hospitais, escolas e
serviço judiciário.
A
falsa oposição

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Jair
Bolsonaro e Marco Feliciano: juntos eles criaram mais esquerdistas do que todos
os militantes do PT juntos. |
Quando
se estabelece o controle estatal sobre a mídia — que pode ser na base da força
bruta como na Venezuela ou em forma de agrado, como são as concessões no Brasil
—, o estado passa a criar um falsa oposição. Intelectuais que podem até atacar
o governo da situação, mas sempre de maneira caricata. E, que o ataque seja mais agressivo, ele
ainda assim defenderá uma forma de estado, e nunca muito diferente do governo
da situação.
Criar
uma oposição para fortalecer a situação não é uma ideia nova. O estado sempre consegue
se fortalecer mesmo que seja criando uma falsa oposição. Sempre surgirão pequenas aberrações que acabam
justificando, por parte do governo da situação, um meio de se fortalecer na
opinião pública.
No
caso de um governo de esquerda, como acontece no Brasil, podemos citar os
defensores do Regime Militar, que acabam servindo de propaganda negativa, já
que são claros defensores de uma suposta ditadura "de direita", que de direita
não tinha absolutamente nada.
Em
um simples parágrafo Mises explicou
bem:
Um movimento 'anti-qualquer-coisa' demonstra
uma atitude puramente negativa. Não tem a menor chance de sucesso. Suas
críticas acerbas virtualmente promovem o programa que atacam. As pessoas devem
lutar por algo que desejam realizar e não simplesmente evitar um mal, por pior
que seja.
O
papel dos libertários militantes

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Murray
N. Rothbard, exemplo de libertário militante. |
O
libertário é aquele que é partidário da liberdade, ou seja, defensor do direito
natural à propriedade privada e, consequentemente, aquele que condena a sua
violação. Porém, são poucos os que participam de militâncias. Ao contrário dos
militantes de esquerda ou direita, os libertários não recorrem a agressões e
vandalismo. A preferência sempre será pela militância acadêmica, com artigos,
palestras, publicações de livros e financiamentos de projetos que podem ajudar
a fugir da agressão estatal.
Podemos
dizer que o libertário militante utiliza um meio parecido com aquele que o
estado usa, mas com diferenças cruciais.
A
primeira é que ele não usa recursos obtidos por meios criminosos. Ao passo que
o estado sempre financia os seus intelectuais com dinheiro roubado devido à sua
incapacidade de gerar riquezas, os libertários se financiam com o suor do
próprio rosto.
Outra
diferença é que o libertário tem a realidade a seu favor. Apontar falhas do
estado é facílimo, já os intelectuais do estado precisam inventar estatísticas mirabolantes,
fazer malabarismo argumentativo ou simplesmente inventar uma mentira que
servirá de desculpa. No entanto, contra
o libertário há o poderoso arsenal de marketing do estado. E esse é muito forte.
Ainda
assim, mesmo com o poderoso marketing estatal — que conta com recursos
virtualmente infinitos — jogando contra, o libertarianismo tem crescido muito.
A própria propaganda negativa por parte da massa de manobra (os famosos idiotas
úteis) tem ajudado.
O
problema é que o financiamento de atividades não ligadas à propaganda negativa
ainda faz gerar muitos estatistas. Mas é
visível que, quando a crise de um governo se torna insustentável, os próprios
libertários militantes têm se apressado em apontar as grotescas falhas que geraram
tais crises. Ainda existem os
extremo-esquerdistas que acreditam que a solução é o governo controlar tudo,
mas as fracassadas experiências de governos comunistas denunciam a sua ignorância.
Está
cada vez mais evidente para os incautos que a liberdade é a solução e que
apenas uma sociedade livre, sem o governo atrapalhando e com total respeito à
propriedade, é que gera a prosperidade e a paz. Não basta a liberdade ser um
fim. A sua defesa deve ser o meio.
[1] Claro
que me inspirei no grande anarco-individualista Lysander Spooner que escreveu:
"A man
is none the less a slave because he is allowed to choose a new master once in a
term of years."
"Um homem não é menos escravo só porque pode
escolher um novo mestre a cada mandato." em tradução livre.
Lysander
Spooner; No Treason: The Constitution of No Authority (Boston, 1867), p. 24
[2] Hayek e
Friedman na verdade sempre foram social-democratas. O próprio Mises chamou
ambos e toda a Sociedade Mont Pelerin de "um bando de socialistas". (Ver aqui em artigo e aqui em vídeo).