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Economia

Uma surpresa suíça

19/01/2015

Uma surpresa suíça

Um Banco Central pode ou adotar uma política de câmbio fixo ou praticar uma política monetária independente.  Mas ele não pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo. 

Se ele decide manter uma determinada paridade cambial, então ele abre mão de controlar a expansão da base monetária, pois ele tem de criar moeda nacional para comprar as divisas estrangeiras, e tem de recolher moeda nacional ao vender divisas estrangeiras.  Ele não controla a evolução da base monetária. 

Já se ele opta por manter o controle sobre a evolução da base monetária, então ele não tem como manter a taxa de câmbio estacionada em um determinado valor.  Não por muito tempo. 

(Se o Banco Central tentar fazer as duas coisas, ele estará incorrendo em uma contradição insustentável.  Todos os ataques especulativos que varreram os países em desenvolvimento na segunda metade da década de 1990 aconteceram porque os especuladores perceberam essa contradição e agiram de acordo.)

Por mais de três anos -- desde setembro de 2011 --, o Banco Central suíço estipulou que o euro não custaria menos do que 1,20 franco suíço.  Naquela época, o franco suíço vinha se valorizando continuamente em relação ao euro, o que fez com que os suspeitos de sempre -- os exportadores -- pressionassem o BC suíço a adotar uma política de câmbio fixo (em um valor depreciado) em relação ao euro.  Os exportadores temiam uma redução das vendas para os países da zona do euro caso o franco suíço continuasse se apreciando em relação ao euro.

Ao adotar essa política de manter um câmbio fixo em um valor claramente depreciado, o Banco Central suíço perdeu totalmente o controle da evolução da base monetária, e foi relegado à mera condição de seguidor passivo da política monetária do Banco Central Europeu.  Sempre que o franco suíço começava a se valorizar em relação ao euro -- ou seja, quando o euro começava a custar menos de 1,20 franco --, o BC suíço entrava em cena, criava francos e comprava euros, até que a taxa de câmbio voltasse a 1,20 franco por euro. 

Se o Banco Central Europeu expandisse enormemente a base monetária, e se essa expansão se convertesse em uma enxurrada de euros entrando na Suíça, o BC suíço teria de imprimir uma quantia equivalente de francos para comprar esses euros e, com isso, manter a taxa de câmbio em 1,20 franco por euro.

O resultado dessa política é que, nos últimos três anos, à medida que a demanda por francos suíços da parte de quem possuía euros aumentou, o balancete do Banco Central suíço explodiu: a quantidade de euros em suas reservas duplicou, e a base monetária, em termos de francos suíços, quadruplicou.

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Gráfico 1: evolução das reservas internacionais do BC suíço


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 Gráfico 2: evolução da base monetária da Suíça

Não obstante essa explosão da base monetária, o ritmo de empréstimos concedidos pelos bancos suíços, e consequentemente a quantidade de francos suíços entrando na economia suíça, seguiram crescendo ao seu ritmo natural, o que explica a ausência de uma inflação de preços no país.

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Gráfico 3: evolução do crédito bancário da Suíça



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Gráfico 4: evolução do agregado monetária M3 da Suíça

No entanto, na quinta-feira passada, dia 15 de janeiro de 2015, de maneira espetacular, o Banco Central suíço finalmente capitulou e decidiu que controlar a base monetária era mais importante do que manter uma taxa de câmbio fixa em relação ao euro.  Em um anúncio-surpresa, o BC suíço disse que estava abandonando sua política de atrelar o franco ao euro.  Imediatamente após o anúncio de que voltaria a flutuar em relação ao euro, o franco suíço disparou e chegou a se apreciar mais de 30% em questão de minutos.  Atualmente, o franco está valendo um euro, o que significa que ele se apreciou 20% desde a adoção do câmbio flutuante.

Essa medida gerou ondas de choque imediatas nos mercados financeiros.  Em apenas alguns poucos minutos, além de o franco ter disparado 30%, o FTSE de Londres caiu 2%, o Wall Street entrou em território negativo, e a até então tímida subida das commodities foi revertida.  No que mais, a bolsa de valores da Suíça caiu 9%, e o noticiário econômico foi inundado com as notícias mercantilistas de sempre, dizendo que tal medida era um "tsunami", um "enorme erro", e que ocorreria uma "carnificina" com os exportadores suíços.

Isso mostra como o atual mercado financeiro é tão robusto quanto um castelo de cartas, e como ele é dependente da inflação monetária para se sustentar.  Bastou apenas uma medida não-prevista da parte de um Banco Central -- que, na prática, disse que estaria se retirando do mercado -- para gerar abalos sísmicos e mostrar como os mercados financeiros estão totalmente desconectados da economia real.

Por que atrelar o franco ao euro?

Uma das razões de o Banco Central suíço ter atrelado o franco ao euro foi a ideia de que a moeda suíça estava "sobrevalorizada" e que, por causa disso, os exportadores estavam sendo injustamente afetados pela moeda apreciada. 

O problema é que o termo "sobrevalorizada" não faz sentido quando se trata de um câmbio flutuante.  É o mercado quem determina o valor de troca de uma moeda.  Em uma economia capitalista, os preços são estipulados pela oferta e pela demanda, e o preço determinado é aquele no qual todos que querem vender irão encontrar um comprador disposto a comprar.  Taxas de câmbio também são determinadas pela lei da oferta e demanda.  Nada, inclusive moedas, pode estar sobrevalorizado ou subvalorizado.  Não no longo prazo.

A ideia de que exportadores são afetados por uma moeda supostamente sobrevalorizada também não se sustenta.  Os exportadores têm hoje à sua disposição uma variedade de produtos financeiros criados justamente para protegê-los (fazer hedge) contra variações na taxa de câmbio.  Swaps permitem que eles até mesmo se protejam de variações cambiais no longo prazo.

Da mesma forma, um exportador é também um importador de vários bens de capital.  A globalização obrigou vários exportadores a irem às compras atrás de matérias-primas e bens de capital mais eficientes e mais baratos.  Uma valorização da moeda, portanto, tem menos impacto nos lucros de um exportador, pois, se de um lado ele reduz as receitas do exportador, de outro ela também reduz os custos dos recursos importados pelo exportador

Mas é muito mais fácil fazer lobby para desvalorizar o câmbio do que reduzir os próprios preços.

O grande erro do BC suíço foi justamente o de ter adotado uma política que visava a beneficiar apenas um grupo da sociedade -- exportadores -- em detrimento de todos os outros -- os consumidores suíços.

E o resultado é que, por causa de sua atitude repentina e totalmente imprevista, a medida do BC suíço realmente prejudicou os exportadores.  Quando um país atrela sua moeda a uma outra, os exportadores deixam de se preocupar em fazer hedge contra um eventual risco de valorização ou de desvalorização.  A súbita apreciação do franco suíço na quinta-feira passada pegou os exportadores desprevenidos, pois eles realmente acreditavam que o piso estipulado pelo BC suíço para o preço do euro era definitivo, e, consequentemente, eles simplesmente pararam de fazer hedge contra quedas nas receitas de exportação.  Essa ação do BC suíço poderá, de fato, prejudicar severamente alguns exportadores.

E os exportadores suíços estão agora sendo forçados a fazer ajustes drásticos em resposta a uma medida repentina, em vez de ajustes incrementais que ocorreriam em um câmbio flutuante -- ajustes incrementais que poderiam ter sido prevenidos por medidas de hedge.

É necessário lembrar que toda ação tem ganhadores e perdedores.  Os consumidores suíços irão se beneficiar de preços menores.  Empresas suíças que importam seus insumos e vendem para o mercado doméstico também irão se beneficiar.

Por que abandonaram o câmbio atrelado

Com a probabilidade cada vez maior de que o Banco Central Europeu irá violar o Tratado de Maastricht e começar a comprar diretamente dos governos dos países periféricos os títulos de suas dívidas, os suíços finalmente perceberam que já era hora de pular fora do arranjo cambial.  O que se fala agora é que o BCE irá comprar títulos no valor de um trilhão de euros.  Sendo assim, para manter o câmbio atrelado, o Banco Central suíço teria de aumentar sua base monetária na mesma porcentagem, o que seria uma irresponsabilidade para um país tão pequeno.

Além desse novo programa de estímulos do BCE, ha um mercado russo em frangalho, há as vindouras eleições gregas (lideradas, por enquanto, por um partido de esquerda radical), e há a queda nos preços do petróleo.  Tudo isso fez com que investidores estrangeiros corressem para o porto seguro que os ativos suíços ainda representam.  Caso a taxa de câmbio se mantivesse imexível, haveria uma enxurrada na base monetária.

Ao abandonar o câmbio atrelado e permitir que sua moeda se valorizasse, o BC suíço fez a coisa certa.  Resta agora ver se ele também irá eliminar os ativos e os passivos da União Europeia de seus balancetes.  Há uma tempestade se formando na União Europeia e a Suíça fará bem em se manter de fora.

Todo esse incidente suíço foi uma boa prévia sobre o que poderia acontecer com o dólar americano caso o BC chinês resolva adotar uma medida similar.

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Autores:

Frank Hollenbeck é Ph.D. em economia e leciona na Universidade Internacional de Genebra.

Carmen Dorobat é pós-doutoranda em economia na Universidade de Angers e professora na Bucharest Academy of Economic Studies.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.


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