Eis uma notícia realmente "chocante": o Prêmio Nobel de Economia de 2014 não foi
concedido — como chegou a ser cogitado fervorosamente
por alguns austríacos — a Israel
Kirzner. Em vez disso, o prêmio foi
dado a Jean
Tirole, um engenheiro, matemático e economista francês. E também, como não poderia deixar de ser, um
keynesiano.
Antes,
um adendo: o grande empreendedor sueco Alfred Nobel nunca patrocinou nenhum
prêmio para a ciência econômica, e o comitê criado em sua homenagem (com o
patrimônio que ele deixou) nunca concedeu nenhum prêmio desse tipo até
hoje. No entanto, existe um "Prêmio
para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel". Mas ele é patrocinado pelo Banco Central da
Suécia. Desde 1969, este prêmio também
vem sendo concedido anualmente no início de outubro.
Jean
Tirole ganhou o prêmio por seu trabalho sobre "A
Ciência de Domar Empresas Poderosas".
Por maior que seja seu brilhantismo, Tirole é apenas mais um economista
neoclássico convencional cuja noção de concorrência, eficiência e bem-estar
econômico está distante galáxias da de Kirzner.
Plus ça change, plus c'est la même chose.
Tirole
ganhou o prêmio por ter criado novos métodos — utilizando a teoria dos jogos
— que visam a aperfeiçoar a regulação de indústrias dominadas por poucas
empresas grandes, as quais detêm "poder de mercado". Tirole, de uma maneira nada criteriosa, simplesmente
aceita a antiga e arraigada visão neoclássica de que empresas "oligopolistas"
cometem uma imperdoável transgressão contra a eficiência econômica ao serem
capazes de "influenciar os preços, a quantidade e a qualidade" dos produtos nos
mercados em que elas operam. E elas
conseguem fazer isso porque conseguem planejar a produção tomando por base as
expectativas das decisões de suas poucas concorrentes.
Em
outras palavras, Tirole simplesmente descobriu — e acreditou se tratar de uma
falha de mercado — que, no mundo real, as empresas não operam de acordo com as
fictícias hipóteses da teoria
da concorrência perfeita, segundo a qual cada empresa é infinitesimamente
pequena e incapaz de alterar, nem que seja de forma minúscula, o preço ou a
qualidade de seu produto em relação aos seus milhares e ínfimos concorrentes —
concorrentes esses que, ainda segundo a teoria, a empresa em questão não leva
em conta quando toma suas próprias decisões de produção.
Ampliando
esse efeito da "falha de mercado" do oligopólio está o intolerável fato de que
as empresas dominantes sabem mais sobre o produto que estão vendendo do que a
agência reguladora responsável por regular aquele mercado. Essa é apenas mais uma versão do problema da
"informação assimétrica",
segundo o qual cada empreendedor está — Deus nos proteja! — mais intimamente familiarizado
com as características do produto que ele produz e vende do que os consumidores
desse produto.
Em
todo caso, ao utilizar a teoria dos jogos e a teoria dos contratos, Tirole foi
capaz de inventar "um engenhoso arranjo de contratos de produção" entre o
regulador e as empresas dominantes para solucionar o problema da informação
assimétrica ao mesmo tempo em que concede às empresas um incentivo para
produzir e cortar custos.
Simultaneamente, o modelo inventado por Tirole impede que essas empresas
tenham "lucros excessivos — que são ruins para a sociedade".
Ou
seja, Tirole ganhou o Prêmio Nobel por ter inventado complexas soluções
técnicas para um pseudo-problema que os austríacos há muito tempo já sabiam e
já ensinaram a respeito: sempre haverá empresas dominantes em um determinado
segmento de mercado justamente porque uma economia de mercado é dinâmica (e não
estática, como prega a teoria da concorrência perfeita) e guiada pela
concorrência entre empreendedores ávidos para auferir lucros, os quais eles
obtêm ao saberem antecipar e servir as demandas dos consumidores, as quais
estão em contínua mudança.
Ainda
em 1962, Murray Rothbard já havia demonstrado que a teoria dos jogos era
inaplicável para a questão do oligopólio, isso em uma época em que a teoria dos
jogos ainda era uma misteriosa disciplina em gestação, conhecida apenas por um
punhado de economistas matemáticos. Como
argumentou
Rothbard:
A consideração relevante não é a pequena
quantidade de empresas ou a hostilidade ou amizade entre elas. Os economistas que discutem oligopólio em
termos que são mais aplicáveis a jogos de pôquer ou a táticas de guerrilha militar
estão totalmente equivocados. O objetivo
fundamental de um empreendimento é servir o consumidor para obter ganhos
monetários; e não fazer algum tipo de "jogo" com seus concorrentes.
Os eventuais aumentos ou reduções de preços
que porventura venham a ocorrer em indústrias "oligopolistas" não representam
uma forma misteriosa de guerrilha, mas sim um nítido processo de se tentar
encontrar um equilíbrio de mercado. Esse
mesmo processo, com efeito, ocorre em qualquer outro mercado, inclusive nos
mercados "não-oligopolistas" de produção de trigo ou de morango.
Nesses mercados, o processo aparenta ser
mais "impessoal" simplesmente porque as ações de cada empresa não são tão
importantes ou tão claramente visíveis quanto são nas indústrias mais "oligopolistas".
[...]
E, em situações de oligopólio, as
rivalidades e os sentimentos de cada indústria em relação às suas concorrentes
podem até ser analisadas de um ponto de vista mais dramático e teatral; porém,
em termos puramente de análise econômica, são irrelevantes.
Quanto
a "informações assimétricas", Ludwig von Mises e F.A. Hayek já demonstraram há
muito tempo que, longe de serem uma "falha de mercado", esse fenômeno é
justamente uma condição fundamental para a própria existência de mercado.
Afinal,
quem sabe mais sobre construção de imóveis: incorporadoras ou compradores de imóveis? Quem sabe mais sobre o serviço de fornecimento
de carne para supermercado: pecuaristas ou consumidores de carne? Quem sabe mais sobre fabricação de automóveis:
engenheiros automotivos empregados em montadoras ou compradores de carros? Quem sabe mais sobre produção e venda de vestuário:
fabricantes e distribuidoras de roupas ou compradores de roupas?
Esse ponto foi enfática e eloquentemente
expressado por William Anderson neste artigo:
Uma
"assimetria de informação" ocorre
quando a informação necessária para que compradores e vendedores cheguem ao
"equilíbrio" não está igualmente distribuída entre todos os
participantes de mercado. Um bom exemplo é o mercado de carros usados.
De acordo com um ditado popular sobre o
mercado de carros usados, quando alguém compra um carro usado, ele "está
comprando os problemas de outra pessoa". Os compradores de carros
usados possuem muito menos informação do que os vendedores. O que parece
ser um bom carro no estacionamento da revendedora pode perfeitamente acabar se
revelando uma tremenda barca furada tão logo o novo proprietário o estiver
dirigindo no centro da cidade. [...]
Por causa dessa incerteza, compradores serão
mais relutantes a pagar bem por um determinado carro usado, sendo que, caso
eles de fato soubessem com certeza que o carro que estão comprando não é um
limão, estariam dispostos a pagar mais. Em consequência dessa relutância
em se pagar mais, os vendedores retirarão seus melhores carros do mercado, dado
que consideram que os preços oferecidos são inadequados. Isso, por sua
vez, induz os compradores a oferecer preços ainda menores, já que, com os
melhores carros fora do mercado, as chances de se adquirir um limão aumentam
substancialmente. Essa espiral descendente ameaça destruir esse mercado
por completo.
A solução apresentado pelos economistas
seguidores dessa teoria é que o governo imponha novas regulamentações ao
mercado. A regulamentação, argumentam eles, obriga todos os lados a
fornecerem todas as suas informações. [...]
Em primeiro lugar, o livre mercado possui
meios para fornecer informações para aqueles que delas precisam. Por
exemplo, empresas frequentemente oferecem todos os tipos de suporte aos seus
produtos para mostrar que elas creem que seus produtos são dignos de serem
adquiridos. Elas oferecem garantias e concedem reembolso para proteger os
consumidores contra eventuais defeitos e para garantir que eles fiquem
satisfeitos. Se os compradores de carros querem ter mais informações sobre
carros usados, por que eles não conseguiriam obtê-la? Há várias maneiras
de isso ser feito.
Tenho um conhecido que é especialista em
assuntos automotivos. Frequentemente ele é chamado por seus amigos, e por
amigos de seus amigos, para acompanhá-los até uma revendedora para analisar os
carros lá vendidos. Ele leva consigo algumas ferramentas para testar a
qualidade do carro e constatar a veracidade das informações fornecidas pelo
vendedor. Dentre outras coisas, ele leva um ímã o qual ele desliza ao longo
do carro para descobrir se a lataria já foi danificada e se o vendedor utilizou
alguma substância à base de fibra de vidro para cobrir os amassados.
Especialistas como esse meu amigo podem ser livremente contratados para ir às
revendedoras e "equalizar" um pouco a assimetria de informações.
Ademais, vale notar que o mercado de carros
usados nunca entrou em colapso em nenhum lugar do mundo (ao menos, não nas
economias razoavelmente desenvolvidas). Em vários locais, inclusive, ele
é ainda mais dinâmico do que o mercado de carros novos. Outra pergunta
que vale ser feita é: por que se pressupõe que os vendedores dos melhores
carros, ao estabelecerem seus preços, não irão levar em conta a falta da
informação dos compradores?
É quase impossível encontrar uma transação na
qual os indivíduos possuam exatamente as mesmas informações. Assimetrias
de informações estão presentes em todos os lugares, e nenhum critério aceitável
já foi proposto para separar as assimetrias "aceitáveis" das
"inaceitáveis".
No mais, empreendedores já criaram na
internet vários websites em que consumidores fornecem suas opiniões sobre
vários produtos e serviços, atribuindo notas aos vendedores destes produtos e
serviços. Há também vários websites em que vendedores e potenciais
compradores se "encontram" e fazem ofertas, expandindo desta forma a
concorrência e abrindo novos mercados para todos que quiserem participar.
Em outras palavras, as pessoas sabem criar
maneiras de lidar com a questão da imperfeição das informações, as quais são,
por si sós, uma mercadoria escassa e valiosa. Negar tal fato é se negar a
examinar as transações que ocorrem no mundo real.
O
ponto é que todas as informações sobre todos os produtos e serviços existentes
são inevitavelmente assimétricas. E tem
de ser assim em economias capitalistas bem-sucedidas por causa da divisão do
conhecimento e do trabalho que há na sociedade.
Se todos nós possuíssemos informações simétricas sobre tudo, nenhum
empreendimento existiria. Não é possível
e nem desejável que todos os indivíduos possuam informação simétrica.
De
resto, o Nobel concedido a Tirole apenas comprova que a teoria dos jogos se
tornou uma linguagem dominante não apenas para questões de organização
industrial, mas também para a "economia do setor público", para as finanças
corporativas, e para várias outras áreas da economia. Era inevitável que o prêmio fosse para Tirole
e não para Israel Kirzner, cuja visão de concorrência como um processo dinâmico
de rivalidade ao longo do tempo é oposta à de Tirole.