quarta-feira, 17 set 2014
Para
os defensores do estado, "anarquia" é um conceito assustador. Eles alegam que todos nós precisamos da
intervenção estatal para nos proteger, caso contrário a barbárie reinará
suprema.
No
entanto, em um dos aspectos mais cruciais de nossas vidas, vivenciamos
diariamente um arranjo de completa anarquia: a área afetiva.
A
todo e qualquer momento há pessoas se conhecendo, há pessoas namorando, há
pessoas tendo casos de uma noite apenas, há pessoas que se apaixonam
perdidamente, e há pessoas que terminam relações. E tudo isso sem intervenção estatal.
Mais
ainda: ninguém, nem mesmo o mais inflexível defensor do estado, pensa em dizer
que políticos e burocratas devam regular essa área.
E
por que não? Afinal, trata-se de uma
área extremamente crucial para o bem-estar das pessoas.
Embora
o namoro raramente envolva a troca direta de dinheiro por serviços, podemos
dizer que ele é um mercado semelhante ao mercado de trabalho. Pessoas interessadas buscam relacionamentos
mutuamente benéficos com terceiros, os quais têm aquilo de que elas precisam e
querem aquilo que elas têm para oferecer.
Homens heterossexuais e solteiros, por exemplo, estão sempre em busca de
relacionamentos mutuamente agradáveis e divertidos com mulheres heterossexuais
disponíveis. Se duas pessoas querem ter
um relacionamento com uma mesma pessoa, elas irão brigar por ele; pense no
reality show The Bachelor. Isso é análogo a quando dois empregadores
querem contratar o mesmo empregado e acabam tendo de disputar entre si via
ofertas salariais mais atraentes.
O
mercado do namoro é praticamente uma anarquia pura. Nenhum burocrata do governo lhe dita ordens
ou especifica quem você deve namorar.
Mulheres heterossexuais e brancas não são legalmente obrigadas a namorar
apenas homens heterossexuais brancos. Ao
passo que a conduta sexual com menores de idade é proibida, qualquer indivíduo
com mais de 18 anos pode namorar qualquer outra pessoa com mais de 18
anos. Não há regulamentos estatais
impondo restrições.
E,
tão logo você comece a namorar alguém, nenhum burocrata estatal irá se
apresentar e ditar ordens especificando como o relacionamento deve prosseguir. Não há leis especificando quais tipos de
restaurantes são "apropriados" para um primeiro encontro; não há regulamentos onerosos
impondo quantas horas um encontro pode durar ou quantos drinques cada uma das
pessoas pode ingerir.
Ainda
mais importante: na ausência de regras governamentais, regras informais de
comportamento surgem voluntariamente.
Normas sociais, terceirizadas e moldadas pela sociedade como um todo,
emergem espontaneamente. Por exemplo, é
apropriado que um homem pague o jantar para a mulher. Ficar bêbado logo no primeiro encontro é
indelicado e nada recomendado. Namoros
paralelos — popularmente rotulados de traição — são imorais e normalmente são
a causa de rompimentos e términos.
Nenhum
burocrata do governo criou essas regras.
Nenhuma agência reguladora e nenhum Ministério do Namoro e da
Responsabilidade Afetiva especificou esses códigos de conduta. Ao contrário, eles se formaram
organicamente. A cultura, desde seriados
como Friends a músicas românticas,
moldou nossos costumes sociais. A
maneira como nossos amigos se comportam quando estão namorando nos influencia
em como devemos nos comportar. Se nossos
amigos dizem que é errado trair a garota que você está namorando, então você
provavelmente irá absorver esse conselho como uma das regras do namoro.
O
resultado é a anarquia: não uma ausência de regras, mas sim uma ausência de
burocratas ditando como devemos nos comportar e encarcerando aqueles que não
seguirem tais regras à risca.
Obviamente,
a religião desempenhou um forte papel em moldar nossos costumes em relação ao
namoro e ao romance; e considerando-se que os governos do passado fortificaram
as religiões e difundiram sua influência, é válido argumentar que os governos,
por meio da religião, moldaram os costumes afetivos da sociedade. Por exemplo, o Império Romano e sua adoção do
cristianismo nos séculos IV e V contribuiu enormemente para a difusão desta
religião; e o cristianismo obviamente moldou nossa postura em relação ao
casamento e, por conseguinte, em relação ao namoro. Essa certamente é uma crítica válida. Por outro lado, eu simplesmente argumentaria
que poucos governos atuais são teocracias — no Ocidente, nenhum —, de modo
que eles não mais têm a influência de moldar nossas "regras" afetivas.
Agora,
e se esse mercado do namoro fosse regulado como são os outros setores do
mercado? Com efeito, há um subconjunto
do mercado afetivo que já é fortemente regulado pelo estado: o mercado do
matrimônio. As regras impostas pelo
governo em relação ao casamento, longe de aperfeiçoarem o conceito,
simplesmente o tornaram caro e de caráter excludente. As regulamentações criaram incentivos
perversos: por exemplo, alto custo de um divórcio judicial faz com que casais
infelizes sejam obrigados a permanecer juntos.
Uma breve história do casamento
Ao
longo da história da humanidade, o casamento sempre foi um sacramento religioso
e, como tal, sempre foi governado por leis religiosas e sempre foi um assunto
exclusivamente religioso. A Igreja
reconhecia que, dado que o casamento era um sacramento, o estado não tinha
nenhum direito de regular o matrimônio, assim como também não tinha nenhum
direito de regular quem poderia ser batizado ou quem poderia ser ordenado
padre.
Com
efeito, na Idade Média, qualquer casal poderia se tornar sacramentalmente
casado sem ter de recorrer a nenhum membro do clero, e muito menos a algum
burocrata do estado. Na ausência de
algum membro do clero, o casal poderia simplesmente proferir suas juras na
presença de qualquer testemunha laica.
Feito isso, o casamento era perfeitamente válido de acordo com as
próprias leis da Igreja.
Ou
seja, naquela época, o casamento representava um laço privado, de cunho
religioso, feito por dois indivíduos.
Nenhum certificado estatal era necessário.
Com
o tempo, os governos foram se apossando deste mercado, e hoje o regulam
completamente. E há um motivo para isso:
os governos não resistiram à urgência de controlar um assunto que até então era
tradicionalmente religioso e totalmente fora de sua alçada; e não resistiram à
tentação de transformar uma instituição religiosa em uma instituição governamental.
Sendo
assim, todos os cristãos de hoje deveriam ter pavor da ideia de permitir que um
governo civil defina o que é e o que não é um "casamento". Sendo um católico devoto, torço muito para
que o governo comece a "casar" pessoas com cachorros, cachorros com morsas, um
homem com 9 mulheres, e uma mulher com 15 homens. Isso tudo irá mostrar o quão absolutamente
ridículo é deixar que o conceito de "casamento" seja determinado pelo governo.
Os
cristãos simplesmente erraram quando permitiram que autoridades civis passassem
a decidir o que era e o que não era casamento, e quem poderia e quem não poderia
se casar. Sendo assim, é chegada a hora
de os cristãos dizerem que todas as leis civis sobre casamento não têm valor
nenhum, e deixar claro que não se importam com o que o governo tem a dizer
sobre o casamento. Para um genuíno
cristão, pessoas divorciadas são tão legalmente "casadas" quanto gays. Se há indivíduos que querem criar sua própria
definição de casamento, então eles devem ser livres para fazer suas cerimônias
em suas próprias igrejas ou salas de estar, e o estado dever ficar de fora,
assim como não deve se intrometer em quaisquer atividades voluntárias que
envolvam adultos conscientes.
Há
não muito tempo, os casamentos inter-raciais eram proibidos, e o racismo era
algo imposto por lei estatal. Hoje,
vários governos ainda decretam que apenas homens e mulheres heterossexuais
podem se casar. Casamentos
não-monogâmicos são ilegais. Nos EUA, a
família Dangers, formada por três mulheres e um homem (casados entre si), sofre
a ameaça de ser encarcerada pelo crime de participarem de uma relação não
aprovada pelo governo.
O
que parece ainda não ter ficado claro é que essas regulamentações e
intervenções estatais não são capazes de fazer com que as uniões voluntárias
dos indivíduos sejam mais fortes ou mais "sagradas". Tudo o que elas conseguiram fazer foi impor
uma monstruosa burocracia sobre os casais que podem legalmente se unir, o que
acabou desestimulando o próprio ato do matrimônio.
O namoro e outros mercados
Então,
qual desses dois mercados é melhor: o anárquico mercado do namoro, ou o regulado,
restrito e burocrático mercado do matrimônio?
É
claro que há um grande potencial de abuso no mercado do namoro. Homens vulgares podem maltratar mulheres;
mulheres desonestas podem trair os homens; términos de namoro podem gerar
imensos desgastes emocionais; pessoas bebem, fazem bobagem e se arrependem etc. Nós, como sociedade, reconhecemos tudo isso,
mas não acreditamos que esses riscos necessitem da intervenção
governamental. Com efeito, os próprios
indivíduos voluntariamente tomam atitudes para reduzir esses estragos.
Uma
garota que namore um cara desleixado irá falar mal dele para todas as suas
amigas, o que essencialmente o deixará com uma crítica negativa e fará com que
nenhuma outra se interesse por ele. O
mesmo vale para meninos traídos por meninas. Pessoas que bebem muito e incorrem em
comportamentos constrangedores aprenderão com seus erros e irão evitar
comportamentos similares no futuro. O
mercado do namoro, como um todo, contém uma variedade de mecanismos complexos
por meio dos quais as pressões sociais são aplicadas de modo a discriminar
aqueles que quebram as regras sociais do namoro e a favorecer aqueles que
operam dentro das regras socialmente estabelecidas.
Portanto,
por que os estatistas, que já regularam o casamento, ainda permitem a anarquia
no mercado do namoro? Mais ainda: por
que permitem a anarquia neste mercado ao mesmo tempo em que clamam pela
intervenção estatal em todos os outros mercados?
Em
parte, eles acreditam que o namoro é algo íntimo e pessoal demais para que até
mesmo os sacrossantos burocratas do governo se envolvam. E estão absolutamente corretos. Um relacionamento afetivo entre duas pessoas
reflete aspectos únicos e particulares de uma vida, e isso não é da alçada do
governo.
Mas
esse argumento, por si só, não se sustenta, pois o namoro não é o único
elemento íntimo e pessoal da vida de um indivíduo. O trabalho dele também é, pois é no trabalho
que o indivíduo despende grande parte do seu tempo aprendendo o que é
necessário para se criar um produto ou serviço de valor. Várias pessoas gastam mais de 40 horas por
semana em seu trabalho — praticamente um quarto da vida. Uma carreira, assim como um relacionamento,
frequentemente reflete valores, ideias e paixões singulares. É absolutamente tão íntimo e pessoal quanto
sua vida afetiva.
O
mesmo, aliás, pode ser dito sobre o carro que um indivíduo escolhe. Ou sobre as substâncias ilícitas que algumas
pessoas decidam ingerir. Ou sobre a
decisão de usar algum tipo de medicamento não aprovado pelos burocratas do
governo. Se aceitamos que coisas
pessoais não devem ser reguladas pelo governo, então essa lição tem de ser
aplicada a todo o comportamento humano.
Em
parte, os estatistas também acreditam que regulamentações governamentais sobre
o mercado do namoro fariam mais mal do que bem.
E estão absolutamente corretos.
No entanto, se regulamentações contra términos de namoro são absurdas,
por que então leis contra a demissão — ou seja, leis contra o término de um
relacionamento financeiro voluntário entre duas pessoas — não são igualmente
absurdas?
Se
a existência de uma lei impondo que uma mulher só deve namorar um homem de
calibre aprovado pelo governo seria vista como absurda e insultuosa, então leis
ditando que você só pode trabalhar em troca de um valor salarial estipulado
pelo governo também deveriam ser insultantes.
Ambas solapam nosso livre-arbítrio e restringem nossas escolhas "para o
nosso próprio bem".
No
íntimo, todos nós sabemos que a criação de regras governamentais em relação ao
namoro seria algo absurdo e insensato. Sabemos
que agentes estatais não têm por que se intrometer em nossas vidas privadas e
afetivas. Sabemos também como suas
tentativas de regular o casamento só pioraram — e muito! — as coisas. Sabemos o quão débil é a alegação de que o
governo tem de criar regras e regulamentações porque, sem o governo, indivíduos
são incapazes de cuidar de si próprios.
Por
que não podemos expandir esse mesmo raciocínio para todos os outros mercados?
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Participaram
deste artigo:
Ryan
McMaken, editor do Mises Institute americano.
Julian
Adorney, historiador econômico, empreendedor, e escritor de ficção
científica. Ele é o responsável pelo
marketing da empresa Mayga Messaging.