segunda-feira, 14 jul 2014
Um
dos aspectos mais criticados em nossa ordem social é a desigualdade da
distribuição da riqueza e da renda. Há ricos e pobres; há os muito
ricos e os muito pobres. Para esses lamuriantes, a solução é simples:
a igual distribuição de toda riqueza.
A
primeira e mais trivial objeção a esta proposta é que ela não será de muita
serventia, pois os pobres superam, em muito, o número de ricos, de tal modo que
cada indivíduo nada poderia esperar dessa distribuição, a não ser um aumento
insignificante de seu padrão de vida. Este argumento, sem dúvida, é
correto, mas incompleto.
Os
que defendem a igualdade de distribuição de renda desconsideram um ponto
extremamente importante: o total disponível para a distribuição não é algo
estático; a riqueza total não é independente da maneira pela qual é dividida. Dizendo de outra maneira, a riqueza total de
uma sociedade será diretamente afetada caso ela sofra uma redistribuição
compulsória.
A
igualdade de renda como um postulado ético
O
desejo de que "todos os homens devem ter rendimentos iguais" é um postulado que
nada tem de científico; seu aspecto é meramente ético. E, como tal, só pode ser avaliado
subjetivamente. Tudo o que a ciência econômica pode fazer é mostrar o
quanto tal objetivo iria custar para a humanidade, e de quais outros objetivos
deveríamos abrir mão em nosso esforço para tentar alcançar este.
A
maioria das pessoas que exige a maior igualdade possível de rendas não percebe
que o objetivo que elas desejam só pode ser alcançado pelo sacrifício de outros
objetivos. Elas imaginam que a soma de todas as rendas permanecerá
inalterada e que tudo o que elas precisam fazer é apenas distribuir a renda de
maneira mais uniforme do que a distribuição feita pela ordem social baseada na
propriedade privada.
Os ricos abdicarão de toda a quantia auferida que
estiver acima da renda média da sociedade, e os pobres receberão tanto quanto
necessário para compensar a diferença e elevar sua renda até a média. Mas
a renda média, imaginam eles, permanecerá inalterada.
É
preciso entender claramente que tal ideia baseia-se em um grave erro. Não
importa qual seja a maneira que se conjeture a equalização da renda — tal
medida levará, sempre e necessariamente, a uma redução extremamente
considerável da riqueza total disponível e, consequentemente, da renda média de cada indivíduo.
Quando se compreende isto, a questão assume uma complexidade bem distinta:
temos agora de decidir se somos a favor de uma distribuição equânime de renda a
uma renda média mais baixa, ou se somos a favor da desigualdade de renda a uma
renda média mais alta.
A
decisão irá depender essencialmente, é claro, de quão alta será a redução
estimada na renda média causada pela alteração na distribuição social da
renda. Se concluirmos que a renda média será mais baixa do que aquela que
é hoje recebida pelos mais pobres, nossa atitude provavelmente será bem
distinta da atitude da maioria dos socialistas sentimentais. Se aceitarmos o que já foi demonstrado sobre o
quão baixa tende a ser a produtividade sob o socialismo, e especialmente a
alegação de que o
cálculo econômico sob o socialismo é impossível, então este argumento do
socialismo ético também desmorona.
É
incorreto dizer que alguns são pobres simplesmente porque outros são
ricos. Se uma sociedade capitalista fosse substituída por uma sociedade
baseada na igualdade de renda, todos os cidadãos se tornariam mais
pobres. Por mais paradoxal que isso possa soar, os pobres só recebem o
que recebem porque os ricos existem. Não fossem os ricos, os pobres
estariam em situação muito pior.
O
homem moderno sempre teve perante si a possibilidade de enriquecer por meio do
trabalho e do empreendedorismo. Nas sociedades econômicas mais rígidas do
passado, isto era mais difícil. As pessoas eram ricas ou pobres desde o
nascimento, e assim permaneciam por toda a sua vida, a menos que tivessem a
chance de mudar de posição em decorrência de algum fato inesperado, o qual não
poderia ser causado ou evitado pelo seu próprio trabalho ou iniciativa. Consequentemente, tínhamos os ricos caminhando nas alturas e os pobres, nas
profundezas. Mas não é assim em uma sociedade capitalista.
Os
ricos podem mais facilmente se tornar pobres e os pobres podem mais facilmente
enriquecer. E dado que cada indivíduo não mais nasce, por assim dizer,
com seu destino ou com o destino de sua família já selado, ele tenta ascender
ao mais alto que for capaz. Ele jamais poderá ser suficientemente rico,
pois em uma sociedade capitalista nenhuma riqueza é eterna. No passado, o
senhor feudal era intocável. Quando suas terras se tornavam menos
férteis, ele tinha de reduzir seu consumo; porém, desde que ele não se
endividasse, ele mantinha sua propriedade.
O
capitalista que empresta seu capital e o empreendedor que produz têm de ser
aprovados no teste do mercado. Aquele que investir insensatamente, ou
produzir a custos altos, estará arruinado. Isolar-se do mercado não mais
é uma possibilidade. Mesmo as fortunas fundiárias não podem escapar da
influência do mercado; a agricultura, também, tem de produzir
capitalisticamente. Hoje, um homem deve obter seu dinheiro em troca do
trabalho. Caso contrário, ele empobrece.
Aqueles
que desejam eliminar esta necessidade de trabalhar e de empreender precisam
entender bem claramente que o que eles estão propondo é o solapamento dos
pilares do nosso bem-estar. Que hoje a terra seja capaz de alimentar
muito mais seres humanos do que jamais conseguiu em toda a sua história, e que
eles hoje vivam em condições muito melhores que as de seus ancestrais, é um
fato que se deve inteiramente ao instinto aquisitivo do ser humano.
Se o
empenho da indústria moderna fosse substituído pelo estilo de vida contemplativo
do passado, incontáveis milhões de pessoas estariam condenadas à morte por
inanição.
Na
sociedade socialista, a arrogância e a preguiça dos funcionários do governo
assumirão o lugar da ávida e perspicaz atividade das indústrias modernas. O funcionário público irá substituir o empreendedor vigoroso e dinâmico. Se a civilização vai ganhar com isso é algo que deixaremos para os autonomeados
juízes do mundo e de suas instituições julgarem quando estiverem
famintos. Seria o burocrata realmente o tipo humano ideal, e deveríamos
nós almejar a preencher o mundo com este tipo de gente a qualquer custo?
Muitos socialistas
descrevem com grande entusiasmo as vantagens de uma sociedade formada por
funcionários públicos em detrimento de uma sociedade formada por indivíduos em
busca do lucro. Para eles, em uma sociedade deste último tipo (a
Sociedade Aquisitiva), cada indivíduo busca apenas a sua própria vantagem, ao
passo que na sociedade daqueles dedicados à sua profissão (a Sociedade
Funcional), cada indivíduo realiza suas tarefas visando ao bem de todos.
Esta avaliação mais elevada da burocracia é apenas mais uma nova forma de
desdém pelo trabalho diligente e meticuloso do empreendedor e do assalariado.
Se
rejeitarmos o argumento em prol do trabalho funcional e o argumento em prol da
igualdade de riqueza e renda, o qual se baseia na afirmação de que alguns
desfrutam sua fortuna e lazer à custa da crescente exploração do trabalho e da
pobreza alheios, então os únicos fundamentos que restam para estes postulados
éticos é o ressentimento e a inveja. Ninguém deve poder ficar ocioso se
eu tiver de trabalhar; ninguém deve ser rico enquanto eu for pobre.
E
assim se constata, reiteradas vezes, que o ressentimento e a inveja estão por
trás de todas as ideias socialistas.
A desigualdade de riquezas e de renda
O
nosso nível atual de riqueza não é um fenômeno natural ou tecnológico,
independente de todas as condições sociais; é, em sua totalidade, o resultado
de nossas instituições sociais.
Simplesmente pelo fato de a
desigualdade da riqueza ser possível em nossa ordem social, simplesmente pelo
fato de estimular a que todos produzam o máximo que possam, é que a humanidade
hoje conta com toda a riqueza anual de que dispõe para consumo.
Fosse
tal incentivo destruído, a produtividade seria de tal forma reduzida, que a
porção dada a cada indivíduo, por uma distribuição igual, seria bem menor
do que aquilo que hoje recebe mesmo o mais pobre.
A
desigualdade da distribuição da renda, contudo, tem ainda uma segunda função
tão importante quanto a primeira: torna possível o luxo dos ricos.
Muitas
bobagens se têm dito e escrito sobre o luxo. Contra o consumo dos
bens de luxo tem sido posta a objeção de que é injusto que alguns gozem da
enorme abundância, enquanto outros estão na penúria. Este argumento
parece ter algum mérito. Mas apenas aparenta tê-lo.
Pois,
se demonstrarmos que o consumo de bens de luxo executa uma função útil no sistema
de cooperação social, este argumento será, então, invalidado. É
isto, portanto, o que procuraremos demonstrar.
A
defesa do consumo de luxo não deve, naturalmente, ser feita com o argumento que
se ouve algumas vezes, a saber: que esse tipo de consumo distribui dinheiro
entre as pessoas. Se os ricos não se permitissem usufruir do luxo,
assim se diz, o pobre não teria renda. Isto é uma bobagem, pois, se
não houvesse o consumo de bens de luxo, o capital e o trabalho neles empregados
teriam sido aplicados à produção de outros bens: artigos de consumo de massa,
artigos necessários, e não "supérfluos".
Para
formar um conceito correto do significado social do consumo de luxo é
necessário, acima de tudo, compreender que o conceito de luxo é inteiramente
relativo.
Luxo consiste em um modo de vida de alguém que se coloca
em total contraste com o da grande massa de seus contemporâneos. O
conceito de luxo é, por conseguinte, essencialmente histórico.
Muitas
das coisas que nos parecem constituir necessidades hoje em dia foram, alguma
vez, consideradas coisas de luxo. Quando, na Idade Média, uma
senhora da aristocracia bizantina, casada com um doge veneziano, fazia uso de um
objeto de ouro que poderia ser chamado de precursor do garfo em vez de utilizar
seus próprios dedos para alimentar-se, os venezianos o considerariam um luxo
ímpio, e considerariam muito justo se essa senhora fosse acometida de uma
terrível doença. Isto devia ser, assim supunham, uma punição bem
merecida, vinda de Deus, por esta extravagância antinatural.
Em
meados do século XIX, considerava-se um luxo ter um banheiro dentro de casa,
mesmo na Inglaterra. Hoje, a casa de todo trabalhador inglês, do
melhor tipo, contém um. Ao final do século XIX, não havia
automóveis; no início do século XX, a posse de um desses veículos era sinal de
um modo de vida particularmente luxuoso. Hoje, até um operário
possui o seu.
Este é o curso da história econômica. O
luxo de hoje é a necessidade de amanhã. Cada avanço, primeiro, surge
como um luxo de poucos ricos, para, daí a pouco, tornar-se uma necessidade por
todos julgada indispensável. O consumo de luxo dá à indústria o
estímulo para descobrir e introduzir novas coisas. É um dos fatores
dinâmicos da nossa economia.
A ele devemos as progressivas inovações,
por meio das quais o padrão de vida de todos os estratos da população se tem
elevado gradativamente.
A
maioria de nós não tem qualquer simpatia pelo rico ocioso, que passa sua vida
gozando os prazeres, sem ter trabalho algum. Mas até este cumpre uma
função na vida do organismo social. Dá um exemplo de luxo que faz
despertar, na multidão, a consciência de novas necessidades, e dá à indústria
um incentivo para satisfazê-las.
Havia
um tempo em que somente os ricos podiam se dar ao luxo de visitar países
estrangeiros. Schiller nunca viu as montanhas suíças que tornou
célebres em William Tell, embora fizessem fronteira com sua
terra natal, situada na Suábia. Goethe
não conheceu Paris, nem Viena, nem Londres. Hoje, milhares de
pessoas viajam por toda parte e, em breve, milhões farão o mesmo.