Há
aquelas perguntas que são feitas com um genuíno espírito investigativo, com o
intuito de obter respostas e conhecimento.
Mas há também aquelas perguntas que são feitas com o claro propósito de
intimidar, de irritar ou de coagir o inquirido, com o intuito de fazê-lo
concordar com um determinado ponto de vista e, com isso, estabelecer a
imaculada virtude das pessoas que fazem a pergunta.
Recebi
recentemente uma pergunta desse tipo via email.
Quem me enviou foi o The Lancet, um dos mais importantes
jornais médicos do mundo. Dirigindo-se a
mim pelo meu primeiro nome (já o suficiente para me irritar), perguntou: "Você se importa com a saúde do nosso
planeta?"
Francamente,
a resposta é não. Ao contrário de
cachorros, planetas não são o tipo de coisa pela qual consigo sentir afeição ou
interesse. Minha conta bancária ocupa na
minha mente um espaço muito maior do que a saúde do planeta. Aliás, nem sequer estou certo de que planetas
podem ser saudáveis ou doentios, assim como não estou muito certo de que eles
podem ser sarcásticos ou discretos.
Rotular um planeta de saudável é incorrer naquilo que os filósofos
costumavam chamar de erro de categoria.
Isso,
obviamente, não significa que deseje o mal à terra. Pelo contrário. Se uma prova de múltipla escolha me for
oferecida, é bem provável que eu marque as respostas que desejem bem ao mundo,
e não seu mal. Eu responderia assim nem
que fosse motivado pelo simples desejo de ser aprovado.
Mas
há algo de hipócrita e de insincero nesse tipo de pergunta. Como é bem típico de nossa era — em que a
realidade virtual é mais importante para a maioria das pessoas do que a própria
realidade —, a simples expressão de sentimentos altaneiros e benevolentes é
hoje avaliada por muitos como sendo a própria expressão da virtude. A pessoa mais virtuosa é aquela que consegue expressar
a mais abrangente benevolência recorrendo ao mais alto nível de abstração. É isso que hoje em dia se passa por bondade e
preocupação.
Senti-me
impelido a responder ao editor do Lancet
(mas sei que ele não iria ler) dizendo que discordava de seu "planetismo"
discriminatório; que eu só passaria a me importar com a saúde do universo, ou
dos universos, se as especulações feitas pelos astrofísicos sobre a existência
de outros universos se comprovassem verdadeiras.
"Você
se importa com a saúde do nosso planeta?" é uma pergunta que, embora não esteja
na mesma classe de "Você já parou de bater na sua mulher?", está bem
próxima. Como acabei descobrindo — ao
ler mais atentamente o email —, a saúde do planeta na verdade se referia à
saúde das pessoas deste planeta, acrescida de um pouco de misticismo sobre
diversidade biológica (o novo paganismo).
"Nosso
objetivo é responder às ameaças que enfrentamos: ameaças à saúde humana e ao
bem-estar, ameaças à sustentabilidade de nossa civilização, e ameaças aos
sistemas naturais e humanos que nos sustentam".
Esse editor santarrão se autoconcedeu uma visão, embora a tenha
expressado na primeira pessoa do plural: "Nossa visão é a de um planeta que
fomente e sustente a diversidade da vida com a qual nós co-existimos e da qual
nós dependemos". Levantem as mãos,
portanto, todos aqueles pascácios que são a favor da máxima disseminação
possível das ameaças ao bem-estar da humanidade e da eliminação de todas as
formas de vida exceto a nossa.
Deve
ser horrível levar uma vida tendo pensamentos tão enfadonhos — e não apenas
ocasionalmente, mas sim corriqueiramente, se não constantemente — e se
sentindo obrigado a expressá-los.
Mas
estou divagando. Voltemos ao problema
das perguntas intimidadoras e coercivas, às quais se espera que
respondamos. Dentre estas perguntas, uma
das mais onipresentes é aquela que emprega o slogan da nossa era: "Você é
contra a igualdade de oportunidades?"
Como
todos já devem saber, quem se diz contra a noção de igualdade de oportunidades é
imediatamente classificado como sendo algum tipo de reacionário monstruoso e ultramontano,
um Metternich
ou um Nicolau I,
alguém que quer, por meio de repressões, preservar o status quo no formol.
Sempre
que profiro palestras, os membros mais jovens da plateia quase desmaiam de
horror quando digo que não apenas não acredito em igualdade de oportunidades,
como ainda considero tal ideia sinistra ao extremo, muito pior do que a mera
igualdade de resultados. Atualmente,
dizer a uma jovem plateia que igualdade de oportunidades é uma ideia
completamente maléfica e depravada é o equivalente a gritar "Deus não existe e
Maomé não foi seu profeta" a plenos pulmões em Meca.
O
problema é sempre o mesmo: os defensores de determinadas ideias simplesmente
não se dão ao trabalho intelectual de analisar as consequências práticas de sua
implantação. Se a ideia da igualdade de
oportunidades for realmente levada a sério, então seus proponentes terão de
alterar toda a estrutura humana do planeta.
Para
começar, as pessoas não nascem iguais.
Essa é a premissa mais básica de toda a humanidade. As pessoas são intrinsecamente distintas uma
das outras. Algumas pessoas são naturalmente mais inteligentes que outras.
Algumas têm mais destrezas do que outras. Algumas têm mais aptidões físicas do
que outras.
Adicionalmente,
mesmo que duas crianças nascessem com exatamente o mesmo grau de preparo e
inteligência (algo improvável), o próprio ambiente familiar em que cada uma
crescer será essencial na sua formação. Algumas crianças nascem em famílias
unidas e amorosas; outras nascem em famílias desestruturadas, com pais
alcoólatras, drogados ou divorciados. Há crianças que nascem inteligentes e
dotadas de várias aptidões naturais, e há crianças que nascem com baixo QI. Toda a diferença já começa no berço e,
lamento informar, não há nenhum tipo de engenharia social que possa corrigir
isso.
As
influências genética e familiar sobre o destino das pessoas teriam de ser
eliminadas à força, pois elas indubitavelmente afetam as oportunidades e fazem
com que elas sejam desiguais.
No
cruel mundo atual, pessoas feias não podem ser modelos; deformados não podem
ser astros de futebol; retardados mentais não podem ser astrofísicos; baixinhos
não podem ser boxeadores pesos-pesados.
Não creio ser necessário prolongar a lista; qualquer um é capaz de
pensar em milhares de exemplos.
É
claro que pode ser possível nivelar um pouco a disputa criando leis que
imponham a igualdade de resultado: por exemplo, insistindo que pessoas feias
sejam empregadas como modelo de acordo com a proporção de seu predomínio na
população. O novelista inglês L.P.
Hartley, autor de The Go-Between,
satirizou esta invejosa supressão da beleza (e, por consequência, todo e
qualquer igualitarismo que não fosse restrito à igualdade perante a lei) em uma
novela chamada Justiça Facial. Neste livro, Hartley contempla uma sociedade
em que todos aspiram a uma face "mediana", gerada por cirurgias plásticas que
são feitas tanto nos anormalmente feios quanto nos anormalmente belos. Somente desta maneira pode a suposta injustiça
da loteria genética ser corrigida.
Gracejos
à parte, o mais curioso sobre essa questão da desigualdade de oportunidades é que os arranjos políticos
necessários para reduzi-la ao máximo possível já existem na maioria dos países ocidentais. Há saúde gratuita, há educação gratuita, há
creches gratuitas, há escolas técnicas gratuitas, e há programas gratuitos de
curas de vícios. Ainda assim, todos
continuam infelizes ou descontentes.
Consequentemente, continuamos atribuindo nossa infelicidade à falta de igualdade
de oportunidades simplesmente por medo de olharmos para outras direções à
procura de explicações verdadeiras, inclusive para nós mesmos.
Políticos
adoram idealizar a ideia de igualdade de oportunidade exatamente porque se
trata de algo impossível de ser alcançado plenamente — exceto se forem
implantados arranjos que fariam a Coréia do Norte parecer um paraíso
libertário. E justamente por ser
impossível, a igualdade de oportunidades se torna uma permanente garantia de
emprego para esses políticos, à medida que eles seguem prometendo a quadratura
do círculo ou a criação do moto-perpétuo.
Tais promessas garantem a importância deles perante o eleitorado. E conseguir importância é provavelmente a
mais poderosa motivação de todo político.
"Você
é contra a igualdade de oportunidades?"
Eu sou. Sou plenamente a favor da
oportunidade, mas totalmente contra a igualdade. E não adianta tentar me oprimir com perguntas
politicamente corretas e maliciosamente formuladas.
E
você, já parou de bater na sua mulher?
Responda apenas sim ou não.