quinta-feira, 13 mar 2014
Os direitos naturais do homem e os limites
do governo
Em
seu livro A Lei,
Frédéric Bastiat apresenta a irrefutável máxima de que os direitos do indivíduo
antecedem a formação do estado. Os
direitos do indivíduo já existiam antes da criação de qualquer aparato estatal
e político. Logo, a ação coletiva do
estado não pode se chocar com — muito menos renegar — os direitos prévios do indivíduo.
De
acordo com Bastiat, o indivíduo pode delegar ao estado somente aqueles poderes
que ele próprio já possui. Sendo assim,
o indivíduo não tem o direito natural de obrigar outro indivíduo a fazer
caridade, por exemplo. Dado que eu não
posso coagir você a fazer uma caridade que eu queira, o governo também não pode
obrigar você a fazer uma caridade que ele queira. Por essa mesma lógica, o governo não pode
obrigar você a repassar parte do seu dinheiro para absolutamente ninguém —
empresários, grupos de interesse, funcionários públicos ou pessoas que recebem
assistencialismo — que você não queira.
No entanto, é exatamente isso que ele faz.
Digamos
que você desaprove que o governo dê dinheiro para uma causa que você
pessoalmente abomine. Você não iria
muito longe caso tentasse argumentar que, em decorrência disso, você tem o
direito de reduzir proporcionalmente a quantidade de impostos que você
paga. Se você insistisse nessa recusa de
repassar parte do seu dinheiro para o governo, ele simplesmente irá confiscar
seus ativos. E se você tentasse proteger
seus ativos e resistisse ao confisco, o governo simplesmente iria matá-lo.
No
entanto, dentro do contexto dos direitos naturais, o governo não tem
absolutamente nenhuma justificativa para forçá-lo a dar dinheiro para qualquer
pessoa ou grupo de pessoas que você não aprove ou que você não financiaria
voluntariamente.
A justiça verdadeira e o imperativo
categórico
Talvez
haja uma justificativa superior que dê ao estado o direito de violar nossos
direitos naturais e confiscar nossa propriedade coercivamente para o benefício
de terceiros. Para esta justificativa,
recorreremos a dois filósofos: Immanuel Kant e T. Patrick Burke.
Comecemos
com Kant. Ainda não há melhor expressão
da nossa concepção de justiça verdadeira do que aquela formulada por Kant em
sua explicação sobre o "imperativo categórico".
Um imperativo categórico nos diz o que devemos fazer incondicionalmente,
e se aplica a todas as pessoas, em todos os lugares, e a qualquer momento. Um imperativo categórico não deriva seu poder
de nenhuma autoridade; apenas da razão pura.
Kant
faz uma distinção entre esse imperativo categórico e um imperativo hipotético,
como, por exemplo, uma "necessidade" pela qual passa uma pessoa. Embora um determinado imperativo hipotético possa ser válido — por exemplo, "pobres viveriam melhor caso recebessem
auxílios governamentais" —, ele jamais pode ser objetivo. Ele fornece uma causa apenas para aqueles que
são afetados por essa política: no caso, os pobres. Só que fornecer auxílios governamentais para
os pobres não pode ser uma ação incondicional, que se aplica a todas as
pessoas, em todos os lugares, a todo o momento.
Em
seu livro introdutório sobre Kant, Roger Scruton explica que há cinco variações
do imperativo categórico. As duas
primeiras são as mais importantes para nossos propósitos aqui. A primeira variante é a Regra de Ouro, Mateus
7:12: "Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam;
pois esta é a Lei e os Profetas". Ela
se baseia puramente na razão.
A
segunda variante é aquela que diz que todos os homens devem ser tratados como
fins em si mesmos, e não como meios.
Seres racionais são um fim em si mesmos e jamais meramente meios para
algum outro fim ou um meio para se alcançar os fins desejados por alguns outros
homens. Por essa lei natural, mesmo se
todas as pessoas de uma determinada comunidade, exceto uma, decidirem que todos devem doar para a caridade, o
imperativo categórico negaria ser justo e correto que estas pessoas coagissem
aquele único indivíduo que optou por não doar.
Essa comunidade de indivíduos estaria tratando este único indivíduo como
um meio — um simples objeto — e não como um fim em si mesmo, ou seja, um ser
racional com dignidade humana.
O
professor T. Patrick Burke acrescenta um importante adendo à injusta natureza
da coerção estatal que visa à caridade.
Ele persuasivamente argumenta que o ato de se recusar a ajudar alguém em
necessidade não é injusto, pois a não-ajuda fará com que aquela pessoa necessitada
fique na mesma situação de antes. O ato
de recusar a ajuda não agrava a situação do necessitado. Se por acaso algum conceito superior de
justiça nos obrigasse a ajudar todas as pessoas que viessem a nós suplicando
por ajuda, passaríamos então a ser escravos de toda a humanidade, e isso seria
uma clara violação do imperativo categórico: passaríamos a ser vistos como
meios e não como fins.
A impossibilidade do cálculo econômico pelo
estado
Em
1920, Ludwig von Mises publicou uma devastadora crítica ao então emergente
movimento socialista. Em aproximadamente
50 páginas, O Cálculo Econômico sob o Socialismo explica que, sem a propriedade
privada dos meios de produção, o cálculo econômico é impossível. Mises explicou que, nesse arranjo, nenhum
governo é capaz de saber o que produzir, quanto produzir, e quais recursos
utilizar para produzir qualquer que seja o produto, pois somente aqueles que
são proprietários dos meios de produção podem utilizá-los racionalmente.
Resumidamente,
o argumento é o seguinte: a propriedade comunal dos meios de produção (por
exemplo, das fábricas) impede a existência de mercados para bens de capital
(por exemplo, máquinas). Se não há propriedade privada sobre os meios de
produção, não há um genuíno mercado entre eles. Se não há um mercado
entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos. Se não há
preços, é impossível fazer qualquer cálculo de preços. E sem esse cálculo
de preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica — o que
significa que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser
planejada.
Sem
preços, não há cálculo de lucros e prejuízos, e consequentemente não há como
direcionar o uso de bens de capital para atender às mais urgentes demandas dos
consumidores da maneira menos dispendiosa possível. Em contraste, a
propriedade privada sobre os meios de produção e a liberdade de trocas resultam
na formação de preços, os quais refletem as preferências dos consumidores e
permitem que o capital seja direcionado para as aplicações mais urgentes.
No
socialismo, o czar econômico não está gastando seu próprio dinheiro e não está
colocando seus próprios produtos à venda no mercado. Logo, como pode ele racionalmente decidir o
que fazer? A resposta de Mises é que ele não pode.
Dado
que o governo é formado por indivíduos que não estão gastando seu próprio
dinheiro ou colocando seus próprios produtos à venda no mercado, não há como
eles serem capazes de decidir racionalmente qual tipo de caridade deve ser
feita pelo estado. Logo, eles inevitavelmente
cederão e recorrerão àquilo que pode ser chamado de relações corruptas: ajudar
amigos, empresas favoritas e empresários bem relacionados, os quais irão
retribuir com fartas doações de campanha.
Esse comportamento foi muito bem descrito pela "teoria da escolha
pública", a qual explica que as ações de indivíduos dentro do governo são
guiadas pelas mesmos interesses e motivações que existem em todas as outras
áreas da vida, ridicularizando a ideia de que aqueles que estão no governo
possuem considerações éticas mais elevadas.
Conclusão
No
final, todo e qualquer arranjo assistencialista — bem como todo e qualquer
arranjo que se baseie na retirada de dinheiro de um grupo de pessoas e sua
subsequente redistribuição para outro grupo de pessoas — só pode ser imposto
de maneira coerciva. Não há qualquer
outra justificativa que não seja a força bruta.
Ninguém
possui um direito natural de exigir nossa propriedade e nosso trabalho. Não há nenhum imperativo categórico que exija
a ajuda a terceiros e não há nenhum imperativo categórico que nos intimide e nos
deixe constrangidos por recusarmos a "ajudar" terceiros, sejam eles miseráveis
ou poderosos empresários.
E
não há nenhum tipo de cálculo econômico racional que possa determinar quais
caridades e quais programas o estado deve praticar e em que grau.