A
política monetária que vem sendo implantada pelo Banco Central americano desde
o final de 2008 logrou a façanha de inverter completamente as possíveis relações
de causa e efeito. Antes de 2008, quando
o Fed expandia a base monetária, era possível prever que haveria um aumento nos
preços. E quanto ele contraía a base
monetária — ou, mais corretamente, quando ele reduzia o ritmo de crescimento
da base monetária —, era possível prever que haveria uma diminuição da
inflação de preços. E ambas as relações
de causa e efeito de fato ocorriam.
No
arranjo atual, no entanto, não mais é possível prever essa relação.
Comecemos
pelo fato de que o Federal Reserve começou a expandir acentuadamente a base
monetária no final de 2008. Desde aquela
data, que já está completando cinco anos, o Fed mais do que quadruplicou a base
monetária. Isso nunca havia acontecido
até então.

Gráfico 1:
evolução da base monetária
No
entanto, os preços praticamente não se mexeram desde 2008.
Não
há nenhuma dúvida de que, durante 5 anos, houve a mais acentuada expansão da
base monetária na história dos EUA, e, não obstante, os preços mal se
mexeram. Antes de 2008, sempre se
imaginou que, se o Federal Reserve quadruplicasse a base monetária em um
período de 5 anos, isso geraria uma hiperinflação. Mas não gerou. E por que não?
A
explicação é que os bancos, pelo menos até o momento, vêm se recusando a
emprestar todo este dinheiro criado pelo Fed.
Eles estão se recusando a emprestar um dinheiro que eles legalmente
podem emprestar. Considerando-se toda a
expansão da base monetária, e o fato de que o compulsório não foi alterado, os
bancos não emprestaram praticamente nada do dinheiro que o Fed lhes deu.
O
gráfico abaixo mostra a evolução da carteira de crédito do sistema bancário. Note que, após algumas oscilações, o nível
está praticamente igual ao de 2008.

Gráfico 2:
evolução dos empréstimos bancários
O
explosivo aumento da base monetária não se transformou em empréstimos bancários
porque a quase totalidade deste aumento transformou-se em "reservas em
excesso". "Reservas em excesso" são as reservas que os
bancos mantêm voluntariamente depositadas junto ao Fed, além do volume
determinado pelo compulsório. Os bancos não emprestaram todo o dinheiro
que o Fed lhes deu porque eles aumentaram suas "reservas em excesso" em mais de
US$2 trilhões. Os bancos, em vez de
emprestar, preferem manter este dinheiro voluntariamente depositado junto ao Fed,
que está pagando juros de 0,25% ao ano sobre este montante.

Gráfico 3:
evolução das reservas em excesso
Tal
postura não foi prevista por ninguém antes de 2008.
Como
os bancos não se mostraram propensos a emprestar este dinheiro durante os
últimos 5 anos, o processo de expansão da oferta monetária por meio do sistema
bancário de reservas fracionárias simplesmente não ocorreu. A base monetária explodiu, mas a concessão de
empréstimos pelo sistema bancário — que é o que realmente gera um aumento da
quantidade de dinheiro na economia — não aumentou.
Perspectivas
Para
mostrar como isso alterou radicalmente as relações de causa e efeito da
política monetária americana, vejamos o que aconteceria caso o Fed finalmente
parasse de criar dinheiro. Suponha que ele
decida estabilizar a base monetária, parando de comprar títulos da dívida do
governo americano. Ou seja, o Fed não
mais aumentaria a base monetária; ele não mais compraria nenhum título da
dívida pública que está em posse do sistema bancário. O que ocorreria? Vejamos.
O
governo federal americano está incorrendo em um déficit orçamentário de US$750
bilhões ao ano. Ele vende estes títulos
para o sistema bancário, que os revende para o Fed. Atualmente, metade dos títulos emitidos pelo
Tesouro americano durante o ano é comprado pelo Fed (o Fed compra estes títulos
dos bancos). Logo, é factível imaginar
que, caso o Fed parasse de comprar esses títulos, reduzindo totalmente a
liquidez deste mercado, a reação imediata seria um forte aumento nas taxas de juros de longo prazo. Com o Fed fora de cena, pelo menos metade das
compras de títulos deixaria de ser feita pelos bancos caso as taxas de juros se
mantivessem inalteradas.
Agora,
aprofundemos um pouco mais. Suponhamos
que o Fed resolva reverter todo aquele
aumento da base monetária. Ou seja, ele
começa a contrair a base monetária
(que é o que Bernanke sempre disse que faria).
Para contrair a base monetária, o Fed tem de vender títulos da dívida pública que estão em sua posse. Tal postura necessitará de uma enorme
quantidade de compradores para estes títulos.
Mas há um agravante: não apenas teria de haver compradores para estes
títulos que o Fed passou a vender, como também teria de haver compradores para aqueles
US$750 bilhões em títulos que o Tesouro também está vendendo para financiar seu
déficit. Ou seja, os investidores agora teriam
de ser persuadidos a emprestar volumosas quantias de dinheiro para o governo
federal, principalmente a longo prazo.
Eles teriam de ser convencidos de que isso é uma ótima ideia.
Há
apenas uma maneira de o governo federal americano persuadir os investidores a
comprar títulos sob estas condições: pagar taxas
de juros mais altas. Se isso ocorrer
— isto é, se os juros dos títulos públicos vendidos pelo Tesouro aumentarem
—, os bancos ficarão em boa situação.
De um lado, eles agora poderão pagar juros de 1% ao ano para seus
correntistas (atualmente, os juros não chegam a 0,25% ao ano); de outro, eles
poderão emprestar para o governo federal a juros de 6% ao ano, ou mais. Ou seja, os bancos terão um enorme
benefício. Eles passarão a ganhar um bom
dinheiro com esse spread, algo que não ocorre atualmente.
Ato
contínuo, os bancos começarão a reduzir suas "reservas em excesso" depositadas
junto ao Fed. Aqueles valores do gráfico
3 começarão a desabar. Os bancos
emprestarão esse dinheiro para o governo americano, que então irá gastá-lo,
fazendo com que o dinheiro entre no sistema bancário de reservas fracionárias e
seja multiplicado. Assim, ao contrário
de tudo o que ocorreu desde 2008, os bancos começariam a emprestar.
Nesse
ínterim, o Fed, com o intuito de reduzir a base monetária, poderia vender US$1
trilhão de títulos do Tesouro em sua posse, desta forma contraindo a base
monetária de US$3,6 para US$2,6 trilhões.
Isso representaria uma substancial deflação da base monetária, mas não
teria nenhum efeito anti-inflacionário; os preços poderiam facilmente chegar a
um valor anualizado de 100% em um curto espaço de tempo. Por quê?
Por causa de toda a inflação monetária que estaria ocorrendo. Os bancos, em busca de uma alta taxa de
retorno paga pelo governo americano — que é considerado um tomador de
empréstimo de baixíssimo risco —, retirariam dinheiro das reservas em excesso
e emprestariam para o governo federal. E
eu posso garantir que o governo americano gastará cada centavo que lhe
derem. Não haverá parcimônia.
Logo,
a quantidade de dinheiro na economia americana iria disparar. Finalmente, aquilo que muitos imaginaram que
aconteceria em 2009, de fato estaria acontecendo agora. Quanto mais dinheiro for retirado das
reservas em excesso para ser emprestado ao governo federal a taxas de juros
mais altas, maior será a quantidade de dinheiro que será multiplicada pelo
sistema bancário de reservas fracionárias.
Isso levaria a um aumento sem precedentes na inflação de preços nos EUA.
Portanto,
uma política monetária que normalmente seria rotulada de deflacionária iria, na
realidade, gerar uma incomparável inflação de preços nos EUA.
Conclusão
No
que tange à política monetária, os EUA estão vivendo em um mundo que está de
cabeça para baixo. Trata-se de um mundo
em que uma gigantesca expansão da base monetária levou a uma inflação de preços
quase nula, e que uma maciça contração na base monetária pode facilmente levar
a uma robusta inflação de preços, e talvez a uma hiperinflação.
É
por isso que é extremamente difícil prever qual será o resultado de qualquer
nova política monetária que venha a ser adotada pelo Fed. É por isso que o Fed não sabe o que
fazer. A questão principal é que as
pessoas agora têm de se acostumar com o fato de que as explicações tradicionais
não mais se aplicam à política monetária americana. Os EUA estão em uma espécie de dimensão
paralela. As trilionárias reservas em
excesso mantidas pelos bancos distorceram e corromperam o sistema monetário a
tal ponto que as relações de causa e efeito não mais são previsíveis.