quinta-feira, 29 ago 2013
As ciências naturais se baseiam, em última análise, em fatos constatados por
experiências em
laboratório. As
teorias físicas e biológicas são colocadas em confronto com esses fatos e são
rejeitadas quando conflitam com eles. A
perfeição dessas teorias tanto quanto o aperfeiçoamento da tecnologia e da
terapêutica dependem de pesquisas de laboratório cada vez maiores e melhores.
Essas experiências consomem tempo, esforços árduos de especialistas e gastos
materiais vultosos. A pesquisa não pode mais ser conduzida por cientistas sem
recursos, por mais talentosos que sejam. A pesquisa, hoje em dia, é feita em
enormes laboratórios financiados pelos governos, pelas universidades, por
fundações e por grandes empresas. O
trabalho nessas instituições tornou-se uma rotina profissional.
Os técnicos que lá trabalham registram fatos e experiências que serão usados
pelos pioneiros — os quais às vezes são os próprios experimentadores — na
elaboração de suas teorias.
No que concerne ao progresso das teorias científicas, a contribuição do pesquisador
comum é apenas auxiliar. Às vezes,
entretanto, suas descobertas têm aplicação prática imediata para a melhoria de
métodos utilizados na atividade econômica e na terapêutica.
Por ignorarem a diferença epistemológica radical entre as ciências naturais
e as ciências da ação humana, as pessoas pensam que para aprimorar o conhecimento econômico é necessário
organizar a pesquisa econômica segundo os já testados métodos dos institutos de
pesquisa médica, física e química. Grandes
somas são gastas no que é denominado de pesquisa econômica. Na realidade, esses institutos não fazem mais
do que estudar a história econômica do passado recente.
É certamente louvável que se estimule o estudo da história econômica. Entretanto, por mais instrutivo que seja o
resultado de tais estudos, não se deve confundi-los com o estudo da economia. Deles não se pode esperar que resultem fatos
ou dados no sentido com que esses termos são usados em relação a eventos
testados em
laboratório. Não
fornecem material para a construção a posteriori de
hipóteses e teoremas. Ao contrário,
esses estudos são desprovidos de qualquer significação se não forem interpretados
à luz de teorias elaboradas a priori sem
qualquer referência a eles. Nenhuma
controvérsia relativa às causas de um evento histórico pode ser esclarecida com
base no exame de fatos, sem que se recorra a específicas teorias praxeológicas.
A criação de institutos para a pesquisa do câncer pode eventualmente
contribuir para a descoberta de métodos destinados a combater e prevenir essa
doença maligna. Mas um instituto de
pesquisa sobre o ciclo econômico não pode oferecer qualquer ajuda a quem deseja
evitar a recorrência de depressões. Por
mais exatos e confiáveis que sejam, os dados apurados em relação às depressões
econômicas do passado são de pouca utilidade para o nosso conhecimento. Os especialistas não discordam quanto aos
dados; discordam quanto aos teoremas a que devem recorrer para interpretá-los.
Mais importante ainda é o fato de ser impossível coletar dados relativos a
um evento concreto sem considerar quais são as teorias adotadas pelo
historiador desde o início de seu trabalho. O historiador não relata todos os fatos, mas
apenas aqueles que considera relevantes, em função das suas teorias; omite os
dados que considera sem importância para a interpretação dos eventos. Se adotar teorias erradas, seu relato torna-se
praticamente inútil.
Nenhuma análise de um momento da história econômica, ainda que de um período
muito recente, por mais fiel que seja, pode substituir o raciocínio econômico. A economia, da mesma maneira que a lógica e a
matemática, é um exercício de raciocínio abstrato. A ciência econômica não pode ser experimental
e empírica. O economista não precisa de
instalações custosas para realizar os seus estudos. Precisa apenas da capacidade de pensar
lucidamente e de discernir, diante da infinidade de eventos que lhe são
apresentados, entre os essenciais e os meramente acidentais.
Não há nenhum conflito entre a história econômica e a ciência econômica. Cada ramo do conhecimento tem seu próprio
mérito e utilidade. Os economistas nunca
pretenderam subestimar a importância da história econômica. Os autênticos historiadores também nunca se
opuseram ao estudo da economia. O
antagonismo entre essas duas disciplinas foi deliberadamente provocado pelos
socialistas e pelos intervencionistas, que não puderam refutar as objeções,
levantadas pelos economistas, às suas doutrinas. A Escola Historicista e os Institucionalistas
tentaram desvirtuar a ciência econômica e substituí-la por estudos
"empíricos" com o evidente propósito de neutralizar os argumentos dos
economistas. A história econômica, para
eles, foi um meio de destruir o prestígio da ciência econômica e de difundir as
teses do intervencionismo.
A economia como profissão
Os primeiros economistas se dedicavam apenas ao estudo dos problemas de
economia. Sua preocupação, ao fazer conferências e escrever livros, era a de
transmitir aos seus concidadãos os resultados de suas reflexões. Tentavam,
assim, influenciar a opinião pública para que prevalecessem as políticas mais consistentes.
Nunca imaginaram que a economia pudesse ser concebida como uma profissão.
O desenvolvimento da profissão de economista é uma sequela do
intervencionismo. O economista
profissional é o especialista ao qual se precisa recorrer para que sejam elaboradas
as várias medidas de intervenção do governo na atividade econômica. É um especialista no campo da legislação
econômica, a qual, nos dias de hoje, tem invariavelmente o objetivo de
perturbar o funcionamento da economia de mercado.
Existem milhares e milhares desses especialistas profissionais empregados
nos órgãos do governo, nos diversos partidos políticos e grupos de pressão, nas
redações dos jornais e revistas. Outros
são contratados por empresas como consultores ou têm seu escritório independente.
Alguns gozam de reputação nacional ou
internacional; muitos acham-se entre as pessoas de maior prestígio de seu país.
Ocorre serem frequentemente convidados a
dirigir grandes bancos ou grandes empresas; são eleitos para o legislativo; são
designados ministros do governo. Como
grupo profissional, chegam a rivalizar com os advogados no comando político do
país. O papel destacado que representam
é uma das características mais marcantes dessa nossa época de intervencionismo.
Não há dúvida de que uma classe de homens tão influentes compreende
indivíduos extremamente talentosos, até mesmo pessoas das mais eminentes de
nosso tempo. Mas a filosofia que inspira
as suas atividades limita-lhes a visão. Em
virtude de suas relações com partidos políticos e grupos de pressão, que
procuram obter privilégios especiais para os seus membros, passam a ter uma
visão unilateral. Fecham os olhos às
consequências de longo prazo das políticas que defendem; só se importam com os
interesses imediatos do grupo a que estão servindo.
O objetivo final de seus esforços é a prosperidade de seu cliente à custa de
outras pessoas. Procuram convencer-se de
que o destino da humanidade coincide com os interesses de curto prazo de seu
grupo; tentam vender essa ideia para o público. Ao lutarem por um preço maior da prata, do
trigo ou do açúcar, por salários maiores para os membros do seu sindicato ou
por uma tarifa sobre produtos estrangeiros mais baratos, proclamam estar
lutando pelo bem supremo, por liberdade e por justiça, pelo florescimento de
sua nação e pela civilização.
O público encara a prática de lobby com
desconfiança e suspeição, e culpa os lobistas pelos aspectos funestos da
legislação intervencionista. Entretanto
o mal tem raízes mais profundas. A
filosofia dos vários grupos de pressão está entranhada nas assembléias
legislativas. Nos parlamentos de hoje
existem representantes dos pecuaristas, das cooperativas agrícolas, das minas
de prata, dos vários sindicatos, das indústrias que não podem suportar a concorrência
com produtos estrangeiros sem a adoção de tarifas protecionistas, e de muitos
outros grupos de pressão. Poucos são os
que colocam os interesses da população acima dos interesses do seu grupo.
O mesmo ocorre nos vários órgãos da administração pública. O ministro da agricultura se considera um
defensor dos interesses dos produtores agrícolas; seu principal objetivo
consiste em aumentar o máximo possível os preços dos produtos agrícolas. O ministro do trabalho se considera um
defensor dos sindicatos; sua primeira meta é fazer com que os sindicatos sejam
temidos e respeitados. Cada ministério
cuida de sua própria vida e seus interesses conflitam com os de outros
ministérios.
Muita gente atualmente deplora a falta de verdadeiros estadistas. Ora, onde predominam as ideias
intervencionistas, só aqueles que se identificam com os objetivos de um grupo
de interesse podem fazer uma carreira política. A mentalidade de um líder sindical ou de um
dirigente de associação rural não é a mesma que a de um estadista de visão. O
verdadeiro estadista procura invariavelmente estabelecer políticas de longo
prazo; aos grupos de pressão só interessam os resultados de curto prazo. A causa do lamentável fracasso do regime de
Weimar e da Terceira República francesa foi o fato de seus políticos não serem
mais do que representantes dos interesses de grupos de pressão.
A previsão econômica como profissão
Quando os empresários finalmente se dão conta de que a expansão econômica criada
pela expansão artificial do crédito acabará invariavelmente resultando numa
recessão, torna-se importante para eles saber quando ocorrerá essa mudança da
conjuntura. Procuram então o economista, na presunção de que ele poderá
responder a essa questão.
O economista sabe que o boom deverá
resultar numa depressão; mas não sabe e nem pode saber quando ocorrerá a crise.
Depende das circunstâncias específicas
de cada caso.
Inúmeros eventos políticos podem influenciar os acontecimentos. Não existem regras para predizer a duração do boom e
quando ocorrerá a consequente depressão. E mesmo que essas regras existissem, de nada
adiantariam aos empresários. O que um
determinado empresário precisa, a fim de evitar perdas, é saber que a crise é
iminente, enquanto os outros empresários ainda estão pensando que o boom irá
perdurar. Essa específica percepção lhe
permitirá ajustar convenientemente os seus negócios de maneira a passar
incólume pela crise. Se o fim do período
de boom pudesse
ser calculado segundo alguma fórmula, todos os empresários saberiam qual seria
esse momento. Seus esforços para se
ajustarem a essa informação provocariam imediatamente o surgimento de todos os
fenômenos da depressão. Seria tarde
demais para que qualquer deles pudesse deixar de ser penalizado.
Se fosse possível saber a situação futura do mercado, o futuro não seria
incerto. Não haveria nem lucro e nem
perda empresarial. O que as pessoas
esperam dos economistas está além da capacidade do ser humano.
A própria ideia de que o futuro seja passível de previsão, de que algumas
fórmulas possam substituir aquela percepção específica que é a essência da
atividade empresarial, e de que o conhecimento dessas fórmulas possa permitir
que qualquer pessoa assuma o comando da atividade econômica é, sem dúvida, uma
consequência do conjunto de falácias e equívocos que alimentam as atuais
políticas anticapitalistas. Não há, no
conjunto da obra habitualmente denominada de filosofia marxista, a menor
referência ao fato de que a principal razão de ser da ação humana é preparar-se
para um futuro incerto.
O fato de o termo especulador ser
atualmente utilizado com uma conotação pejorativa demonstra claramente que os
nossos contemporâneos nem sequer suspeitam do que consiste o problema
fundamental da ação humana.
Discernimento empresarial não é algo que possa ser comprado ou vendido. O empresário bem-sucedido que consegue auferir
lucros é precisamente aquele cujas ideias não são as adotadas pela maioria das
pessoas. Para obter lucros, não basta
fazer uma previsão correta; é preciso prever melhor do que os outros. O prêmio vai para os dissidentes que não se
deixaram enganar pelos erros comumente aceitos pela maioria. O que dá origem ao lucro do empresário é o
atendimento de futuras necessidades que os seus concorrentes não souberam
identificar.
Os empresários e os capitalistas só colocarão em risco o seu próprio
bem-estar material se estiverem plenamente convencidos da consistência de seus
planos. Jamais arriscariam o seu
patrimônio só porque um especialista assim os aconselhou. Os tolos que aplicam recursos nas bolsas de
valores ou de mercadorias, seguindo informações confidenciais, estão fadados a
perder o seu dinheiro, qualquer que seja a fonte de sua "informação".
Na realidade, qualquer empresário judicioso tem plena consciência da
incerteza do futuro. Tem consciência de
que o economista, no máximo, pode elaborar uma interpretação dos dados
estatísticos do passado, mas não uma informação segura sobre o que irá ocorrer
no futuro. Para o capitalista e para o
empresário, as opiniões dos economistas sobre o futuro valem apenas como
conjecturas discutíveis. São céticos e
não se deixam enganar facilmente.
Mas, como consideram importante e útil conhecer todas as informações de
relevância para os seus negócios, interessam-se por jornais e revistas
especializados em prognósticos econômicos. Com a preocupação de estar a par de todas as
informações disponíveis, as grandes empresas empregam equipes de economistas e
estatísticos.
As previsões econômicas não podem fazer desaparecer a incerteza do futuro e
nem destituir a atividade empresarial de seu caráter intrinsecamente
especulativo. Mesmo assim, podem prestar
alguns serviços, uma vez que reúnem e interpretam dados disponíveis sobre as
tendências econômicas e sobre a evolução econômica do passado recente.
A economia e o cidadão
A economia não pode ser relegada às salas de aula e aos departamentos de
estatística, e nem pode ser deixada a cargo de círculos esotéricos. A economia é a filosofia da vida humana e da
ação, e diz respeito a todos e a tudo. É
o âmago da civilização e da própria existência do homem.
Mencionar este fato não significa ceder à fraqueza tão comum que consiste em
supervalorizar a importância de seu próprio ramo do conhecimento. Não são os economistas que atribuem essa
importância à ciência econômica; são as pessoas em geral.
Todos os temas políticos da atualidade tratam de problemas comumente
denominados de econômicos. Todos os
argumentos usados hoje em dia nos debates sociais e políticos são de natureza
essencialmente praxeológica e econômica. Todas as mentes se preocupam com doutrinas
econômicas. Filósofos e teólogos parecem
estar mais interessados em problemas econômicos do que nos problemas que as
gerações passadas consideravam objeto da filosofia e da teologia. Os romances e as peças teatrais de hoje
tratam, todos, de temas humanos — inclusive as relações sexuais — sob o
ângulo de doutrinas econômicas. O mundo
todo, consciente ou inconscientemente, pensa em economia. Ao se filiar a um partido
político, ao colocar o seu voto, o cidadão implicitamente está manifestando-se
sobre teorias econômicas.
Nos séculos XVI e XVII, a religião era o tema central das controvérsias
políticas européias. Nos séculos XVIII e
XIX, na Europa como na América, a questão dominante era governo representativo versus absolutismo.
Hoje, é economia de mercado versus socialismo.
Esse é, certamente, um problema cuja solução depende inteiramente da análise
econômica. É inútil recorrer a slogans vazios ou ao misticismo do
materialismo dialético.
Ninguém tem como fugir à sua responsabilidade pessoal. Quem — seja quem for — não usar o melhor de
sua capacidade para examinar esses problemas estará voluntariamente submetendo
seus direitos inatos a uma autodesignada elite de super-homens. Em assuntos tão vitais, confiar cegamente nos
"entendidos" e aceitar passivamente mitos e preconceitos vulgares
equivale a renunciar à sua própria autodeterminação e submeter-se à dominação
de outras pessoas. Para o homem
consciente, nada é mais importante na atualidade do que a economia. Está em jogo o seu próprio destino e o de sua
descendência.
São muito poucos os que podem contribuir com alguma ideia que produza
consequências para o acervo do pensamento econômico. Mas todos os homens sensatos precisam
familiarizar-se com as lições da economia. Nos dias que correm, esse é um dever cívico
primordial.
Queiramos ou não, o fato é que a economia não pode continuar sendo um
esotérico ramo do conhecimento, acessível apenas a um grupo de estudiosos e de
especialistas. A economia lida com
problemas fundamentais da sociedade; concerne a todos e pertence a todos. É a preocupação mais importante e mais
característica de todos os cidadãos.
A economia e a liberdade
O papel proeminente que as ideias econômicas representam na administração
pública explica por que os governos, os partidos políticos e os grupos de
pressão procuram restringir a liberdade de pensamento econômico. Procuram propagar a "boa" doutrina e
silenciar as "más" doutrinas. Para
eles, a verdade não tem força suficiente para impor-se por si mesma. Para poder prevalecer, a verdade precisa ser
respaldada pela ação violenta da polícia ou de outros grupos armados. A verdade de uma doutrina depende de que seus
defensores sejam capazes de derrotar pela força os partidários das outras doutrinas.
F ica implícita a noção de que Deus ou alguma entidade mítica dirige o curso
das atividades humanas e confere a vitória aos que lutam pela boa causa. O poder vem de Deus e sua missão sagrada é
exterminar os heréticos.
Não vale a pena repisar as contradições e inconsistências dessa doutrina de
intolerância e perseguição de dissidentes. Jamais em tempo algum o mundo conheceu um
sistema de propaganda e de opressão tão bem arquitetado como o que é adotado
pelos governos contemporâneos, pelos partidos políticos e pelos grupos de
pressão. Apesar disso, todos esses
edifícios desmoronarão como castelos de cartas, tão logo uma grande ideologia
os enfrente.
Não só nos países governados por bárbaros ou por déspotas, mas também nas
assim chamadas democracias ocidentais, o estudo de economia está praticamente
proscrito. A discussão pública sobre os
problemas econômicos ignora quase que inteiramente tudo o que os economistas
disseram nos últimos duzentos anos. Preços,
salários, juros, lucros são manipulados como se sua determinação não estivesse
sujeita a qualquer lei. Os governos
decretam e tentam impor valores máximos para as mercadorias e mínimos para os
salários. As autoridades exortam os
empresários a reduzir os lucros, a diminuir os preços e a aumentar os salários,
como se esses assuntos dependessem apenas da boa vontade dos indivíduos.
Nas relações econômicas internacionais, as pessoas recorrem
irresponsavelmente a um mercantilismo primário. São poucos os que têm consciência dos erros de
todas essas doutrinas em voga, e que compreendem por que tais políticas
invariavelmente provocam desastres.
Esta é a triste realidade. Mas só há uma maneira de modificá-la: prosseguir,
sem descanso, na busca da verdade.