quarta-feira, 4 0aio 2022
Moedas
utilizadas como reservas internacionais foram importantes no período
compreendido entre a Conferência de Gênova, em 1922, e a abolição unilateral
do padrão ouro-câmbio feita por Nixon em agosto de 1971.
Aqueles
países que queriam auferir algumas receitas adicionais podiam fazer com que
seus bancos centrais comprassem ativos que rendessem juros. Esta opção era oficialmente melhor do que
apenas estocar ouro. Sendo assim, os
bancos centrais compravam os títulos emitidos pelo governo dos EUA.
E, de 1925 a 1931, eles compravam os títulos
emitidos pelo governo britânico. Estes
títulos geravam renda para seus investidores. O ouro não gerava renda.
O
preço do ouro não se alterou durante este período — 1925 a 1931 — porque os
EUA adotaram como política oficial converter seus estoques de ouro em dólar a
um valor de US$20 a onça de ouro. Ou
seja, qualquer governo estrangeiro que apresentasse uma nota de US$20 ao
governo americano tinha o direito de ganhar em troca uma onça de ouro. Como tal política só valia para o câmbio
entre governos estrangeiros, e não para os cidadãos americanos, o regime passou
a ser chamado de padrão ouro-câmbio.
Portanto,
os EUA tinham uma moeda lastreada em ouro. A
consequência desse arranjo era que o governo americano não podia inflacionar
sua moeda de forma mais intensa, pois, quanto mais dólares ele jogasse no
mundo, mais ouro seria demandado de seus cofres. Quanto mais os EUA inflacionassem, maior
seria a fuga de ouro para os outros países.
Com
o advento da Segunda Guerra Mundial, este regime foi suspenso. Mas voltaria novamente após a guerra, agora a
um valor de US$35 por onça. Criado na
conferência de Bretton Woods de 1944, ele passou a existir oficialmente em
1946. De 1946 até a semana anterior a 15
de agosto de 1971, qualquer país ou banco central poderia converter US$35 em
uma onça de ouro sob demanda.
Já
no final da década de 1950, alguns países começaram de fato a fazer isso. Os estoques de ouro dos EUA haviam chegado a
um máximo em 1958. E então, a partir
daí, o ouro começou a ser demandado pelos outros países, e começou a fluir para
fora dos EUA.
O
status de 'moeda de reserva internacional' do dólar americano após a Segunda
Guerra Mundial era baseado no poder da economia dos EUA, mas era também baseado
no fato de que o governo americano havia prometido restituir sua moeda em ouro
a um valor de US$35 a onça. O ouro era a
âncora do dólar, que era a moeda de reserva mundial. Os Bancos Centrais estrangeiros, em vez de
pedir a restituição de dólares em ouro, podiam também utilizar estes dólares
para comprar títulos do Tesouro americano e, com isso, auferir receitas.
Qualquer
governo estrangeiro podia pedir para o seu Banco Central emitir dinheiro livremente (sua moeda nacional) e então utilizar este dinheiro para comprar dólares, os
quais eram imediatamente utilizados para comprar títulos do Tesouro americano. No entanto, por causa do acordo de Bretton
Woods, havia limites na capacidade de um país fazer isso. Estes limites tinham a ver com a taxa de
câmbio entre a moeda do país e o dólar americano. A taxa de câmbio estava relativamente
fixada. As moedas de cada país tinham um
valor atrelado dólar (e este valor tinha de ser mantido pelo governo deste
país), e o dólar tinha um valor fixo em ouro.
Desta
forma, uma inflação monetária em massa não podia ser feita pelos países membros
do Fundo Monetário Internacional (o qual também havia sido criado na
conferência de Bretton Woods). Afinal,
quem inflacionasse, teria dificuldades de sustentar o valor de sua moeda em
relação ao dólar.
Isto manteve a taxa de
inflação de preços, bem como a de inflação monetária, relativamente estável de
1946 a 1971. Era contra as regras do FMI
um país tentar desvalorizar sua moeda com o intuito de estimular suas
indústrias exportadoras.
No
entanto, um país estava livre para inflacionar: os EUA. E ele fez isso livremente.
Os dólares que os EUA criavam iam parar nas
reservas dos outros países, os quais podiam então inflacionar suas moedas em
cima destes dólares.
Na década de 1960,
alguns países — e a França, com mais intensidade — passaram a demandar a
restituição destes dólares em
ouro. Isso gerou uma
enorme pressão sobre o governo americano, que havia criado muito mais dólares
do que a quantidade de ouro em suas reservas. Para evitar a perda total de seu estoque de ouro, o governo americano
simplesmente tomou a decisão unilateral de abolir este regime de conversão em
agosto 1971. Naquela data, todo o
sistema de Bretton Woods foi para o lixo. E nunca mais voltou.
A
partir daí, qualquer país estava livre para inflacionar o tanto que quisesse,
sem restrições. E este é o sistema
vigente até hoje. Qualquer país está
livre para inflacionar sua moeda para reduzir seu valor perante o dólar e, com
isso, ajudar as receitas de determinados setores ligados à exportação. Não há
limites internacionais para isso.
Do
início da Primeira Guerra Mundial até 1971, o dólar americano era uma das
principais moedas do mundo. Após a
Inglaterra sair do padrão-ouro em 1931, o dólar aumentou sua estatura
internacional. No pós-guerra, por ser a
única conversível em ouro e por dar acesso aos títulos do Tesouro americano (e
aos seus juros), o dólar se tornou a moeda mais desejada
internacionalmente. O dólar era confiável. Os títulos do Tesouro americano eram
confiáveis.
Isso passou a representar
uma enorme vantagem para o Federal Reserve (o Banco Central americano), pois,
como dito, ele agora podia inflacionar livremente, e os governos estrangeiros
teriam de inflacionar em conjunto com a inflação do dólar para manter o câmbio
relativamente inalterado.
À
medida que o Fed expandia a base monetária americana, todos os outros bancos
centrais também tinham de expandir suas moedas para manter a paridade com o
dólar. Era o sonho keynesiano tornado
real.
Vai durar? Vai
A
tradição do dólar como moeda de reserva internacional vem sendo mantida até
hoje. Porém, houve uma alteração na
lógica econômica por trás desta hegemonia: em vez de se basear no ouro, ela
agora é fortemente mercantilista.
O
dólar é a moeda de reserva internacional por dois motivos. Primeiro, os países membros da OPEP aceitam
dólares em troca de petróleo. E a
precificação da OPEP em dólares é a principal unidade de conta para todos os mercados de
petróleo. Isso representa um tremendo
subsídio para o Tesouro dos Estados Unidos. É também um subsídio para o Fed.
Tal arranjo permite que o Fed tenha muito mais liberdade para expandir a
base monetária, pois, como todos os países estrangeiros têm de comprar dólares
para comprar petróleo, a demanda por dólares é garantida, e isso faz com que a
expansão monetária do Fed não gere grandes repercussões sobre o valor
internacional do dólar.
O
segundo motivo é o mercantilismo. Os
governos estrangeiros querem inflacionar continuamente, pois não querem que
seus setores exportadores (um lobby poderoso em praticamente todos os países
do mundo) percam mercado em decorrência de uma moeda doméstica apreciada. Se são necessários mais dólares para se
adquirir uma moeda em processo de valorização, isso faz com que as receitas destes setores exportadores sejam menores. Políticos são mercantilistas. Eles
querem subsidiar o setor exportador de suas economias.
Como consequência, sempre que o dólar tende a se desvalorizar mais acentudamente, governos estrangeiros
criam moeda doméstica, compram dólares e em seguida compram títulos do Tesouro
americano (os quais formam as reservas internacionais destes países). Isso mantém o câmbio desvalorizado. [Isso foi exatamente o que ocorreu no Brasil na segunda metade da década de 2000].
O
status de moeda de reserva internacional do dólar está ligado à capacidade do
governo dos EUA de controlar os grandes países exportadores de petróleo do
Oriente Médio. A indústria bélica
americana vende aviões e armas para estes regimes feudais exportadores de
petróleo. Isso significa que esses
regimes são dependentes do governo americano. Eles têm de comprar peças de reposição para suas armas. Eles têm de pagar por cursos de treinamento e
outras tecnologias, os quais são fornecidos pelos EUA. E eles têm obviamente de pagar em
dólares.
Logo,
como estes países têm de pagar em dólares para os americanos, o dólar é a moeda
na qual eles vendem seu petróleo. Como
consequência deste arranjo — o fato de o dólar ser a principal moeda do
mercado de petróleo —, há uma demanda contínua por dólares em todo o mundo,
pois é com o dólar que se compra petróleo. Tamanha demanda faz com que a depreciação internacional do dólar seja
bastante contida.
Se
a OPEP algum dia abandonar o dólar e adotar o euro como unidade de conta, o
dólar irá se desvalorizar em relação ao euro. Mas o euro certamente não é mais estável do que o dólar. E, como os países da OPEP entendem a natureza
do poder, eles mantêm o dólar como sua unidade de conta.
O
status do dólar como moeda internacional de reserva praticamente nada tem a ver
com as políticas monetárias do Banco Central americano. O Fed pode, de certa forma, fazer o que bem
quiser, pois, enquanto o governo americano — por meio de sua indústria bélica
— mantiver o domínio da exportação de armas de alta tecnologia e de suas peças
de reposição, ele não tem de se preocupar com o status de reserva internacional
do dólar. Países do Oriente Médio
compram armas em dólares; por isso, eles vendem petróleo em dólares. Consequentemente, todos os
países do mundo têm de comprar dólares para comprar petróleo. Isso é uma enorme fonte de demanda para o
dólar.
As
pessoas falam das políticas monetárias do Fed como se elas tivessem grande
importância sobre o valor internacional do dólar. Têm um pouco, mas não muito. O dólar americano continuará sendo a moeda de
reserva do mundo, não obstante o fato de o Tesouro americano estar pagando juro
quase zero em seus títulos de curto prazo. Tais títulos são adquiridos pelos outros países não porque eles querem
auferir receitas, mas sim porque as políticas do mercantilismo estão plenamente
atuantes em todo o mundo. Nenhum
político quer ver sua moeda se apreciando continuamente enquanto ele estiver no
cargo. O setor exportador e a
indústria nacional acabariam com sua carreira.
No final, a OPEP decide. Se seus países continuarem
utilizando o dólar, então ele continuará sendo a moeda de reserva
internacional.
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O artigo acima foi publicado em agosto de 2013. De lá pra cá, absolutamente nada mudou. Ao contrário, aliás: o Fed tornou-se ainda mais expansionista, e o dólar segue inabalado em seu status de moeda internacional de troca.