segunda-feira, 1 jul 2013
Este artigo é uma continuação de Falácias keynesianas -
parte I
Continuando
com as falácias do senhor Keynes e seus seguidores, vamos neste mês mostrar
mais duas, talvez as mais conhecidas e também as mais perigosas, porque a
crença nelas e sua consequente aplicação na política econômica vêm causando
enormes problemas em praticamente todo o mundo há muitas décadas. Refiro-me às
falácias do "efeito multiplicador" e da "armadilha da liquidez".
3.
A falácia do "efeito multiplicador"
Quem,
dentre quem fez algum curso de economia, não ouviu falar do "efeito
multiplicador", segundo o qual, quanto maior for a disposição para consumir (que
equivale a uma menor disposição para poupar) em uma economia, os aumentos de
gastos provocarão efeitos mais do que proporcionais no nível de "renda
agregada"? Quando Keynes apresentou esse verdadeiro "milagre" em sua Teoria Geral, ele logo alcançou grande
popularidade entre economistas e políticos, os primeiros porque acharam que a
pólvora tinha sido afinal descoberta e que nunca mais existiriam nem recessões
e nem ciclos econômicos e os segundos porque afinal um gênio da economia
encontrara a fórmula "científica" para respaldar suas intenções permanentes de
gastar o dinheiro subtraído dos pagadores de tributos.
No
entanto, o "efeito multiplicador" é uma enorme falácia, porque se baseia no
argumento de uma "função consumo agregada ou coletiva" estável. Podemos
apresentá-lo e criticá-lo como o fez soberbamente Rothbard em seu livro Man, Economy and State: a Treatise on
Economic Principles:
Renda
agregada = Consumo + Investimento
O
consumo é considerado pelo keynesianismo como sendo uma função estável e
conhecida da renda, mediante correlações estatísticas e outros métodos
econométricos. Suponhamos que, para simplificar, o Consumo seja sempre de 75%
(ou, 0,75) da Renda. Assim, podemos escrever:
Renda
= 0,75 (Renda) + Investimento; ou
0,25
(Renda) = Investimento
E,
portanto,
Renda
= 4 (Investimento)
Nesse
exemplo, o "multiplicador" é igual a 4. Se, entretanto, a disposição a consumir
fosse maior — por exemplo, se fosse de 0,80% da renda, o "multiplicador" seria
maior, pois seria igual a 5. Quanto maior a vontade gastar da cigarra, maior o
nível de renda da coletividade! Para Keynes, as formigas, poupadoras, eram
mesmo umas chatas e prejudicavam a economia...
Ora,
se o "multiplicador" é 4, tudo o que o governo precisa fazer para aumentar a
renda agregada em um montante desejado é simplesmente aumentar seus gastos em ¼
desse montante.
Rothbard
utiliza uma paródia, obedecendo rigorosamente ao raciocínio keynesiano, para
desmascarar a falácia, por reductio ad absurdum, que passo a
reproduzir com pequenas alterações:
Sejam:
renda agregada = Y; Renda de Jorge = J; e Renda de todos os demais habitantes do
país = X, sendo Jorge um habitante desse país.
X
é, então, uma função estável de Y, o que pode ser visto se plotarmos ambos em
coordenadas e verificarmos que para cada Y haverá um X correspondente. Como
Rothbard escreveu, esta é uma função tremendamente estável, bem mais estável do
que a função consumo convencional, que não exclui o consumo de Jorge. Se,
agora, plotarmos a renda de Jorge, J, contra Y, encontraremos, ao invés de uma
correlação perfeita, apenas conexões remotas entre a renda flutuante desse indivíduo
e a renda agregada. Portanto, a renda de Jorge é um elemento ativo e volátil de
incerteza nessa economia, enquanto o consumo de todos os demais indivíduos é
passivo, estável, determinado pela renda da coletividade.
Suponhamos
que a equação relevante seja:
X = 0,99999
Y
Temos, então,
Y = 0,99999
Y + J
E,
logo,
0,0001 Y = J
Ou
seja,
Y = 100.000 J
Este
número fantástico é o "multiplicador" de Jorge, muito mais potente do que o
multiplicador de investimentos original. Se você for o ministro da
Fazenda da Dilma e quiser aumentar a renda agregada e curar a depressão e o
desemprego, é necessário e suficiente mandar o Banco Central imprimir certo
montante de reais e dá-los a Jorge. Os gastos desse felizardo vão bombear em
100.000 vezes a renda do país! Miracolo di San Gennaro!
Muitas
vezes em sala de aula utilizei esse exemplo para mostrar a falácia do "efeito
multiplicador", chamando um aluno pelo nome, dizendo que eu era o governo e que
ia dar para ele um grande valor em dinheiro e que quanto mais gastador ele
fosse melhor seria para a turma inteira.
E
pensar que essa enorme bobagem do "efeito multiplicador" alcançou grande
popularidade desde os anos 30 e até hoje, 80 anos depois e com tantos exemplos
de recessões, depressões e estagnações no mundo real, ainda é ensinada nas
universidades e está nos programas de concursos públicos.
Existe
outra maneira de reduzir ao absurdo a falácia do multiplicador. Como sabemos,
sua fórmula é 1/1-b, em que b é a "propensão marginal a consumir" e 1-b,
portanto, a proporção marginal a poupar. Se supusermos uma situação em que os
indivíduos, de tão endividados, gastam mais do que sua renda, recorrendo para
isso a empréstimos, então b será um número maior do que 1 (b>1) e, portanto,
1-b será um número negativo (1-b<0). A propensão marginal a gastar é,
neste caso, positiva e maior do que 1, o que significa que a propensão a poupar
é negativa.
Logo,
o multiplicador, 1/1-b, é o inverso de um número negativo, ou seja, é também
negativo. Por exemplo, se b = 1,2, então 1-b = -0,2 e 1/1-b = -5. Isso
significa que uma expansão dos gastos públicos de, suponhamos, 100.000 reais
vai diminuir a renda agregada em 500.000 reais. Esta parte da história,
reduzida ao absurdo, não consta nos manuais de macroeconomia, mas, tal como no
exemplo anterior de Jorge, obedece estritamente à fórmula do "multiplicador
keynesiano". E mais: neste exemplo a tendência a poupar é negativa, o que
satisfaz plenamente o chamado paradoxo da poupança de Keynes, mas, mesmo assim,
o multiplicador é negativo...
Por
fim, o desmonte da falácia pode ser completado com uma pergunta bem simples: se
o governo aumenta seus gastos em ?G, isso significa necessariamente que ou ele
emitiu ?M de dinheiro, ou se endividou em ?D ou — o que é mais comum —
que furtou ?T em
tributos. Ora, por que cargas d´água esse aumento de gastos
públicos ?G seria mais benéfico para a economia do que se o governo, ao invés
de tributar, deixasse o montante equivalente (?T) ser gasto pelo setor privado,
que foi quem suou para gerar esses recursos?
O
"multiplicador" serve para justificar aumentos de gastos públicos e servir como
referência para políticas de estímulos à demanda. Mas, além das impropriedades
apontadas, das quais a principal é a agregação, os economistas
intervencionistas ignoram sempre que a demanda é rápida como uma lebre, a
oferta lenta como uma tartaruga e, sobretudo, que o mundo real está muito longe
de ser uma fábula de Esopo.
4.
A falácia da "armadilha da liquidez"
"A
taxa de juros é o que é pela expectativa de que ela seja diferente. Se não há
expectativa de que ela seja diferente, não há nada que nos diga por que ela é o
que é". Está é a famosa sátira de Sir Dennis Robertson
(1890-1963) à celebrada "armadilha da liquidez" formulada por Keynes. Com
efeito, a "armadilha da liquidez" é uma situação imaginária em que os agentes
econômicos, na presença de uma taxa de juros muito baixa, guardariam moeda na
expectativa de que os juros viessem a subir. Se tal expectativa não existir,
nada nos explica porque a taxa de juros é assim tão baixa. Ou seja, Keynes
carece de uma teoria sobre a taxa de juros que possa ser chamada efetivamente
de teoria. Grande Sir Dennis Robertson!
Curiosamente,
ele trabalhou diretamente com Keynes durante os anos 20 e 30, tempo em que o
segundo estava desenvolvendo algumas das ideias que mais tarde incorporaria naTeoria
Geral, chegando a elogiar Robertson nestes termos: "it was good to
work with someone who had a "completely first class mind". Mas, a
partir dos anos 40, Robertson afastou-se de Keynes, por diferenças de
temperamento e de valores morais (Robertson era filho de um clérigo da Igreja
Anglicana) e visões de teoria econômica, especialmente a partir do debate de
1937 a respeito das relações entre poupança e investimento apresentadas na Teoria
Geral.
Como
frisa Rothbard (A Grande depressão Americana,São Paulo,IMB, 2012, p. 79 et
passim), os keynesianos sustentam que a "preferência pela
liquidez" ou demanda de moeda pode ser tão elevada que a taxa de juros não
teria como baixar para níveis suficientes para estimular os investimentos
privados que possam tirar a economia da depressão. É claro que isto pressupõe
que a taxa de juros é determinada pela demanda por saldos monetários e não
pelas preferências temporais, como sustentam os austríacos. Ao
mesmo tempo, supõe que a ligação entre poupança e investimento seja muito
fraca, sendo exercida apenas provisoriamente pela taxa de juros.
Na
verdade, a questão não é se a poupança e o investimento recebem ou não
isoladamente os efeitos da taxa de juros, porque poupança, investimento e taxa
de juros são, individual e conjuntamente, determinados simultaneamente pelas
preferências intertemporais individuais no processo de mercado. E a preferência
pela liquidez ou demanda de moeda não tem nada a ver com isso.
Ainda
seguindo Rothbard, os keynesianos sustentam que se a demanda
"especulativa" por moeda subir durante uma depressão (ou seja, se os indivíduos
resolverem guardar mais dinheiro) então a taxa de juros subirá. Mas, para os
austríacos, uma coisa não decorre da outra de jeito nenhum, porque o aumento no
entesouramento pode ser resultado de fundos anteriormente consumidos, de fundos
investidos anteriormente ou de um mix de ambos que mantenha
inalterada a proporção entre consumo e investimento e, sendo assim, a menos que
as preferências temporais se alterem, a última alternativa prevalecerá.
A
taxa de juros para os austríacos depende exclusivamente da
preferência temporal e nunca de uma "preferência pela liquidez"! Se o maior
entesouramento for proveniente do consumo, um crescimento na demanda de moeda
baixará as taxas de juros, porque nesse caso as preferências temporais caíram,
ou seja, está-se a valorizar menos o consumo presente do que a poupança.
Os
adeptos de Keynes sustentam que, em uma crise financeira, os indivíduos esperam
aumentos nas taxas de juros e, assim sendo, vão entesourar dinheiro e não
comprar títulos e, portanto, vão contribuir para que as taxas de juros se
mantenham baixas. Essa "demanda especulativa de moeda" é que se constitui na "armadilha
da liquidez", que supostamente indicaria a relação entre a demanda de moeda e a
taxa de juros. Mas este tratamento da taxa de juros é muito superficial, porque
a considera apenas como sendo o preço dos empréstimos, quando a taxa de juros
que importa, a crucial, é a taxa natural, ou seja, a margem de
lucro no mercado, que é determinada pelas preferências temporais. E, como
empréstimos são apenas uma das formas de investimentos, a taxa que incide sobre
esses empréstimos é tão somente um tênue reflexo da taxa natural.
Rothbard
coloca, então, a pergunta fulminante: o que, então, realmente significa uma
expectativa de que as taxas de juros aumentem? Sua resposta é que significa que
os indivíduos esperam um aumento na taxa de retorno líquido no mercado, com
salários e outros preços de bens de produção de ordens mais elevadas caindo
mais rapidamente do que os preços dos bens de ordens baixas, que são os bens de
consumo. Mas isso não requer nenhuma explicação do tipo quebra-cabeças, pois,
já que os investidores esperam quedas nos salários e em outros preços de bens
de capital, seguram os investimentos nesses bens de capital até que seus preços
efetivamente caiam. Tal expectativa, na verdade, além de não ser um elemento
perturbador, contribui para acelerar o ajuste, da mesma forma como toda
especulação acelera os ajustes aos níveis de mercado, esta também acelera a
queda nos salários e outros fatores (bens de capital), acelerando assim a
recuperação e permitindo que a economia retorne ao seu estado natural mais rapidamente.
Como escreveu Rothbard (p. 80), "o entesouramento "especulativo", longe
de ser um bicho-papão da depressão, é na verdade um bem vindo estimulante para
uma recuperação mais rápida".
Além
disso, somente uma "preferência pela liquidez" infinita, ou seja, uma curva de
demanda de moeda horizontal poderia impedir o retorno da economia ao seu estado
natural. Só que a demanda de moeda nunca pode ser "infinita",
simplesmente porque os agentes no mundo real, independentemente de suas
expectativas, sempre precisam continuar a consumir, ou seja, a desfazer-se de
dinheiro e, como os indivíduos precisam continuar a consumir, também têm que
continuar a produzir, o que nos leva a concluir que pode perfeitamente haver
ajuste e estado natural de emprego sem qualquer dependência de haver ou não
entesouramento.
Para
finalizar, recorramos mais uma vez a Rothbard: "a omissão da
justaposição de entesouramento e consumo deriva, mais uma vez, da negligência
keynesiana de mais de duas margens ao mesmo tempo e de sua crença errônea de
que o entesouramento reduz o investimento, e não o consumo".