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Economia

Por que o Brasil não está diante de uma crise cambial, mas a Argentina sim

27/06/2013

Por que o Brasil não está diante de uma crise cambial, mas a Argentina sim

O mês de junho está sendo sanguinário para a Bolsa brasileira. O Ibovespa já perdeu quase 13% até o momento.  Vem pesando no sentimento do mercado a mudança na perspectiva da nota de risco de crédito do Brasil, de estável para negativa, anunciada no dia 6 de junho pela Standard & Poor's (S&P).

Mas para quem está comprado em dólares, o mês não está sendo nada ruim; a moeda americana iniciou o mês valendo R$ 2,14 e, atualmente, já está na casa dos R$ 2,20, a maior cotação desde o primeiro trimestre de 2009.

Em seu comunicado, a S&P defende que a revisão de estável para negativa se deve à expansão do gasto público e ao baixo crescimento da economia. Muitos analistas e economistas adicionam ao quadro preocupante da economia nacional a deterioração da balança comercial e das transações correntes. Os mais afoitos -- juntando à revisão da nota de risco a piora das contas externas e o câmbio em alta -- alertam para uma possível crise cambial (a velha crise de balanço de pagamentos que tanto nos assombrou na década de 80).

Mas seria esse medo justificado? Estaríamos diante de uma renovada crise cambial? Indo direto ao ponto, não, tal medo carece de fundamento e é, neste momento, completamente injustificado.

O mesmo não pode ser dito sobre a Argentina, cujo cenário calamitoso já foi tratado aqui e aqui.  E é contrastando a situação brasileira com a do nosso vizinho que podemos ver claramente por que estamos longe de uma crise cambial e por que eles estão tão perto.

Em primeiro lugar, temos um confortável nível de reservas internacionais, cerca de US$ 378 bilhões.  O Brasil nunca teve um volume tão significativo de reservas em toda a sua história (veja o gráfico abaixo).  Já Argentina tem visto suas reservas minguarem mês após mês.

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Fonte: O Ponto Base, Bacen e BCRA.

Além disso, temos um câmbio flutuante -- ainda que sofra muitas intervenções do BACEN.  Já os governos argentinos têm consistentemente preferido adotar um regime de câmbio atrelado ao dólar.  Mas para manter uma dada paridade com uma moeda estrangeira, é necessário abdicar da independência da política monetária.  Isso significa que você deverá manter certa disciplina monetária e não poderá inflar sua moeda mais do que aquela que serve de âncora.

Exatamente nesse quesito o kirchnerismo pecou. A inflação de pesos tem sido rampante.  Em algum momento, o peso acaba depreciando-se frente ao dólar.  Para se ter uma noção da discrepância entre a inflação de pesos e as reservas internacionais da Argentina, analisamos no último artigo a oferta monetária de pesos (agregado monetário M1, pelo dólar oficial) e o nível de reservas servindo como lastro.

Agora vamos aplicar a mesma análise à realidade brasileira e contrastá-la com a da Argentina. De modo a facilitar essa comparação, usaremos um indicador: reservas internacionais dividida pela oferta monetária da moeda local (pelo dólar oficial). Um nível de "1" significa que a totalidade da massa monetária é lastreada pelas reservas.

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Fonte: O Ponto Base, Bacen e BCRA.

Analisando a tendência dos dois países, fica evidente o rumo que a Sra. Kirchner decidiu seguir.  E torna-se ainda mais patente a disparidade entre os dois países.  O Brasil, por um lado, nunca esteve em uma situação tão confortável: há mais de 2,6 dólares para cada dólar de massa monetária local.  Enquanto isso, na Argentina, o indicador está quase em 0,5 centavos de dólar.  Tal patamar ilustra o potencial de depreciação que o peso ainda pode sofrer.

E por que o governo argentino não deixa o peso desvalorizar-se?  Precisamente pelo que abordamos no artigo anterior: a dívida pública externa está em mais de US$ 140 bilhões.  Se considerar a privada, seriam mais de US$ 200 bilhões.  E o Brasil?  Em termos absolutos, nosso passivo externo é até mais elevado -- ao redor de US$ 312 bilhões --, mas, dado o alto nível de reservas internacionais, o nosso governo pode dormir relativamente tranquilo.

Dividindo as obrigações externas totais (pública + privada) pelas reservas, temos um indicador de cobertura dos passivos externos.  Quando do corralito a Argentina detinha não mais do que 6 centavos para cada dólar de dívida em moeda estrangeira.  Não podemos negar que nosso país já enfrentou situação idêntica.  Mas isso foi em 1987, ano em que o então presidente José Sarney anunciava a moratória da dívida externa -- tínhamos menos de US$ 7 bilhões em reservas para uma dívida de quase US$ 100 bi, sendo que US$ 15 bi venciam naquele mesmo ano.

Felizmente, e ao contrário da Argentina, que vê suas reservas declinarem ao passo que sua dívida com o mundo permanece intacta, conseguimos melhorar a situação externa.  Desde 2008 somos credores líquidos externos.  Isso quer dizer que nossas reservas internacionais superam nosso passivo em moeda estrangeira -- um patamar acima de "1" no indicador abaixo ilustra precisamente esse ponto.

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Fonte: O Ponto Base, Bacen e BCRA.

Por último, mais um gráfico para mostrar a cobertura das importações e da dívida externa.  Se dividirmos nossas reservas pela média mensal das importações dos últimos 12 meses, vemos que no Brasil levaríamos 20,4 meses para esgotar nossos dólares em reservas (eixo da direita).  No país da Sra. Kirchner, não tardaria mais do que nove meses.

Entretanto, considerando as obrigações externas pela média mensal das exportações dos últimos 12 meses, o governo kirchnerista levaria quase três anos para honrar a totalidade da dívida.  No Brasil, e em total contraste, seria necessário pouco mais de um ano para quitar todo o passivo externo.

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Fonte: O Ponto Base, Bacen e BCRA.

Mário Henrique Simonsen, o falecido economista e ex-ministro da Fazenda, em alusão às chamadas crises de balanço de pagamentos, costumava dizer que "a inflação aleija, mas o câmbio mata".  Há um pouco de verdade nessa afirmação.  Mas é preciso adicionar que ambas as patologias são causadas por decisões de política econômica.

Por mais que a balança comercial brasileira esteja perto de zero nos últimos meses -- se tal fato é bom ou ruim dependerá da sua inclinação filosófica econômica --, o grande problema não é o dado em si, mas a resposta que os governos decidem adotar para reverter a tendência.  Do outro lado do Río de la Plata, a mais nova solução foi adotada há alguns dias: congelamento de preços.

Logicamente, não funcionará nem para combater a escalada dos preços, nem para diminuir as importações.  Já tentamos aqui e tampouco funcionou -- porque não pode jamais funcionar em nenhum lugar.  Curiosamente, o congelamento de preços no Brasil foi adotado pelo mesmo presidente já mencionado, exatos 12 meses antes de declarar a moratória.  Seria um prenúncio do que está por vir na Argentina?

Retornando a nossa economia, ainda que o dólar possa se valorizar ainda mais nos próximos meses, o Brasil não corre o risco de uma crise cambial em um futuro próximo. Neste momento, nossos dilemas são outros: deterioração do quadro fiscal com baixíssima credibilidade na condução das contas públicas, elevada e persistente inflação de preços e hiperatividade no microgerenciamento da economia -- o que certamente atravanca os investimentos.

Crise de balanço de pagamentos é, por ora, um privilégio dos argentinos.


Sobre o autor

Fernando Ulrich

Fernando Ulrich é mestre em Economia da Escola Austríaca, com experiência mundial na indústria de elevadores e nos mercados financeiro e imobiliário brasileiros. é conselheiro do Instituto Mises Brasil, estudioso de teoria monetária.

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