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Conquistados sociais

07/04/2013

Conquistados sociais

"Antigamente havia muito mais trabalho", disse Emily Mbongwa, a mulher de 52 anos fotografada em 2010 para o NY Times. A Sra. Emily mora em Newcastle, África do Sul. Para tomar conta de cinco crianças, das 6h às 18h, de segunda a sexta, ela ganha 70 dólares por mês.

A Sra. Emily ganhava mais com seu emprego antigo, na manufatura têxtil. Mas esse emprego não existe mais. Em 2010, várias fábricas foram fechadas na África do Sul porque pagavam salários em torno de 154 dólares. O salário mínimo era de 244 dólares. Aquelas mulheres estavam fora da lei.

A imposição do salário mínimo não foi bem recebida. Quando a polícia chegou para fechar uma fábrica em Newcastle, relata o NY Times,

as mulheres trabalhando na fábrica -- as supostas beneficiárias da  repressão -- subiram em cima das mesas de corte e das tábuas de engomar para clamar contra. "Por quê? Por quê?", gritava Nokuthula Masango, de 25 anos, depois que as autoridades levaram embora carrinhos de tecido colorido.

O problema do desemprego na África do Sul não começou em 2010. Durante o apartheid, negros eram impedidos de casar com brancos, frequentar as mesmas escolas que os brancos e, é claro, impedidos de ter os mesmos empregos que os brancos. Essa última imposição foi conquistada com medidas de salário mínimo. "O salário mínimo dmiminui o custo da discriminação", explica o economista Walter Williams:

Durante a era de aparhteid da África do Sul, seus sindicatos racistas estavam entre os principais apoiadores do salário mínimo para os negros. O Conselho de Salários da África do sul dizia, "o método seria estabelecer uma taxa mínima para uma ocupação ou ofício tão alta que nenhum Nativo seria provavelmente empregado."

Durante o apartheid, a Sra. Emily não aprendeu a ler, escrever nem recebeu treinamento profissional qualificado. Dizia que pelo menos na fábrica ela era "tratada com respeito". Era melhor que ter que suportar os xingamentos racistas dos filhos da família onde, antes da fábrica, ela trabalhava como doméstica das 6h às 21h.

"Transferência de aprendizagem" é o nome dado a um dos desafios da pedagogia moderna. Ao aprendermos determinado conceito ou raciocínio no contexto X, não fazemos automaticamente a aplicação do mesmo conceito ou raciocínio quando nos apresentam o contexto Y. Há um século, a psicologia vem mostrando exemplos dessa dificuldade humana. Aprender Latim não melhora o desempenho acadêmico em outras áreas, resolver um quebra-cabeças não melhora muito a capacidade de resolver outros quebra-cabeças visualmente diferentes mas logicamente semelhantes. É como se nossa mente aprendesse a calcular a área de uma mesa retangular, mas continuasse sem saber calcular a área de um campo de futebol. Ou, como dizia Millôr Fernandes,  o xadrez funciona como "um jogo chinês que aumenta a capacidade de jogar xadrez."

A economia é cheia de problemas de transferência de aprendizagem, inclusive nas suas proposições mais fundamentais. Por exemplo, quando o preço da energia sobe, as pessoas usam mais ou menos o ar condicionado? Ou quando se aumenta o pedágio, as pessoas vão dirigir mais ou menos na estrada?

E quando o governo aumenta o preço da contratação de trabalhadores? Vão ser contratados mais ou menos trabalhadores? Não precisa cursar economia para ver que a questão é apenas mais uma aplicação da lei de oferta e demanda. Então por que meus amigos socialistas chamam o aumento do preço da energia ou do pedágio de "exploração",  mas chamam a PEC das Domésticas de "conquista social".

A pior consequência da PEC das domésticas não é mandar os homens para a cozinha, como sugeriu a capa "classe média revoltada" da Veja. É mandar as domésticas embora. O que aconteceu na África do Sul está acontecendo no Brasil:

Meu patrão teve que me mandar embora por causa das horas extras, já que eu trabalhava doze horas por dia. Ele disse que não teria condições de pagar -- disse Maria, que cuidava da esposa do patrão, portadora de Alzheimer.

maria-aparecida-foi-demitida-por-horas-extras.jpgMaria Aparecida dos Santos é uma mulher de 65 anos que viu sua renda desaparecer três dias depois da aprovação da Emenda. O patrão preferiu contratar uma empresa: "O serviço terceirizado sai pela metade do preço, não tem aviso prévio nem FGTS." De fato, há muitas mulheres que se beneficiarão da lei, mas apenas à custa das mais vulneráveis. O Sindicato das Empregadas domésticas do Rio diz que está atendendo agora 50 pessoas por dia, quando antes atendia 30. Ao aumentar o custo de contratação de empregadas domésticas, a Proposta de Emenda Constitucional 66/2012 está, à margem, efetivando a exclusão trabalhista de empregadas domésticas.

Medidas que prometem poder aos pobres podem acabar por deixá-los ainda mais frágeis. Pensem na relação da Dona Maria Aparecida com seu patrão. Digam-me, quando ele esteve com mais poder sobre ela, antes ou depois da PEC? Exclusão trabalhista aumenta as chances dos trabalhadores terem que aceitar piores condições e rejeitar a formalidade para poderem pagar as contas.

A mesma exclusão trabalhista decorre do resto das nossas conquistas sociais. O Brasil lidera o ranking de 25 países, da consultoria UHY, que mede o peso dos impostos sobre a contratação de funcionários. Para um salário anual de 30 mil dólares, o empregado brasileiro custa 17.267 dólares a mais para seu empregador. Ou seja, 57,56% do seu salário são apenas impostos. Nossos amigos de sigla impõem custos menores. Na China, os impostos tomam 30,88% do salário; na Rússia, 21,06% e na Índia, 3,67%. Alguém ainda tem dúvidas de por que empresas preferem abrir e contratar trabalhadores no leste asiático?

Mas, mais uma vez, a transferência de aprendizagem parece desafiar muitos brasileiros. Achamos que aumentar o preço do trabalho do pobre por meio de encargos e impostos equivale a aumentar o valor do trabalho do pobre por meio de capital e produtividade.

O Brasil não precisou passar por uma ditadura racial para fazer com os pobres o que o apartheid fazia com os negros.

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Este artigo foi originalmente publicado no blog do autor, Capitalismo para os pobres


Sobre o autor

Diogo Costa

É presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do a Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute

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