Até o último fim de
semana, a abordagem básica da União Europeia para socorrer países endividados
era repassar a eles dinheiro que os tornasse capazes de honrar o pagamento de
suas dívidas e de outras despesas correntes, dentre elas os maciços programas
de bem-estar social de sua população. Em
troca deste dinheiro, ficava estipulado que o governo reduzisse algumas
despesas e aumentasse impostos.
Adicionalmente, pedia-se àqueles que haviam comprado títulos da dívida
do governo que sofressem algumas perdas.
Porém, com o Chipre, as
coisas tomaram um rumo distinto. Para
evitar ter de cortar gastos e aumentar impostos, o presidente do Chipre
anunciou que o governo iria simplesmente expropriar o dinheiro que seus cidadãos
haviam depositado nos bancos daquele país.
Aqueles que tivessem depósitos acima de €100.000 teriam 10% do seu
dinheiro confiscado. Aqueles com
depósitos menores que €100.000 teriam aproximadamente 7% do seu dinheiro
confiscado.
Embora tal medida ainda
tenha de ser aprovada pelo parlamento do Chipre, a decisão de implantá-la foi
tomada por burocratas da zona do euro em uma reunião fechada. Caso o governo cipriota recuse esta proposta,
a zona do euro não irá fornecer um pacote de €10 bilhões para socorrer os
insolventes bancos do Chipre.
Os bancos do Chipre se
tornaram insolventes após os líderes da zona do euro terem decidido que os
títulos da dívida grega seriam "reestruturados" — leia-se "parcialmente
caloteados". Como os bancos do Chipre
haviam comprado vários destes títulos, eles tiveram perdas substanciais.
A história está sendo amplamente
coberta pela mídia mundial, e por um bom motivo. Os eurocratas sempre disseram que as contas
bancárias eram sacrossantas. Eles sempre
prometeram que não tocariam nelas. Com o
anúncio desta medida a ser adotada no Chipre, os eurocratas estão dizendo "nós
mentimos". No entanto, estes mesmos
eurocratas estão assegurando a todos os correntistas da zona do euro que isso
não acontecerá novamente, que se trata de uma medida excepcional, a ser
implementada uma única vez. "Confiem em
nós".
Os relatos são de que o
presidente do Chipre, na reunião de domingo, implorou ao parlamento do país para
que implantasse as taxas. O mais curioso
é que, durante sua campanha eleitoral, ele havia prometido aos eleitores que
jamais, em hipótese alguma, iria tributar suas contas bancárias. E ele reforçou este compromisso em seu
discurso de posse: "Não será tolerada absolutamente nenhuma referência a
tributação de depósitos ou calote parcial na dívida". Para se certificar de que havia sido
perfeitamente claro, ele acrescentou: "Este assunto nem sequer está em
discussão".
Tradução: sempre que um
político promete enfaticamente que não fará algo, tenha a certeza de que esse
algo já está em fase final de planejamento.
Os rumores
de que este plano estava sendo analisado nos corredores do quartel-general da
União Europeia já circulavam na imprensa havia mais de um mês. Os correntistas cipriotas poderiam ter
transferido seus euros para bancos alemães.
Eles poderiam ter sacado seu dinheiro.
Mas o presidente havia dito que as contas bancárias eram
sacrossantas. E as massas
acreditaram. E ficaram quietas.
É isso o que acontece
quando você deixa seu bom senso de lado e aceita as promessas de políticos.
O parlamento cipriota
decidirá a respeito das taxas na tarde desta terça-feira. Se o parlamento recusar, o presidente será um
pato manco pelo resto de seu mandato.
O governo fechou os
bancos para impedir que os correntistas movimentassem suas contas e sacassem
dinheiro. A imprensa se refere a esta
medida como um "feriado" bancário.
Caso o governo do Chipre
postergue a imposição destes tributos, está claro o que qualquer cipriota
racional deveria fazer: ligar para seu banco e transferir seus euros para um
banco alemão assim que o "feriado" bancário acabar.
O governo pode abrir os
bancos sem ainda ter aprovado os impostos.
Boom! Haverá uma corrida
bancária. Para evitar isso, ele terá de
manter os bancos fechados. Mas isso irá
paralisar a economia, podendo gerar uma depressão. Ou ele pode aprovar os impostos e só então
abrir os bancos. Ainda assim, a
tendência é que haja uma corrida bancária.
"Engane-me uma vez, que vergonha para você. Engane-me duas vezes, que vergonha para
mim."
Os eurocratas que, em
conjunto com o FMI, criaram este plano durante o fim de semana certamente
sabiam que ele desencadearia uma corrida bancária. Se eles não previram isso, então eles são
economicamente ignaros. Será que eles
creem que o rebanho ficará quieto uma segunda vez, pacificamente esperando ser
tosado? É difícil de acreditar.
Mas eles também não
imaginavam que o governo fosse postergar a implantação dos impostos.
Minha opinião: creio que
tudo isso é deliberado. Eles sabiam que
toda essa reação, com ameaça de corrida bancária e tudo mais, iria
ocorrer. Os eurocratas estão enviando um
recado para todos os outros políticos dos PIIGS: "Salvem vocês os seus próprios
bancos. Caso contrário, preparem-se para
uma corrida bancária igual à do Chipre".
O objetivo deles é justamente
gerar uma corrida bancária no Chipre.
Eles querem enviar uma mensagem para todos os outros governos da zona do
euro que estão acomodados e tranquilos, operando sob a pressuposição de que a
zona do euro irá sempre socorrer suas dívidas ou socorrer seus bancos. Não irá.
Não tem como. Ela não tem o
dinheiro. Os eleitores dos países mais
solventes não permitirão que seus respectivos governos transfiram seu dinheiro
para o governo dos países mais pródigos.
Os eurocratas escolheram
o Chipre para servir de exemplo porque se trata de uma ínfima nação insular,
responsável por apenas 0,2% do PIB europeu.
Se os bancos do Chipre quebrarem, e daí?
Se seus políticos resolverem sair da zona do euro, e daí? Uma crise bancária no Chipre é exatamente o
que os banqueiros do norte precisam para enviar um recado: "Não haverá mais
tolerância. Coloquem suas contas em ordem. Cuidem de seus bancos". Isso irá assustar os políticos mediterrâneos.
No entanto, é uma medida
bastante arriscada. Ela pode ter o
efeito colateral de deixar os correntistas da zona do euro ainda mais
assustados que seus políticos. Isso pode
desencadear corridas bancárias na Espanha, na Itália e em Portugal. Se eu tivesse dinheiro nos
bancos de qualquer um destes países, transferiria para um banco alemão.
Mohammed El-Erian, CEO da Pimco, o maior fundo de investimentos do mundo voltado para
títulos governamentais, disse o seguinte: "Na Europa, esta ocorrência pode
perfeitamente solapar o até então tranquilo comportamento dos correntistas e
dos credores em outras vulneráveis economias europeias — em particular na
Grécia, na Itália, em Portugal e na Espanha.
Não obstante as repetidas garantias dadas por burocratas europeus de que
o caso do Chipre é 'excepcional' e de que as medidas adotadas são 'singulares', as
políticas criadas neste fim de semana aumentaram o prêmio de risco sobre os
títulos das dívidas destes países".
Foi um ato de desespero
dos burocratas da zona do euro. Eles
estão arriscando fomentar uma corrida bancária na Itália e na Espanha. Aqueles correntistas que não quiserem ser
tratados como os cipriotas têm apenas uma saída: transferir seu dinheiro para
bancos alemães.
Os burocratas da zona do
euro têm de estar realmente muito desesperados para anunciar uma política
tributária sobre contas bancárias que não pode ser impingida pela zona do euro,
mas apenas pelos governos nacionais. Se
um determinado governo deixar claro que irá obedecer, as corridas bancárias
serão inevitáveis. Se ele disser que não
irá obedecer, ainda assim pode haver corridas bancárias. Apenas se o sujeito for muito frio e confiar
plenamente em seu governo é que ele deixará seu dinheiro no banco de seu país
em vez de transferi-lo para um banco alemão.
Tudo isso mostra quão
desesperados estão os líderes da zona do euro.
Eles fingem que tudo está calmo.
Eles pretendem que o sistema não está ruindo. E então eles fazem um anúncio que é racional
apenas sob a hipótese de que a situação fiscal e bancária dos países europeus
está em frangalhos. O estado de bem-estar
social europeu está com seus dias contados.