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Economia

O mercado funciona no tempo certo

01/09/2008

O mercado funciona no tempo certo

As recentes controvérsias políticas a respeito do preço do petróleo ressaltaram uma triste verdade: mesmo os que se denominam amigos do mercado não entendem como ele de fato funciona.

Como eles têm apenas uma compreensão superficial desse complexo "organismo" e de como ele coordena as interações entre bilhões de Homo sapiens espalhados por todo o planeta, eles rapidamente condenam as operações deste sempre que as coisas se afastam do comum. O mercado é aparentemente bom o bastante para ser deixado em paz e funcionando normalmente apenas quando as coisas estão monótonas; mas, quando a estrada fica esburacada, os políticos devem assumir o volante (ou é o que nos dizem os "amigos condicionais" do mercado - amigos apenas quando o tempo está bom).

Em particular, como a maioria dos comentaristas - mesmo alguns economistas profissionais - não tem de fato uma boa construção mental intertemporal do mercado, eles não conseguem entender a fundo como o sistema de preços guia as pessoas a alocar apropriadamente recursos escassos. Assim, esses comentaristas sucumbem às promessas de políticos que dizem ter um plano que irá superar o desempenho da velha e tola economia de mercado. Mas o problema é que, como ninguém consegue sequer conceber o que o mercado faz no curso de uma década, ninguém será capaz de comparar de antemão qual será a performance do mercado em relação ao plano de cinco anos de um político.

Neste artigo, discutiremos a regulamentação que foi proposta sobre investidores do mercado futuro de commodities. Em um artigo posterior, veremos a mesma ignorância sobre como os mercados alocam recursos ao longo do tempo no contexto da abertura para exploração de ANWR (reserva ambiental no Alasca, rica em petróleo, porém de exploração proibida pelo governo federal).

Que bem os mercados futuros fazem?

Torna-se imediatamente óbvio que as pessoas que criticam a "especulação" como sendo a causa de o petróleo estar sobreprecificado em 100% não têm idéia alguma de como os mercados futuros trazem benefícios a todos. Isso também não é culpa delas, uma vez que pouquíssimos economistas poderiam sequer explicar como a existência de mercados futuros promove a "eficiência".

De maneira abreviada, o mercado futuro permite que as pessoas hoje assumam mutuamente um compromisso de trocas que só ocorrerão em uma data futura (especificada no contrato). Um contrato futuro de petróleo, por exemplo, é um pacto legalmente vinculante que sujeita um comprador, tal como uma refinaria, a efetuar a compra de uma determinada quantia de petróleo em uma data futura, em troca de um preço futuro pré-estabelecido. O vendedor do contrato futuro estaria, por sua vez, comprometido a comparecer no dia combinado com a quantia certa de petróleo, que será trocada por dinheiro.

Assim, o mercado futuro suaviza enormemente a incerteza de preços no futuro, e permite mais ganhos mútuos nessa troca em relação ao que seria possível caso não houvesse um mercado de futuros. Por exemplo, suponha que uma companhia aérea queira acrescentar uma nova cidade aos seus destinos, mas que essa nova rota só será lucrativa se o preço do petróleo se mantiver abaixo dos $90. Ao mesmo tempo, suponha que uma petrolífera determine que só será lucrativo abrir um novo campo de exploração se o petróleo permanecer acima de $80. Se não puderem usar o contrato de futuros, essas duas empresas poderão deixar de crescer.

Mas se elas puderem efetuar um contrato futuro a um preço futuro de (digamos) $85, então a companhia aérea poderá confiantemente adicionar sua rota e a petrolífera poderá confiantemente abrir seu novo campo de exploração. Ademais, não importa quanto o atual preço (à vista) do petróleo se afaste de sua projeção de $85, o contrato futuro (no qual a companhia aérea está "comprada" e a petrolífera está "vendida") irá creditar ou debitar as contas de ambos os agentes[1] à medida em que o contrato for periodicamente "marcado a mercado"[2].

E assim, a companhia aérea e a petrolífera, munidas de posições líquidas compradas ou vendidas no mercado futuro de petróleo, podem agora enfrentar o mercado, indiferentes aos eventos mundiais que fazem com que o preço do petróleo varie bruscamente todos os dias. A companhia aérea poderá concentrar sua atenção nos clientes e a petrolífera poderá dar mais atenção aos seus geólogos do que aos seus economistas.

Dentro desse contexto geral, especuladores fornecem o serviço precioso de mover os preços futuros para níveis mais acurados. Os especuladores têm lucros ou prejuízos na mesma proporção em que eles respectivamente corrigem ou perturbam os preços de mercado.

Como as instituições investidoras ajudam?

Mesmo se reconhecermos que especuladores (aqueles que têm lucros) em sua forma mais pura realizam um serviço útil, algumas pessoas podem questionar os benefícios que grandes instituições investidoras trazem ao mercado futuro de petróleo. Essa é de fato a posição de Michael Masters, um administrador de hedge-fund que prestou um depoimento fundamental perante o Congresso americano sobre as supostas distorções do preço do petróleo. Masters disse,

"Há uma distinção crucial entre Especuladores Tradicionais e Especuladores de Índices: Especuladores Tradicionais fornecem liquidez tanto ao comprar como ao vender contratos futuros. Especuladores de Índices compram contratos futuros e, então, rolam suas posições comprando margens de lucro (spreads) temporais[23]. Eles nunca vendem. Portanto, eles consomem liquidez e fornecem zero de benefício para o mercado de futuros." (Link, pág.6).

Na realidade, como o próprio Masters sabe, "Especuladores de Índices" são vendedores líquidos sempre que os preços futuros sobem, e são compradores líquidos sempre que eles caem - desde que as subidas e as quedas não façam com que os administradores dos fundos alterem suas previsões sobre a tendência dos preços. Se um fundo decidiu destinar, digamos, 1% do seu portfolio total para índices de commodities, então quando o índice subir, também subirá o valor do fundo. Mas o valor da sua cesta de commodities subirá desproporcionalmente. Se os administradores de fundos ainda quiserem uma exposição de apenas 1% em commodities, durante o próximo reequilíbrio eles terão de vender alguns de seus contratos futuros. Mas esse processo em si tenderá a baixar os preços futuros, compensando assim parte do aumento inicial. Portanto, a presença de grandes investidores institucionais de fato serve como um freio na rapidez com que o preço do petróleo oscila. É como se os preços futuros tentassem subir e descer rapidamente em um fluido com a viscosidade de um melaço. Qualquer movimento brusco é amortecido.

Um benefício mais sutil é que os investidores institucionais fornecem liquidez ao mercado futuro, o que permite aos produtores comerciais e consumidores de petróleo confiarem mais decisivamente nos contratos futuros do que confiariam em outro contexto. Ter um mercado futuro de petróleo que seja líquido e profundo intensifica a sua capacidade de coordenar ações intertemporais.

Banir instituições investidoras não ajuda ninguém

Mesmo se fosse verdade que essas instituições investidoras estejam jogando o preço do petróleo para cima do seu nível "correto", ainda assim banir tais investimentos não seria de qualquer serventia para o cidadão comum. Especuladores individuais por todo o mundo ainda continuariam se intrometendo no mercado futuro de petróleo e continuariam aumentando o seu preço (supondo-se aqui que os especuladores de fato estejam fazendo isso no mundo de hoje). Portanto, o preço do petróleo ainda continuaria tão distorcido (se é que ele de fato está distorcido) quanto hoje.

Entretanto, haveria uma grande diferença que não podemos ignorar: se certos políticos tiverem a liberdade de banir investimentos "especulativos" feitos por instituições, então as pessoas gerenciando a previdência do João da Silva não poderão blindá-lo contra o preço do petróleo, que continuará subindo como um foguete.

Atualmente os motoristas estão sofrendo nas bombas, mas pelo menos eles podem investir no mercado futuro de petróleo (tanto pessoalmente como através de um intermediário profissional).

Contudo, o governo pode, mais cedo do que se imagina, regulamentar ainda mais fortemente ou até mesmo banir essa opção, e deixar os já sitiados consumidores de gasolina ainda mais desamparados.

Conclusão

Se as pessoas entendessem melhor como o mercado de fato funciona, elas poderiam recostar-se e observá-lo desempenhar sua mágica. Mas como elas têm apenas uma percepção turva de seu mecanismo de funcionamento, essas pessoas acabam clamando por mais leis que conferem aos homens armados (o governo) a permissão para dar ordens ao rebanho.

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Para mais sobre o assunto, ver os artigos Economia introdutória: o preço da gasolina e A bolha do petróleo.

 

[1] Os contratos futuros são normalmente ajustados em base diária, de forma tal que os comprados e vendidos sejam creditados ou debitados de acordo com a variação entre o preço de fechamento do dia e o preço de fechamento do dia anterior. [N. do T.]

[2] Fazer a marcação a mercado (Mark-to-Market) consiste em avaliar um ativo ao seu valor de mercado, tal como expresso pela sua cotação mais recente. A idéia é que cada ativo seja avaliado em um valor que corresponda ao que se imagina que seria possível realizar se se quisesse liquidar essa posição no mercado. [N. do T.]

 

[3] Margem de lucro temporal é quando se vende uma opção com um prazo de vencimento próximo e, simultaneamente, se compra uma opção com o mesmo preço de exercício, mas com um vencimento posterior. Um exemplo: ficar comprado em um contrato futuro de petróleo, com entrega no mês que vem e, ao mesmo tempo, ficar vendido em um contrato futuro de petróleo cuja entrega seja em seis meses.

O prejuízo é limitado pelo prêmio líquido pago, enquanto que o lucro máximo possível depende do valor temporal da opção posterior quando a opção mais próxima expira. A estratégia tira proveito dos diferenciais de valor temporal em períodos sem grande variação de preços. [N. do T.]

 

Sobre o autor

Robert P. Murphy

É Ph.D em economia pela New York University, economista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute.

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