segunda-feira, 24 set 2012
Para definir os mercados, vamos
utilizar as
palavras
do Prof. Ludwig von Mises, uma definição simples, completa, abrangente e
magistral, como praticamente tudo o que Mises escreveu e ensinou. A grandeza
dessa definição está em sua simplicidade, o que mostra que a economia é algo
simples, quando temos a humildade para reconhecer isso, atributo que só
gigantes como Mises costumam possuir.
A economia de mercado é o sistema
social baseado na divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de
produção. Todos agem por conta própria; mas as ações de cada um procuram
satisfazer tanto as suas próprias necessidades como também as necessidades de
outras pessoas. Ao agir, todos servem seus concidadãos. Por outro lado,
todos são por eles servidos. Cada um é ao mesmo tempo um meio e um fim;
um fim último em si mesmo e um meio para que outras pessoas possam atingir seus
próprios fins.
Este sistema
é guiado pelo mercado. O mercado orienta as atividades dos indivíduos por
caminhos que possibilitam melhor servir as necessidades de seus semelhantes.
Não há, no funcionamento do mercado, nem compulsão nem coerção. O
estado, o aparato social de coerção e compulsão, não interfere nas atividades
dos cidadãos, as quais são dirigidas pelo mercado. O estado utiliza o seu
poder exclusivamente com o propósito de evitar que as pessoas empreendam ações
lesivas à preservação e ao funcionamento da economia de mercado. Protege
a vida, a saúde e a propriedade do indivíduo contra a agressão violenta ou
fraudulenta por parte de malfeitores internos e de inimigos externos.
Assim, o estado se limita a criar e a preservar o ambiente onde a
economia de mercado pode funcionar em segurança.
Prossegue o Professor Mises:
O
mercado não é um local, uma coisa, uma entidade coletiva. O mercado é um
processo, impulsionado pela interação das ações dos vários indivíduos que
cooperam sob o regime da divisão do trabalho. As forças que determinam a
— sempre variável — situação do mercado são os julgamentos de valor dos
indivíduos e suas ações baseadas nesses julgamentos de valor. A situação
do mercado em um determinado momento é a estrutura de preços, isto é, o
conjunto de relações de troca estabelecido pela interação daqueles que estão
desejosos de vender com aqueles que estão desejosos de comprar. Não há
nada, em relação ao mercado, que não seja humano, que seja místico. O
processo de mercado resulta exclusivamente das ações humanas. Todo
fenômeno de mercado pode ser rastreado até as escolhas específicas feitas pelos
membros da sociedade de mercado.
O
processo de mercado é o ajustamento das ações individuais dos vários membros da
sociedade aos requisitos da cooperação mútua. Os preços de mercado
informam aos produtores o que produzir como produzir e em que quantidade.
O mercado é o ponto focal para onde convergem e de onde se irradiam as
atividades dos indivíduos.
Se você, depois desses quatro
parágrafos, ainda não entendeu o que são os mercados, então é porque não os leu
com atenção. Nesse caso, releia antes de prosseguir.
Bem, você está agora preparado
para tentar responder a uma importante questão: o que determina o valor de um
bem ou serviço no mercado?
Serão os custos para produzir
esse bem ou serviço? Não, porque uma pessoa pode ter que incorrer em altíssimos
custos para produzir alguma coisa, mas se os consumidores não quiserem comprar
essa coisa (na linguagem dos economistas, se eles não demandarem essa coisa), seu preço e seu valor será zero.
Bom, se não são os custos,
então não serão as horas de trabalho gastas para produzir o bem ou serviço?
Também não, pelo mesmo motivo! Você pode ter um trabalho incrível para produzir
algum bem, mas se ninguém quiser comprar esse bem, ele não terá valor.
Puxa vida, se não são os custos
e nem o trabalho, então será o valor moral? É claro que não, basta observar que
há bens e serviços que nada têm de morais e que têm valores muito altos no
mercado, porque sua demanda é grande.
Então é o valor estético?
Também não e pelo mesmíssimo motivo! Um ingresso para uma partida de futebol
pode custar mais caro do que uma entrada para assistir a um concerto para
fagote, oboé e flauta de Vivaldi, por exemplo.
Ai, ai, ai, então é o valor
técnico? Nada disso, Mané, muitos inventores não ganharam um centavo com suas
invenções, mas elas deixaram muitas pessoas ricas.
Será então a escassez? Pode
parecer que sim, mas também não é. A escassez depende da demanda, ela não é uma
quantidade aritmética específica do bem. Em minha casa tenho um desenho, um só,
que fiz há alguns anos e, no entanto, ele não tem valor, porque ninguém vai
querer comprar um desenho feito por mim.
Se não é a escassez, então é a
utilidade? Você está chegando lá, mas ainda não é essa a resposta! A utilidade
não significa nada no mercado se não estiver relacionada com a demanda. Há
coisas muito úteis, mas que não têm valor, como o ar que respiramos; um velho
livro de Economia pode ter um valor muito elevado para mim, mas para outras
pessoas ele pode não valer nada. Como você já pode notar, do ponto de vista do
mercado, o que importa não é a utilidade objetiva, mas sim a utilidade subjetiva, aquela que é
estimada pessoalmente, por cada indivíduo.
Valorar algum bem ou serviço no
mercado significa escolher entre esse bem ou serviço e bens e serviços alternativos.
Quando fazemos as escolhas, isto é, quando agimos,
o fazemos achando que aquela escolha, ou aquela ação vai nos proporcionar satisfação maior do que a satisfação que
os outros bens e serviços proporcionariam. Mas, como nossas escolhas são individuais
e subjetivas, como o nosso conhecimento não é perfeito e, ainda, como nossas
ações se dão no decorrer do tempo e este tende a incorporar novos
conhecimentos, corrermos sempre o risco de cometer erros.
Chegamos, então, à resposta que
procurávamos: o valor depende de uma combinação da utilidade com a escassez,
ou, na linguagem dos economistas, ele depende da utilidade marginal, entendida como a satisfação proporcionada pela
última unidade de um dado bem, em um dado momento do tempo.
Por exemplo, se você oferecer,
às três horas da tarde, uma bandeja cheia de copos com água para alguém que
está morrendo de sede, essa pessoa vai dar ao primeiro copo um valor maior do
que ao segundo, a este um valor maior do que ao terceiro, a este um valor maior
do que ao quarto e assim sucessivamente. Supondo que essa pessoa beba, às três
horas da tarde, seis copos seguidos e rejeite o sétimo, podemos dizer que o
valor do sétimo copo, às três da tarde, era zero. Mas se perguntarmos à mesma
pessoa, cinco horas depois, diante da mesma bandeja, se ela quer beber água e
ela responder afirmativamente, então o valor daquele sétimo copo (que agora
será o primeiro) já será positivo e maior do que o valor do oitavo (que, agora,
passa a ser o segundo), o valor do oitavo será maior do que o do nono (que,
agora, será o terceiro) e assim sucessivamente.
Vemos, assim, que o valor
depende de uma combinação entre utilidade
e escassez, combinação sintetizada
pelo conceito de utilidade marginal,
que foi descoberto em 1871 por Carl Menger, o fundador da Escola Austríaca e
por William Stanley Jevons e Leon Walras. Por que aquele primeiro copo com água
tinha um valor maior do que os valores dos copos seguintes naquele momento do
tempo (três da tarde)? Ora, porque era escasso, já que aquela pessoa estava
morrendo de sede, e também porque tinha muita utilidade. Mas, naquele ponto do
tempo, cada copo a mais que era bebido tinha uma utilidade (marginal, na
margem, daquela unidade adicional) menor do que a do anterior. Percebeu agora?
E o que dizer dos preços? Há
certos conceitos — como o de preço — que pensamos dominar, mas que, a rigor,
conhecemos apenas superficialmente. O que vêm a ser preços? Em sua essência, são o resultado da ação de indivíduos
e de grupos de indivíduos que, agindo intuitivamente em seu próprio interesse,
fazem suas escolhas econômicas, como já observamos, na suposição de que sejam, a priori, as melhores dentre todas as
possíveis, dados seu estado de conhecimento e suas motivações em cada momento
específico do tempo. Por isso, todos os preços que conhecemos são preços
passados, meros fatos da história econômica. Ao falarmos de preços atuais, está
implícito que estamos supondo — mesmo inconscientemente — que os preços do
futuro imediato não serão diferentes daqueles do passado recente. E tudo o que
dizemos sobre preços futuros não passa de simples inferência, de nossa visão
particular sobre eventos que ainda são incertos. Preços, portanto, resultam da
ação humana, das escolhas interativas de milhões de indivíduos no mercado, ao longo
do tempo e em condições de incerteza e, por isso, só podemos concebê-los como
tal quando são determinados livremente por essa interação.
Quando o governo intervém no
processo de mercado determinando qualquer preço, na verdade o que está fixando
não é um preço genuíno, mas um pseudopreço,
que não espelha o valor verdadeiro do respectivo bem ou serviço. Isso ocorre
com o Fed controlando a taxa de juros americana, com o Partido Comunista
impondo por mais de setenta anos a mesma tarifa para o metrô de Moscou, com os
congelamentos dos anos 80 e início dos anos 90 no Brasil ou com a Petrobras
fixando artificialmente o preço da gasolina e outros derivados de petróleo.
Cedo ou tarde, a realidade acaba vindo à tona e punindo a mentira, o castigo se
dando sob a forma de ausência de coordenação econômica, inflação, desemprego e
ciclos econômicos. Estes ensinamentos dos economistas austríacos, simples e de uma lógica irrepreensível, têm sido
negligenciados exatamente porque são
simples e conduzem os economistas a uma postura humilde em relação ao seu
próprio conhecimento, o que os leva a ver o intervencionismo como uma prática
de "engenharia social", sempre equivocada e perniciosa.
Sugestões
de leitura:
Iorio, Ubiratan J. Ação, tempo e conhecimento: a
Escola Austríaca de Economia, Instituto Mises Brasil, 2011, São Paulo, cap.
2
Mises. L., Ação humana,
caps. XV e XVI
Mises, L., O que realmente é o mercado
Rockwell, Lew, O prodígio que é o mercado
Block, Walter., Mercado versus estado
Sugestões
para reflexão e debate:
1. Por que dizemos que os
mercados orientam as pessoas a melhor atenderem as necessidades de seus
semelhantes?
2. O que vem a ser o processo
de mercado?
3. Comente: "o valor depende da
utilidade marginal, uma combinação da utilidade com a escassez".
4. Por que o valor subjetivo se
altera conforme o tempo passa?
5. Por que todos os preços que
conhecemos são preços passados?