segunda-feira, 17 set 2012
Rascunhamos na
aula anterior o
conceito de ação e podemos agora defini-lo:
ação,
para a Escola Austríaca de Economia, é qualquer ato executado voluntariamente
com o objetivo de aumentar a satisfação de quem o executa. Como vimos na aula
anterior, os
agentes — isto é,
aqueles que agem, sejam eles consumidores, produtores, investidores, poupadores,
exportadores, importadores etc. — quando o fazem o fazem por meio de
escolhas, considerando que os fins
sempre suplantem os meios, ou seja, que as escolhas são feitas em meio à
escassez.
Toda a ação
nos mercados pressupõe, então, uma escolha feita em um determinado momento,
tendo o agente a posse de alguns meios e
tendo em vista determinado(s) fim(s).
A teoria econômica supõe, com toda a razão, que todas as ações são realizadas
com a expectativa de que, caso sejam concretizadas, venham a aumentar a
satisfação (ou utilidade, na linguagem dos economistas) dos agentes. Ninguém age para piorar, é isso o que
queremos dizer.
Agora uma pergunta que pode parecer complicada:
e uma pessoa que decida que vai suicidar-se pulando de um edifício alto? Essa
pessoa estará agindo da forma como definimos, isto é, pensando que se suicidar
vai aumentar a sua satisfação? A resposta é sim! Porque seus sentimentos
subjetivos estão tão abalados que ela pensa que a morte é a melhor solução. É
claro que ela está errada, mas no momento em que decide tirar a própria vida
ela não percebe isso.
Da mesma forma São Francisco de Assis, quando
mandou distribuir os bens de seu pai, um rico comerciante, aos pobres, praticou
aquela ação porque achou, de acordo com sua valoração subjetiva, que aquela
ação lhe proporcionaria uma satisfação muito grande. O postulado da ação
humana, portanto, é universal! Toda ação é executada no intuito de se aumentar
o estado de satisfação.
Podemos refinar agora um pouco: toda ação é
executada porque quem a executa acha que se a executar sua satisfação vai
aumentar. O agente pesou e repesou meios e fins, considerou suas valorações e
decidiu-se por aquela ação — por exemplo, comprar um tênis da marca X. Mas
pode acontecer que, depois de ter praticado a ação, ou seja, depois de ter
comprado o tênis, ele venha a perceber que a qualidade o mesmo não era boa, ou
que poderia ter pagado um preço bem menor pelo mesmo modelo em outra loja. Em
outras palavras, como o nosso conhecimento de todos os fatores que devem ser
considerados ao se fazer as escolhas sempre é incompleto, além de estar
distribuído desigualmente entre os agentes, ocorre que as ações acontecem na
imensa maioria das vezes em ambiente de incerteza, o que significa que a
ocorrência de erros costuma ser comum.
A economia do mundo real, portanto, nada mais é
do que o conjunto de todas as ações — compras, vendas, empréstimos, decisões
de produção, de poupança, de investimento etc. — realizadas sob a forma de
transações econômicas, que envolvam escolhas.
Acontece, porém, que essas escolhas não são
fixas no tempo! Imagine que você não suporta ouvir músicas sertanejas, mas que
um belo dia começa a namorar a filha de um rico fazendeiro do interior de São
Paulo. Sua valoração quanto às músicas sertanejas muda: você, influenciado por
fatores não econômicos, como a paixão, passa a comprar CDs e DVDs de todas as
duplas sertanejas que encontra nas lojas. Seis meses depois, vocês terminam o
namoro. Muito provavelmente, você jogará no lixo todos os CDs e DVDs que comprou
enquanto estava apaixonado. Portanto, sua escala de valores alterou-se duas
vezes em poucos meses. E isso acontece com boa parte dos bens e serviços que
temos que valorar ao longo de nossas vidas (felizmente, porque senão a vida
será mais entediante).
A passagem do tempo, portanto, tende a afetar sensivelmente e de maneira muitas
vezes imprevista as nossas escolhas. O tempo
pode ser definido como um fluxo
permanente e contínuo de novas experiências: é como se o nosso estoque de
conhecimentos e de interpretação desses conhecimentos estivesse armazenado em
um tanque e o tempo fosse algo como uma torneira despejando novos conhecimentos
e novas interpretações a esse estoque, que vai, então, se modificando
permanentemente; e isso influencia as ações ao longo do tempo. Por exemplo, se
você gosta muito de chocolate e come de uma vez só duas barras daquelas
maiores, provavelmente vai sentir dores na barriga. Na próxima vez,
dificilmente você comerá duas barras de uma só vez.
Outro exemplo: quando você tinha cinco anos, o
valor subjetivo que atribuía a um velocípede certamente era maior do que o que
atribui hoje a ele, porque o tempo passou e suas perspectivas, sua memória, sua
antecipação foi alterando o seu conhecimento e a maneira de interpretar esse
conhecimento também se alterou.
Vamos refazer nossa definição de economia,
então: a economia do mundo real, portanto, nada mais é do que o conjunto de
todas as ações — compras, vendas, empréstimos, decisões de produção, de poupança,
de investimento etc. — realizadas sob a forma de transações econômicas, que
envolvam escolhas ao longo do tempo.
Por fim, temos que considerar que, como ensinou
o grande economista austríaco Hayek, o nosso conhecimento (aquele necessário
para decidirmos as ações econômicas que escolheremos) possui duas
características: primeira, ele é incompleto; e segunda, ele está espalhado de
maneira desigual entre os participantes dos mercados.
Ora, se nosso conhecimento é incompleto, ele é
insuficiente, então, para que possamos tomar todas as decisões envolvendo uma
ação com certeza absoluta de que serão as decisões corretas. E se ele está
distribuído desigualmente entre os participantes dos mercados, isso significa
que alguns terão informações mais apuradas do que outros, o que irá com certeza
afetar o grau de acerto/erro das decisões. Por fim, observe que, mesmo se todos
os participantes em um mercado tivessem exatamente as mesmas informações, o
mesmo conhecimento, cada um deles interpretaria essas informações e
conhecimentos de maneira absolutamente única, individual, porque somos
racionais, temos gostos e preferências próprias, valorizamos a posse de
dinheiro de maneiras diferentes, somos influenciados por fatores externos
diferentes, somos, para resumir, diferentes.
A conclusão disso é que sempre vai existir uma
incerteza característica ao processo de escolher quais as melhores ações, tanto
no campo da economia como nos outros campos da vida humana. Essa incerteza que
está presente na ação humana, por mais racional que esta possa ser, não é uma
incerteza que se pode medir com números, como, por exemplo, quando dizemos que
a probabilidade de dar "cara" quando lançamos uma moeda para o ar muitas vezes
será de 0,5. No caso da ação humana nos mercados, trata-se de uma incerteza que
chamamos de incerteza genuína, à qual
não podemos associar números nem estimativas. O corolário da incerteza genuína
é a ignorância: temos que admitir
que, por mais estudados que possamos ser, sempre seremos ignorantes de algumas
condições específicas (de momento ou não) e que seriam relevantes para que a
nossa ação não contenha erros.
Podemos agora finalizar nossa definição de
economia, escrevendo: a economia do mundo real, portanto, nada mais é do que o
conjunto de todas as ações — compras, vendas, empréstimos, decisões de
produção, de poupança, de investimento, etc. — realizadas sob a forma de
transações econômicas, que envolvam escolhas ao longo do tempo, realizadas em
ambiente de incerteza genuína.
O erro, a incerteza genuína, a ignorância, o
fato de que nossas valorações mudam com o tempo e outros fatores muito
complexos e que não se restringem apenas à economia fazem com que tenhamos que
considerar que estudar economia não é o mesmo que estudar uma ciência natural.
Por isso, temos que ter muito cuidado quando usamos a matemática para descrever
o comportamento econômico, pois a economia não se presta a isso: nenhum modelo
matemático poderá explicar porque você preferiu comprar uma camisa do seu clube
de futebol, ao invés de comprar a de um clube rival.
A Escola Austríaca rejeita o uso da matemática
na economia porque usa o critério hipotético dedutivo (e não o indutivo) e
porque adota o falsificacionismo, em
que formulamos uma teoria com base em argumentos lógicos e consideramos que
essa teoria será correta enquanto não for falsificada pelos fatos do mundo
real. Isso é diferente do método das outras correntes do pensamento econômico,
que usam modelos matemáticos para descreverem o comportamento das pessoas no
mundo real.
Ação, tempo e conhecimento, eis o universo da
economia, caro aluno. Convido você a mergulhar nesse mundo fascinante!
Sugestões de leitura:
Iorio, Ubiratan J. Ação, tempo e conhecimento: a Escola Austríaca de Economia, Instituto
Mises Brasil, 2011, São Paulo, Introdução e caps.1e 2
Wisniewski
Jakub B., Dez motivos por que a Escola
Austríaca é melhor que as escolas convencionais
Rothbard,
M., O individualismo metodológico
Beltrão,
Helio, Como a Escola Austríaca mudou
minha vida para melhor
Woods,
Thomas, Explicando o livre mercado para
um ignorante econômico
Sugestões para reflexão e debate:
1. Por que toda ação é uma escolha?
2. A definição de ação é válida sempre ou admite
exceções?
3. Qual a importância da incerteza para as
escolhas que caracterizam a ação?
4. Comente: "tempo é conhecimento, tempo é
experiência".
5. Defina economia em função dos três conceitos
apresentados.