quarta-feira, 15 ago 2012
A economia e a abolição dos lucros
Aqueles
que desdenham o lucro empreendedorial afirmando que ele é "imerecido" estão na
realidade dizendo que tal lucro foi injustamente deduzido ou dos trabalhadores
ou dos consumidores ou de ambos. Tal é a
ideia por trás do suposto "direito a todo o produto do trabalho" e da doutrina
marxista da exploração. Pode-se dizer
que a maioria dos governos — se não todos — e a imensa maioria de nossos
conterrâneos endossam esta opinião, embora alguns sejam generosos o bastante
para consentir com a sugestão de que uma pequena fração dos lucros deveria de
fato ficar com os "exploradores".
É
inútil discutir a adequação de preceitos éticos. Estes são derivados da intuição; eles são
arbitrários e subjetivos. Não há nenhum
padrão objetivo disponível por meio do qual preceitos éticos possam ser
julgados. Objetivos finais são
escolhidos de acordo com o juízo de valor de um indivíduo. Eles não podem ser determinados por
investigações científicas e raciocínio lógico.
Se um homem diz, "Isto é o que estou objetivando e pouco me importam as
consequências de minha conduta e nem preço que terei de pagar para alcançar
minha meta", ninguém está em posição de oferecer nenhum argumento contra
ele. Mas a questão é se realmente é
verdade que este indivíduo esteja disposto a pagar qualquer preço pela
consecução de seu objetivo estipulado.
Se esta última pergunta for respondida na negativa, então, aí sim,
torna-se possível fazer um exame do assunto em questão.
Se
realmente existissem pessoas genuinamente preparadas para tolerar todas as reais
consequências da abolição dos lucros, estando elas perfeitamente conscientes do
quão perniciosas seriam estas consequências, então não seria possível a ciência
econômica lidar com este problema. Mas
não é isso o que ocorre. Aqueles que
querem abolir os lucros estão na realidade guiados pela ideia de que este
confisco elevaria o bem-estar material de todos os não-empreendedores. Em sua visão de mundo, a abolição dos lucros
não é um objetivo final, mas sim um meio de se alcançar um objetivo específico
— no caso, o enriquecimento dos não-empreendedores.
Se
este objetivo pode realmente ser alcançado pelo emprego deste meio e se o emprego
deste meio irá gerar outros efeitos que podem, para algumas ou para todas as
pessoas, parecer mais indesejáveis do que as condições vigentes antes do
emprego destes meios — estas sim são questões que a ciência econômica de fato
pode examinar.
As consequências da abolição dos lucros
A
ideia de que a abolição dos lucros seria algo benéfico para os consumidores
parte do pressuposto de que o empreendedor deveria ser obrigado a vender seus
bens e serviços a preços que não excedam os custos de produção incorridos. Porém, se isso acontecer, se os preços de
fato ficarem abaixo de seu preço potencial de mercado — isto é, abaixo do
preço que permita auferir lucros —, a oferta disponível de bens e serviços não
mais será suficiente para atender a toda a demanda. Todas aquelas pessoas que querem comprar
determinados bens e serviços aos novos preços não mais encontrarão oferta, pois
não mais será economicamente racional para os empreendedores ofertarem tais
bens e serviços. O mercado se tornará
paralisado pela fixação de preços. Ele
estará incapacitado de alocar produtos aos consumidores. Consequentemente, um sistema de racionamento
terá de ser adotado.
A
ideia de se confiscar o lucro dos empreendedores em benefício dos empregados
não tem como objetivo a real abolição dos lucros. Seu objetivo verdadeiro é tirar os lucros das
mãos dos empreendedores e entregá-los para seus empregados. Sob tal esquema, eventuais prejuízos
incorridos recairiam integralmente sobre o empreendedor, ao passo que todos os
lucros iriam para os empregados.
A
ciência econômica explica que o efeito deste arranjo muito provavelmente seria
o de fazer com que os prejuízos aumentassem e os lucros encolhessem; porém, mesmo
que isso não ocorresse, o fato é que, sob tal arranjo, por definição, a maior
fatia dos lucros não seria poupada e nem seria reinvestida na empresa, mas sim
iria para os empregados, os quais iriam gastar em consumo. Consequentemente, não
haveria capital disponível para a expansão da empresa, para a criação de novos
ramos de produção e para a transferência de capital daqueles setores que — de
acordo com a demanda dos consumidores — devem encolher para aqueles que devem
ser expandidos. Afinal, seria contra os
interesses daqueles que estão empregados em uma determinada empresa ou em um
determinado setor desta empresa restringir o capital ali empregado para
transferir uma parte para outra empresa ou outro setor.
Se
tal esquema houvesse sido adotado no início do século XX, todas as inovações
alcançadas neste período teriam sido impossíveis. Se, em prol do debate, ignorássemos qualquer
referência à questão da acumulação de capital, ainda assim teríamos de consentir
que entregar os lucros para os empregados irá inevitavelmente resultar em
rigidez da atual estrutura de produção, o que irá obstruir e impossibilitar qualquer
ajuste, aperfeiçoamento e progresso.
Com
efeito, tal esquema transferiria a propriedade do capital investido nas
empresas para as mãos dos empregados.
Isto seria equivalente à criação de um sindicalismo revolucionário e
iria gerar todos os efeitos do sindicalismo, um sistema que nenhum autor ou
reformista já teve a coragem de advogar abertamente.
Uma
terceira solução apresentada é confiscar todos os lucros obtidos pelos
empreendedores e transferi-los para o estado.
Um imposto de 100% sobre os lucros cumpriria este objetivo. O que tal medida acarretaria seria
transformar o estado no real proprietário de todas as indústrias e empresas, e
os empreendedores — aqueles que aceitassem esta situação e continuassem empreendendo
— em desleixados e desinteressados administradores destas indústrias e
empresas. Eles não mais estariam
sujeitos à supremacia dos consumidores, pois não mais estariam interessados em agradá-los. Para que se esforçar se
você não poderá reter os frutos do seu esforço?
Eles se tornariam meras pessoas com o poder de fazer o que quiser com a
estrutura de produção de suas indústrias e empresas, pois não mais teriam de se
preocupar com as consequências desta sua negligência.
As
políticas de todos os governos da atualidade que não adotaram o socialismo
completo recorrem a todos estes três esquemas conjuntamente. Os governos confiscam, por meio de várias medidas de
controle de preços e de regulamentações, uma fatia dos lucros potenciais,
supostamente para beneficiar os consumidores.
Eles defendem os esforços dos sindicatos em arrancar, sob o princípio da
"capacidade de pagamento" e da "determinação dos salários", uma fatia cada vez
maior dos lucros dos empreendedores. E
por último mas não menos importante, eles estão decididos a confiscar, por meio
de um imposto de renda progressivo, de impostos sobre a receita total e de
"contribuições" sobre o lucro, uma fatia cada vez maior dos lucros para
destiná-los ao financiamento da burocracia estatal. É facilmente comprovável que, caso estas
políticas continuem se intensificando, elas lograrão, em última instância,
abolir completamente os lucros empreendedoriais. Ou elas são interrompidas e arrefecidas, ou
não mais haverá uma economia capitalista no futuro.
Na
prática, o efeito conjunto da aplicação destas políticas já está hoje gerando
caos. O efeito final será a completa implementação
do socialismo em decorrência da simples perseguição ao ato de empreender. O capitalismo não pode sobreviver à abolição
dos lucros. É o sistema de lucros e
prejuízos o que força os capitalistas a empregarem seu capital da melhor
maneira possível com intuito de satisfazer os consumidores. São os lucros obtidos por meio da decisão
voluntária de consumidores em adquirir determinados bens e serviços o que possibilita a
continuidade da oferta destes bens e serviços aos consumidores. É o sistema de lucros e prejuízos o que gera
excelência na conduta daqueles empreendimentos que estão mais bem capacitados
para satisfazer o público. Se os lucros forem
abolidos, o resultado será o caos.
Os argumentos contra os lucros
Todos
os motivos apresentados em favor de uma política que combata os lucros são
decorrentes de uma interpretação totalmente equivocada do funcionamento de uma
economia de mercado. Os magnatas são
muito poderosos, muito ricos e muito grandes.
Eles abusam de seu poder para o enriquecimento próprio. Eles são déspotas irresponsáveis. O tamanho de uma empresa é proporcional à sua
perversidade. Não há motivos que
justifiquem alguns homens ganharem bilhões enquanto outros são muito
pobres. A riqueza de poucos é a causa da
pobreza das massas. Etc.
Cada
palavra destas veementes acusações é falsa.
Por uma questão de lógica, é impossível aplicar estes adjetivos a
empresas e empreendedores que concorrem entre si em uma economia de mercado
livre e desobstruída, na qual não há regulamentações estatais protegendo
determinadas empresas e não há privilégios concedidos pelo governo. Em economias amarradas por intervenções
governamentais, nas quais os governos escolhem vencedores e perdedores, tais
adjetivos de fato podem ser aplicados, mas, neste caso, e obviamente, não se
trata de uma feição do capitalismo mas sim do intervencionismo estatal.
Em
uma economia de livre mercado, empreendedores simplesmente não têm como ser "déspotas
irresponsáveis". É justamente sua
necessidade de auferir lucros e evitar prejuízos o que dá aos consumidores um
firme controle sobre os empreendedores, forçando-os a atender aos desejos de
consumo das pessoas. No livre mercado,
sem privilégios e proteções estatais, o que torna uma empresa grande e rica é
justamente o seu sucesso em atender satisfatoriamente as demandas dos
compradores. Se os serviços de uma
grande empresa se tornassem piores do que os de sua concorrente menor, não
demoraria muito para que ela fosse reduzida à pequenez. O único agente que pode impedir que uma
empresa grande e ruim definhe e perca espaço no mercado é o governo e seus
subsídios e regulamentações protecionistas.
Da
mesma maneira, no livre mercado, os esforços de um empreendedor em aumentar
seus lucros e enriquecer não prejudicam ninguém. Para ser um real empreendedor, um indivíduo
tem apenas uma tarefa: se esforçar para obter o máximo lucro possível. Lucros altos são a evidência de um bom
serviço prestado perante os consumidores.
Ao se esforçar para aumentar seus lucros, um empreendedor
inevitavelmente terá de melhorar seus serviços prestados. Caso contrário, qualquer melhora será
efêmera. Prejuízos, por outro lado, são
a evidência de que erros graves foram cometidos, e de que houve falhas em se
efetuar satisfatoriamente as tarefas que cabem especificamente a um
empreendedor.
Neste
cenário de livre concorrência, a riqueza de empreendedores bem-sucedidos não é
a causa da pobreza de nenhuma outra pessoa; a riqueza destes é apenas a
consequência do fato de que os consumidores estão mais bem servidos do que
estariam na ausência dos esforços empreendedoriais destas pessoas. O padrão de vida do cidadão comum é maior
justamente naqueles países que possuem o maior número de empreendedores
ricos. Países que possuem poucos
empreendedores ricos possuem um maior número de miseráveis. É do total interesse material de todas as
pessoas que o controle dos meios de produção esteja concentrado nas mãos daqueles
indivíduos que sabem como utilizá-los da maneira mais eficiente possível.
Se
a atual política de perseguir e confiscar a riqueza dos milionários houvesse
sido implementada no início do século XX, tanto o crescimento das indústrias
quanto a produção de bens de consumo de todos os tipos não teria ocorrido. Automóveis, aviões, geladeiras, telefones,
rádios, televisores, aparelhos elétricos e eletrônicos, eletrodomésticos e
centenas de outras inovações menos espetaculares mas ainda mais úteis não teriam
se tornado corriqueiras no mundo atual.
O
assalariado médio, o operário comum, acredita que para manter funcionando a
atual estrutura de produção, para aprimorar e aumentar a produção, não é
necessário mais do que a comparativamente simples rotina de trabalho atribuída
a ele. Ele não percebe que o mero
trabalho exaustivo e rotineiro não é o suficiente. Sua diligência e habilidade seriam qualidades
totalmente vãs caso não houvesse um empreendedor presciente para direcioná-las
para o seu mais importante objetivo e caso não houvesse capital acumulado pelos
capitalistas para auxiliar nesta tarefa.
A
pior ameaça para a prosperidade, para a civilização e para o bem-estar material
dos assalariados é justamente a incapacidade de líderes sindicais, de sindicalistas
em geral e das camadas menos inteligentes dos próprios trabalhadores de
entender e apreciar o papel dos empreendedores e capitalistas na produção. Esta falta de discernimento foi classicamente
demonstrada nos escritos de Lênin.
De
acordo com a visão
de mundo de Lênin, além do trabalho manual do operariado e dos projetos dos
engenheiros, todo o necessário para a produção é simplesmente "o controle da produção
e da repartição", uma tarefa que pode ser facilmente cumprida por "operários
armados". E ele faz uma importante
ressalva: "É preciso não confundir a questão do controle e do recenseamento com
a questão do pessoal técnico, engenheiros, agrônomos etc.: esses senhores
trabalham, hoje, sob as ordens dos capitalistas; trabalharão melhor ainda sob
as ordens dos operários armados".
Adicionalmente,
"essas operações de recenseamento e de controle já foram simplificadas ao máximo pelo capitalismo, que as reduziu às
extraordinariamente simples operações de fiscalização, inscrição e emissão de
recibos, algo que qualquer pessoa que saiba ler, escrever e fazer as quatro
operações de aritmética pode fazer".[1]
Nenhum
comentário adicional é necessário.
A natureza econômica dos
lucros e dos prejuízos
Todo o seu conforto você
deve ao capitalismo e aos ricos
Por que todos deveriam ser a
favor de se diminuir impostos para os "ricos"
[1] Lênin, O
Estado e a Revolução, 1917, capítulo 5, seção 4.