Após
as vitórias sobre a Alemanha na Eurocopa de 2008 e na Copa do Mundo de 2010, há
poucas dúvidas de que os espanhóis são superiores dentro de campos de
futebol. No entanto, embora os espanhóis
tenham tido muito o que comemorar no mundo do futebol nos últimos cinco anos,
sua situação econômica está em um mundo totalmente oposto.
O
desemprego espanhol está hoje na casa dos 23%, sendo que entre os jovens a taxa
é de mais de 50%. Na Alemanha, por outro
lado, apenas 6% da população está sem trabalho, nível este que é praticamente o
menor desde a reunificação. Esta
distinção solidifica a posição da Espanha entre as piores economias do
continente europeu, e a pomposa posição da Alemanha entre as melhores.
Contudo,
tal situação, à primeira vista, pode parecer paradoxal. Por exemplo, se olharmos os salários pagos
nos dois países para as mesmas profissões, iremos descobrir que os espanhóis
cobram menos por sua mão-de-obra — o que, em teoria, significa que ter um
empregado espanhol é bem mais acessível.
Logo, empresas em busca do lucro deveriam estar expandindo seus negócios
na Espanha, se aproveitando das oportunidades que a crise espanhola vem
fornecendo e, ao mesmo tempo, fugindo do alto custo da mão-de-obra alemã.
Embora
concentrar-se nos custos nominais da mão-de-obra possa fornecer um argumento
convincente em prol de um futuro espanhol mais otimista, o fato é que se
analisarmos mais minuciosamente os detalhes, a realidade se torna mais sombria.
Uma
das principais diferenças entre o mercado de trabalho da Alemanha e o da
Espanha está no salário mínimo. Um
espanhol trabalhando em troca de um salário mínimo irá receber aproximadamente €633 por mês. Na Alemanha, por sua vez, não existe política
de salário mínimo. O governo alemão não
impõe um salário mínimo uniforme para toda a economia, embora haja salários
mínimos em profissões isoladas, estabelecidos
por um acordo entre patrões e sindicatos — construção civil, consertos de
telhados e eletricistas.
Os
trabalhadores alemães têm liberdade para negociar seus salários com seus
empregadores, sem nenhuma intervenção governamental. O governo alemão não estipula controles
salariais, algo que nada mais é do que um controle de preços. (Isso não significa que o mercado de trabalho
alemão seja completamente livre e desimpedido — os empregos são cartelizados
por setor, cada um com seus próprios controles salariais. Embora tal cartelização não ajude em nada a
economia alemã, ela ao menos reconhece que uma política de salário mínimo que
estipule um valor único e uniforme para todos os setores da economia não seja
algo ótimo para todo o país.)
Como
um exemplo da postura alemã em relação aos salários, considere a situação de um
operário da construção civil. No leste
da Alemanha, este operário ganharia um salário mínimo de aproximadamente €9 por hora. Seu congênere no oeste da Alemanha ganharia
um valor consideravelmente maior — de aproximadamente €11 por hora. Esta diferença permite que as desigualdades
de produtividade entre os dois operários sejam precificadas separadamente, ou
que as condições locais de oferta e demanda influenciem os salários. Trabalhar oito horas por dia, cinco dias por
semana, irá render a um operário algo entre €360 e €440
por semana, dependendo de onde ele esteja.
Isso dá algo entre €1440
e €1760 por mês.
É
óbvio, portanto, o salário semanal da Alemanha é quase o mesmo valor de um
salário mensal na Espanha. O que é menos
óbvio é por que os empresários alemães não levam suas indústrias para a
Espanha, cujo valor da mão-de-obra é bem menor.
Como
diz um velho ditado,
"quanto mais dispendiosa for a sua demissão, mais dispendiosa será a sua
contratação". Se uma empresa espanhola
decidir demitir um empregado, os custos relacionados à indenização (um finiquito em espanhol) para a maioria
dos contratos trabalhistas serão equivalentes a 32 dias para cada ano que o empregado trabalhou na empresa. Embora um procedimento de demissão também não
seja simples na Alemanha, lá não há a exigência legal de indenização para
empresas que queiram dispensar empregados desnecessários. O único requisito é que seja dado um aviso
prévio, algumas vezes de
até seis meses. Se uma empresa
espanhola contratar um empregado que acabe se revelando não tão qualificado
quanto havia sido imaginado, haverá um substancial custo apenas para se dispensar
este empregado. Os empregadores sabem
disso, e, sendo assim, agem com extrema cautela e parcimônia ao contratar novos
empregados — qualquer erro de julgamento custará bem caro.
Estes
fatores tornam o custo percebido ou esperado da mão-de-obra espanhola várias
vezes maior do que a alemã, não obstante o custo nominal dos salários em euros
ser menor na Espanha. Este efeito foi
acentuado desde a adoção da moeda única há mais de dez anos. Como podemos ver no gráfico abaixo, o custo
médio da mão-de-obra alemã manteve-se praticamente estável desde 2000, ao passo
que o custo da mão-de-obra espanhola aumentou aproximadamente 25%
durante este mesmo período.

Ao
se contratar um empregado, o salário nominal representa apenas metade da
história. O empregador também tem de
saber quão produtivo este empregado será.
Mesmo depois de se considerar os custos extras impostos pelo governo
espanhol sobre a folha de pagamento, um trabalhador alemão pode ainda continuar
sendo mais custoso. Ainda assim, uma
empresa optaria por contratar este empregado alemão caso sua produtividade
fosse maior.
E,
como podemos ver nas duas figuras abaixo, ao longo da última década, surgiu uma
grande discrepância entre os dois países.
Enquanto a produtividade na Alemanha cresceu em ritmo semelhante ao
aumento nos custos da mão-de-obra, a história espanhola foi bem diferente. A produtividade espanhola tornou-se bastante
defasada em relação aos custos trabalhistas, o que significa que, em termos
reais, a mão-de-obra espanhola está bem mais cara hoje do que estava há apenas
dez anos.

Em
seu livro A Tragédia do Euro,
Philipp Bagus menciona um fenômeno similar.
Bagus mostra que as duas principais fontes geradoras de desequilíbrio
são o aumento nos custos trabalhistas em decorrência da inflação monetária da
zona do euro e as distintas taxas de produtividade entre os países. Com efeito, a inflação foi uma das causas do
crescente (e desestabilizador) aumento dos salários nos países periféricos da
Europa, principalmente na Espanha.
Outras causas, como observado aqui, foram o salário mínimo, os fardos
regulatórios, e as leis trabalhistas de indenização, que aumentam o custo
latente da mão-de-obra.
Em
qualquer caso, o efeito é o mesmo: salários não necessariamente refletem a
produtividade da mão-de-obra, mas sim as regulamentações que restringem esta
produtividade. Na Espanha, isto se
traduz em salários pouco competitivos. É
importante relembrar, no entanto, que isso não significa que a mão-de-obra em
si seja necessariamente pouco competitiva — ela é, afinal de contas,
dependente do preço.
Qualquer
bem tem seu preço, inclusive a mão-de-obra.
Quando os preços são impedidos de flutuar livremente, de maneira a
equilibrar o mercado, surgem vários desequilíbrios. No mercado de trabalho, estes desequilíbrios
resultam em pessoas desempregadas.
Políticas como as de um salário mínimo uniforme para toda a economia e
leis trabalhistas que impõem pesadas indenizações para empresas que demitem
empregados ajudam a fazer com que o preço da mão-de-obra espanhola esteja acima
do valor de livre mercado.
Enquanto
não for feito algo que atenue estas políticas, a mão-de-obra espanhola irá
permanecer precificada em níveis pouco competitivos. Enquanto os custos trabalhistas espanhóis não
puderem ser reajustados para níveis mais competitivos, as massas espanholas
terão de resistir a opressivos níveis de desemprego.
Colaborou para este artigo Carolina Carmenes Cavia, que estuda
comércio exterior na St. Louis University, campus de Madri, Espanha.