segunda-feira, 21 out 2013
Que a
vida social dos homens se assemelhe ao processo biológico é uma observação que
vem de antiga data. A comparação com o
organismo biológico deveria ter ensinado à sociologia uma coisa: assim como um
organismo só pode ser concebido como sendo um sistema de órgãos, um arranjo
social só pode ser concebido como sendo um sistema composto por indivíduos. E isto significa apenas que a essência de um
organismo é a divisão do trabalho
Somente a divisão do trabalho faz com que as partes se tornem membros; é
nesta colaboração entre os membros que reconhecemos a unidade do sistema, o
organismo. Isto vale tanto para a vida
das plantas e dos animais quanto para a sociedade. No que tange ao princípio da divisão do
trabalho, o corpo social pode ser comparado ao biológico. A divisão do trabalho é a tertium comparationis (base para comparação)
desta analogia.
A divisão
do trabalho é um princípio fundamental para todas as formas de vida. A primeira vez que ela foi detectada na
esfera da vida social foi quando economistas políticos enfatizaram o
significado da divisão do trabalho para a economia social. Subsequentemente, a biologia adotou este
conceito, inicialmente sob a exortação de Milne Edwards em 1827. O fato de que podemos considerar a divisão do
trabalho como sendo uma lei geral não significa, entretanto, não devemos
reconhecer as diferenças fundamentais entre, de um lado, a divisão do trabalho
nos organismos animais e vegetais, e, de outro, a divisão do trabalho na vida
social dos seres humanos.
Independentemente
de como imaginemos ser a origem, a evolução e o significado da divisão fisiológica do trabalho, o fato é que
ela claramente não joga nenhuma luz sobre a natureza da divisão sociológica do trabalho. O processo que diferencia e integra células
homogêneas é completamente diferente daquele que leva ao crescimento da
sociedade humana formada por indivíduos autossuficientes. Neste último processo, a razão e a vontade
desempenham suas funções na aglutinação, por meio da qual unidades até então
independentes formam uma unidade maior e se tornam partes de um todo, ao passo
que a intervenção de tais forças naquele primeiro processo é inconcebível.
Mesmo
quando criaturas como formigas e abelhas se agrupam em "comunidades animais",
todos os movimentos e mudanças ocorrem instintivamente e
inconscientemente. O instinto pode
perfeitamente ter operado também nos primórdios da formação social. O homem já é membro de um corpo social quando
ele surge como uma criatura racional e munida de vontades e desejos, pois é
inconcebível para o homem racional ser um indivíduo solitário. "É somente entre os homens que o homem se
torna um homem" (Fichte). O desenvolvimento da razão humana e o
desenvolvimento da sociedade humana são exatamente o mesmo processo. Todo o crescimento subsequente das relações
sociais será totalmente uma questão de desejo.
A sociedade é o produto da razão e da vontade. Ela não existe fora da razão e da
vontade. Sua existência está dentro do
homem, e não no mundo externo. Ele é
projetada de dentro para fora.
Sociedade
é cooperação; é comunidade em ação.
Dizer que
a Sociedade é um organismo significa dizer que a sociedade é formada pela
divisão do trabalho. Para fazer justiça
a esta ideia, devemos levar em conta todos os objetivos que os homens se impõem
e os meios pelos quais tais objetivos devem ser alcançados. A divisão do trabalho inclui todas as interrelações
entre homens racionais munidos de vontade.
O homem moderno é um ser social.
Não apenas um ser cujas necessidades materiais não poderiam ser supridas
caso vivesse em completo isolamento, mas também um ser que alcançou um
desenvolvimento de suas faculdades racionais e perceptivas que teria sido
impossível fora do contexto da sociedade.
O homem é inconcebível como um ser isolado, pois a humanidade existe
somente como fenômeno social, e a humanidade transcendeu o estágio da
animalidade somente quando a cooperação expandiu as relações sociais entre os
indivíduos. A evolução do animal humano
para o ser humano foi possibilitada e alcançada única e exclusivamente por meio
da cooperação social. E aí jaz a
interpretação da máxima de Aristóteles, que diz que o homem é o ser vivo
político.
A divisão do trabalho como o princípio do
desenvolvimento social
Ainda
estamos longe de entender o supremo e mais profundo segredo da vida, o princípio
da origem dos organismos. Quem sabe se
um dia iremos realmente descobrir? Tudo
o que sabemos hoje é que, quando os organismos são formados, algo que até então
não existia passa a existir em decorrência da ação de indivíduos. Organismos vegetais e animais são mais do que
um conglomerado de células únicas, e a sociedade é mais do que a soma dos
indivíduos que a compõem. Ainda não
entendemos por completo toda a significância deste fato. Nossos pensamentos ainda estão limitados pela
teoria mecânica da conservação da energia e da matéria, a qual não é capaz de
nos dizer como um pode virar dois. Aqui,
novamente, se quisermos ampliar nosso conhecimento acerca da natureza da vida,
compreender como funciona a organização social terá de preceder o entendimento
da organização biológica.
Historicamente,
a divisão do trabalho se originou em dois fatores da natureza: a desigualdade
das capacidades e habilidades humanas, e a variedade das condições externas da
vida humana na terra. Estes dois fatos
são, na realidade, um só: a diversidade da natureza, a qual não se repete mas
cria o universo em variedade infinita e inexaurível. O critério especial de nossa investigação, no
entanto, a qual é dirigida para o conhecimento sociológico, nos permite tratar
estes dois aspectos separadamente.
É óbvio
que, tão logo a ação humana se tornou consciente e lógica, ela certamente foi
influenciada por estes dois fatores.
Eles, com efeito, se combinaram quase que como para forçar a divisão do
trabalho sobre a espécie humana. Jovens
e velhos, homens e mulheres, crianças e adultos, todos cooperam entre si ao
fazerem os melhores usos possíveis de suas várias habilidades. Aqui está também o germe da divisão
geográfica do trabalho: o homem vai à caça e a mulher vai à fonte para buscar
água. Fossem as habilidades e a força de
todos os indivíduos, bem como as condições externas de produção, idênticas em
todos os lugares, a ideia da divisão do trabalho jamais poderia ter
surgido. Sob essas condições, o homem,
por si só, jamais teria tido a ideia de fazer com que sua luta diária pela sobrevivência
fosse facilitada pela cooperação gerada pela divisão do trabalho. Nenhuma vida social poderia ter surgido entre
homens de iguais capacidades e habilidades em um mundo que fosse
geograficamente uniforme.
Talvez os
homens iriam se agrupar para assim conseguir lidar com aquelas tarefas que
estivessem além de suas forças individuais; porém, tal tipo de aliança não
forma uma sociedade. As relações que ela
cria são transientes, e duram somente enquanto durar a ocasião criada por ela. Sua única importância na origem da vida
social é que ela cria uma reaproximação, uma reconciliação, entre homens, o que
traz consigo o reconhecimento mútuo da diferença que existe entre as
capacidades naturais de cada indivíduo, propiciando assim o surgimento da
divisão do trabalho.
Uma vez que
o trabalho foi dividido, a própria divisão exerce uma influência
diferenciadora. O fato de o trabalho ser
dividido possibilita um maior aperfeiçoamento do talento individual, o que por
si só já faz com que a cooperação seja ainda mais produtiva. Por meio da cooperação, os homens são capazes
de alcançar aquilo que estaria além de suas capacidades enquanto indivíduos, e
até mesmo o trabalho que um indivíduo é capaz de realizar sozinho se torna mais
produtivo. Porém, tudo isto só pode ser
entendido em toda a sua complexidade quando as condições que governam o aumento
da produtividade sob a cooperação são especificadas com precisão analítica.
A teoria
da divisão internacional do trabalho é uma das mais importantes contribuições
da Economia Política Clássica. Ela
mostra que, enquanto os movimentos de capital e mão-de-obra entre países forem
proibidos (por qualquer motivo), serão os custos de produção comparativos, e
não absolutos, que governarão a divisão geográfica do trabalho.[1] Quando o mesmo princípio é aplicado à divisão
pessoal do trabalho, percebe-se que o indivíduo se beneficia ao cooperar não
somente com pessoas superiores a ele em determinadas capacidades, mas também
com aquelas que são inferiores a ele em absolutamente todos os aspectos relevantes.
Se, em
decorrência de sua superioridade em relação a B, A precisa de três horas de
trabalho para produzir uma unidade de mercadoria p, e B precisa de 5 horas, e
para a produção da mercadoria q A gasta duas horas e B, quatro, então A irá se
beneficiar caso concentre todo o seu trabalho na produção de q e deixe a
produção de p por conta de B. Se cada um
dedicar sessenta horas à produção tanto de p quanto de q, o resultado do
trabalho de A será 20p + 30q, e o de B será 12p + 15q. Em conjunto, a produção de ambos será de 32p
+ 45q.
Se, no
entanto, A se concentrar exclusivamente na produção de q, ele irá produzir
sessenta unidades em 120 horas, ao passo que B, caso se concentre
exclusivamente na produção de p, irá produzir neste mesmo período vinte e quatro
unidades. O resultado desta divisão do
trabalho, portanto, será 24p + 60q, o que significa que — dado que p tem para
A um valor de substituição de 3 : 2q e para B um de 5 : 4q — a produção foi
maior do que para 32p + 45q.
Portanto,
torna-se óbvio que toda e qualquer expansão da divisão pessoal do trabalho gera
vantagens para todos aqueles que participam dela. Aquele que colabora com os indivíduos menos
talentosos, menos capazes e menos laboriosos obtém a mesma vantagem do que o
homem que se associa àqueles mais talentosos, mais capazes e mais
laboriosos. A vantagem trazida pela
divisão do trabalho é mútua; ela não é limitada ao caso em que se faz um
trabalho que um indivíduo sozinho jamais seria capaz de realizar.
A maior
produtividade gerada pela divisão do trabalho é uma influência
unificadora. Ela leva os homens a
considerar seus semelhantes como colegas em sua batalha conjunta para a
melhoria de seu bem-estar. Ele não os vê
como concorrentes em um conflito pela própria sobrevivência. Ela faz com que inimigos se tornem amigos,
transforma guerra em paz e possibilita que indivíduos vivam pacificamente em
sociedade.
Este artigo foi extraído do capítulo 18 do livro Socialism — an economic and sociological analysis
[1] Ricardo, Principles
of Political Economy and Taxation, pp. 76 ff.; Mill, Principles of
Political Economy, pp. 348 if.; Bastable, The Theory of
International Trade, 3rd ed. (London, 1900), pp. 16 ff.