segunda-feira, 5 mar 2012
O
presidente do IMB, Helio Beltrão, concedeu uma entrevista ao Instituto
Millenium. Dentre os assuntos abordados, crise mundial, desregulamentação
da economia, capitalismo, governo Dilma, eleições americanas, mobilização
social, controle estatal e Internet.
Instituto
Millenium: Recentemente o senhor participou de um debate
sobre o filme "Trabalho Interno",
que faz um panorama da crise financeira. Na visão do diretor, a crise de 2008 foi um
episódio evitável, fruto da desregulamentação, falta de controle público e de
um sistema corrupto. Concorda com essa visão?
Helio
Beltrão — Não concordo. Na verdade,
ele elenca dois temas para sua teoria. O primeiro é a desregulamentação foi a
causa primária da crise — do qual eu discordo em parte e vou explicar por quê.
E a outra tese é a de que a
ganância gera destruição para todos, algo que discordo completamente.
É
muito difícil afirmar que a desregulamentação tenha causado a crise, pois o
setor financeiro é o mais regulamentado e estatizado de todos. O setor financeiro começa, em primeiro lugar,
pelo dinheiro que podemos usar: somente aquele feito pela nossa Casa da Moeda e
nenhum outro. E o Banco Central tem o
controle dos juros da economia como um todo. Por isso, a cada 45 dias, ficamos esperando a
decisão que vem lá do BC, o qual, como o próprio nome diz, é um sistema
altamente centralizado no governo.
Então,
dado que se trata de um sistema que trabalha com todo esse grau de estatismo —
que é o mais alto entre os setores que eu conheço (exceto os setores que o
governo estatizou integralmente para si próprio) —, é realmente difícil dizer
que a desregulamentação tenha causado o problema, mesmo porque há outro lado da
regulamentação que é gigantesco e que pode perfeitamente explicar o problema.
Ademais,
se existe todo esse grau de estatismo e o banqueiro faz besteira e quebra, o BC
vai salvá-lo; se ele faz as coisas certas, ele fica com o dinheiro — ou seja,
o lucro é privado, mas o prejuízo e socializado. É claro que em um sistema com esse tipo de
incentivo, os banqueiros serão mais irresponsáveis que o normal e haverá
incentivo para fazer um monte de besteira. Então, em tese, parece até razoável que você
controle o que esses banqueiros podem ou não fazer. Eu discordo do conceito geral de
regulamentação, mas, dado que tudo está centralizado e, ainda por cima, dado
que se esses banqueiros fizerem besteira, a gente é que vai pagar, então vamos determinar,
pelo menos, como esses caras podem operar.
Nos
Estados Unidos é diferente do Brasil. Aqui,
se um banco quebra, em tese, os gestores são demitidos e os acionistas têm que
fazer o pagamento de todos os seus compromissos com seu patrimônio pessoal. Lá nos Estados Unidos, se o banco quebra, quebrou
e pronto; os gestores não são responsáveis pessoalmente, a menos que haja
negligência grave. E os acionistas tampouco
têm responsabilidade. Então, como
mencionei, faz mais sentido nesse cenário totalmente estatizado que se tenha um
maior controle sobre o que esses caras podem ou não fazer, pois um eventual
prejuízo vai ficar conosco.
Imil:
Neste que é um ano de eleições presidenciais nos Estados Unidos, qual a
expectativa, principalmente para a economia?
Beltrão
— Acho que não muda muito com a eleição nos EUA, não. Minha impressão é que o Obama continua com a
maior chance de ser reeleito. O grau de
discricionariedade do presidente, do executivo, para implementar programas que
pareçam estar funcionando ou mesmo que sejam favoráveis a um determinado grupo
de interesses (aposentados, pessoas que necessitam de assistência de saúde etc.)
permite um certo populismo que tende a fazer com que ele seja reeleito.
E
mesmo que não seja, o candidato mais provável pelo partido Republicano, Mitt Romney,
não é tão diferente do Obama. Nenhum dos
dois parece estar comprometido com a redução do tamanho do governo, com a
diminuição das regulamentações sobre a economia, algo que, em minha opinião,
faria com que os EUA voltassem a crescer de forma sustentável. Isto é, precisariam arrumar uma forma de pagar
as dívidas que o governo tem, e que só fazem aumentar. O endividamento americano, só no governo
Obama, duplicou em relação a todo endividamento de toda a história dos Estados
Unidos: começou com U$ 6,5 trilhões de endividamento e hoje já está em cerca de
U$ 13 trilhões.
Enquanto
continuar assim — e não acredito que ele ou Mitt Romney tenham vontade de
realmente lidar com a questão do endividamento público —, a economia americana
vai patinar, não tem jeito. Para a
economia americana se soltar é preciso diminuir o nível de alavancagem do
sistema, diminuir a dívida do governo americano, desregulamentar e permitir que
o empreendedor possa empreender mais.
Mas
isso não está parece estar em vias de acontecer; tampouco parece que vai haver
uma crise ainda maior no curto prazo, neste ano de 2012, ou em 2013. Creio que em algum momento virá uma crise mais
severa, mas eles estão comprando tempo, implementando essas políticas
paliativas, como injeção de dinheiro no sistema, baixa de juros etc. Mas isso só empurra com a barriga o dia da
conta, que inevitavelmente vai chegar. Não
acredito que esse ano ou ano que vem seja o dia do juízo final para essa conta,
creio que leva mais uns dois ou três anos.
Mas a crise que virá será ainda pior que a crise de 2008.
Imil
— E no Brasil, no segundo ano de governo Dilma, qual a expectativa?
Beltrão
— Creio que o Brasil vem tendo algum sucesso desde 94/95, quando os
políticos foram forçados a fazer um ajuste nas contas públicas, na inflação, no
câmbio etc., porque ninguém aguentava mais aquela inflação desenfreada, aquele
completo descontrole do governo que causava enormes incertezas e prejuízos ao
setor privado. Finalmente, então, eles
foram obrigados a fazer esse ajuste em três variáveis. Em primeiro lugar na inflação, ou seja, não mais
ter uma inflação alta. Em segundo, nas
contas públicas, ou seja, o governo não gastar mais do que arrecada
descontroladamente — eles continuam gastando mais do que arrecadam, mas não
descontroladamente. E finalmente, no
balanço de pagamentos, no qual tínhamos perdas de reservas que obrigavam o
governo a fazer sucessivas maxidesvalorizações cambiais para evitar novas
perdas de reservas. Com o câmbio
flutuante, isso foi minimizado.
Grosso
modo, foi isso que permitiu que o Brasil sofresse relativamente pouco com a
crise, e é hoje o tripé fundamental para continuarmos a ter essa resiliência. Eu vejo esse tripé com preocupação: a inflação
está bastante alta — 6,5% no IPCA, e outros indicadores estão em cerca de 10%
ou até mais —, e nas contas públicas — embora aquelas mais importantes, como
o superávit primário, o déficit nominal e a dívida liquida pública pareçam
estar comportadas —, o governo está recorrendo ao artifício de usar o BNDES para
fazer gastos.
Eles
chamam tais gastos de investimentos, mas são dispêndios e esses dispêndios não sabemos
de antemão se serão bons ou ruins; só saberemos no futuro. Isso, numa contabilidade conservadora,
normalmente seria quantificado como déficit ou despesa. Então, todo esse dinheiro que está sendo
carreado para o BNDES não aparece na contabilidade oficial, e eles estão usando
esse dinheiro para financiar os programas dos amigos do rei. Portanto, essa é uma grande preocupação.
No
caso do câmbio, não vejo preocupação, mas essas duas variáveis anteriores são
muito importantes e me preocupam muito. Acho
que temos que monitorar, ficar de olho para ver se realmente isso vai continuar
e se haverá ou não uma baixa da inflação, com o Banco Central agindo decisivamente
para conter a inflação. No entanto, ao
contrário, ele está reduzindo juros, que foi o que aconteceu na véspera da
crise de 2008 nos países envolvidos com a crise. Nosso Banco Central está fazendo parecido. Enquanto o cenário continuar, permanecerei
preocupado. Espero que eles tomem jeito
e voltem ao conservadorismo fiscal e monetário que fizeram com que a gente
tivesse esse relativo sucesso até agora.
Imil:
Em um artigo recente,
o senhor aponta que os protestos online inspiraram levantes reais pelo mundo e que,
ao mesmo tempo, os governos têm se mostrado mais autoritários. Este autoritarismo e também os crescentes
protestos teriam alguma relação com o momento econômico? E qual a sua opinião sobre os projetos de lei
que tramitaram no Congresso norte-americano e visavam a controlar o fluxo de
conteúdo na Internet?
Beltrão: Não
há dúvida de que há um nível de inquietação enorme com a crise, que afetou bancos;
e quando os governos não deixaram os bancos falirem, passou a afetar os
próprios governos que salvaram os bancos. Quando o governo chega a um nível de
endividamento muito alto, isso sai do controle, pois é necessário que o governo
aumente impostos ou reduza gastos drasticamente para fazer frente a essa nova
dívida. E isso gera um problema na
economia, principalmente quando se aumentam os impostos ou simplesmente se
deixa a dívida crescer. Isto gera uma
série de protestos, como vimos na Grécia.
E
tudo isso mostra que as populações não têm mais paciência com esse imobilismo
governamental em não atacar as causas do problema. Então, sem dúvida, a crise financeira tem uma
enorme correlação com os protestos mundo afora; e arrisco-me a dizer que os governos
estão preocupados com os protestos em geral e procurando artifícios para coibir
o meio que é a Internet, a qual está sendo utilizada em grande escala para as
pessoas se mobilizarem. A Internet em si
não faz nada, ela é apenas um meio, mas que está sendo muito eficazmente
utilizado para canalizar a insatisfação.
Os
governos têm medo do que isso possa gerar e estão arrumando artimanhas para
censurar a Internet. Um exemplo são
essas iniciativas como o SOPA
e o PIPA. Como escrevi neste artigo mencionado, sempre
há uma intenção que parece boa, mas por trás da qual há outras coisas em jogo.
Neste
caso, a intenção proclamada é impedir a cópia e a pirataria, mas na verdade o
governo passa a utilizar os provedores de informação, os nós centrais, para
fazer esse serviço de "Big Brother" pra eles. Eles dizem: "Se por acaso houver alguém aí
usando alguma frase, imagem, qualquer coisa que não seja original ou não se detenha
os direitos, eu posso lhe multar. Eu
peço todas as informações e você tem de me dar, e posso inclusive fechar seu
site." Um governo que tem esse poder,
essa ingerência tão grande nos nós-chaves da Internet, é um governo que é efetivamente
um "Big Brother" — e do pior tipo, aquele que usa agentes terceiros.
Como
no fascismo, o governo deixa a iniciativa privada atuar, mas só fazendo o que o
governo permitir. Isso me remete um
pouco ao fascismo no seguinte sentido: o governo passa a ter o controle efetivo
sobre todo o conteúdo online, e faz isso não apenas com a desculpa inicial de
proteger a propriedade intelectual, mas sim, e efetivamente, para censurar, que
é certamente o que eles desejam também. Este
é o perigo.
Vimos
com bastante alívio como a mobilização contra esse primeiro ato, o SOPA, foi
tão grande que eles foram obrigados a recuar momentaneamente — é claro que, assim
como a nossa extinta CPMF que tentam ressuscitar o tempo todo —, eles tentarão
ressuscitar o SOPA sob outro formato; mas o fato é que sofreram uma derrota
inicial grande. Temos de tomar muito
cuidado com o que vem por aí, especialmente porque tudo o que acontece lá fora,
em geral, o Brasil ou é obrigado a seguir — porque são normas, tratados etc. —
ou tende a imitar. Essa discussão é
muito importante, é uma grande guerra e pelo menos essa primeira batalha a Internet
ganhou. Temos de continuar acompanhando
muito atentamente.
Imil:
Neste mesmo artigo, o senhor aponta que é um mito acreditar que a rede estaria
acima dos governos e que não haveria motivos para se preocupar com a censura na
Internet por esta ser um meio livre por definição. Também aponta que "uma eventual sonolência da população
significará a lenta e contínua perda dos benefícios que temos obtido com o
fluxo livre de ideias e informação via Internet". O que o cidadão precisa saber sobre isso e o
que ele deve fazer para evitar essas ideias que dão origem a projetos de lei
como estes?
Beltrão
— A primeira parte desta pergunta é uma coisa que muita gente fala sem
conhecimento: "Não tem como ser censurado porque a Internet é tecnologia nova,
as pessoas conseguem sempre driblar, por exemplo, via proxy services,
atalhos etc." Isso, se for verdade, é só parcialmente verdade. Porque o governo, quando passa uma lei, determina
que você pode ser preso; e qualquer pessoa que corra o risco de ser preso vai
pensar dez vezes.
As
leis que estão sendo propostas têm um poder destrutivo gigantesco,
principalmente porque são feitas em alianças entre governos — e, certamente, o
Brasil estará envolvido nessas discussões. Ou seja, eles não vão fechar o cerco somente
nos EUA, e sim no mundo inteiro. Isso é
um problema grave e não podemos nos iludir pensando que brincar de "nerd" vai
fazer com que driblemos esse tipo de lei.
O
que precisamos fazer é estar cientes do que acontece e agir nesse sentido: é
ler o Millenium, o Mises, acompanhar o que está acontecendo, usar as mídias
sociais para retuitar, rebater as coisas que você aprender, acompanhar e
entender qual é a discussão em curso.
Acredito
que a Internet mudou o mundo e estão tentando tirá-la parcialmente de nós. Não
podemos deixar isso acontecer. Mas isso
passa por mobilização e educação. O
máximo que posso recomendar é que as pessoas acompanhem, leiam bastante e
decidam por elas próprias o que fazer.