Este artigo é uma síntese
da terceira parte do capítulo V do livro Moeda, Crédito Bancário
e Ciclos Econômicos, de Jesús Huerta de Soto.
A
criação de dinheiro pelo sistema bancário e sua materialização através de
créditos concedidos via sistema de reservas fracionárias (criação de crédito
artificial) produz na estrutura produtiva efeitos iniciais bastante similares ao aumento de crédito
via poupança prévia voluntária. No
entanto, esse aumento artificial de crédito não diminui a demanda final de bens
de consumo, diminuição esta que liberaria recursos para a manutenção dos
diferentes agentes econômicos durante os processos produtivos. A expansão artificial do crédito impulsiona um
processo de desajuste ou descoordenação entre o comportamento dos agentes
econômicos, gerando um exemplo típico de indução a um erro de cálculo econômico
ou estimativa por parte dos empreendedores.
A
descoordenação se manifesta, primeiramente, no surgimento de um período de
grande otimismo em virtude do fato de os agentes se sentirem capazes de ampliar
a estrutura produtiva sem o sacrifício de algum consumo — necessário para
gerar poupança — e acúmulo prévio de capital, pois a expansão creditícia tem o
efeito de fazer parecer que houve um aumento na oferta de bens presentes, os
quais passam a ser demandados devido às taxas de juros artificialmente mais
baixas. Consequentemente, a movimentação
da renda nas etapas produtivas (oferta e demanda de bens presentes), bem como a
renda nominal em um período considerado, também é alterada.
Embora
ocorra esse aumento inicial na atividade econômica e otimismo fruto da expansão
creditícia artificial, tal situação é anômala e, portanto, insustentável. Existem mecanismos microeconômicos que interrompem
e revertem essa descoordenação "macroeconômica". Tais mecanismos existem em função da reação
espontânea do mercado frente à expansão creditícia artificial, pois toda
agressão ao processo social — na forma de intervenção governamental, coação
sistemática, manipulação de indicadores essenciais ou concessão de privilégios
que ferem os princípios tradicionais do direito — dá lugar espontaneamente a
processos de interação social que, movidos precisamente pela capacidade
coordenadora da função empreendedorial, tendem a interromper e reverter a
descoordenação e os erros cometidos. Vejamos quais são estes mecanismos:
a) Aumento de preço dos
fatores de produção — ocorre devido a duas causas distintas que se reforçam
mutuamente. Por um lado, a maior demanda
monetária por recursos originários (trabalho e recursos naturais) efetuado
pelos capitalistas; por outro, a menor oferta dos fatores originários, pois não
ocorreu a poupança voluntária prévia que os liberou. O efeito conjunto, como não poderia ser
diferente devido à interação entre oferta e demanda de fatores, é o progressivo
aumento de preços no mercado desses fatores, o qual tende a se acelerar como
resultado da concorrência entre os próprios empreenddores das diferentes etapas
(e que é sustentado pelo crédito artificial disponível, que possibilita aos
empreendedores pagar mais para conseguir os fatores escassos);
b) Posterior aumento nos
preços de bens de consumo — os preços de bens de consumo aumentam de forma
relativa em comparação ao aumento de preço dos fatores originários pelos
seguintes motivos combinados:
1. crescimento
da renda dos fatores originários de produção descrito anteriormente, o que
causa um crescimento da demanda monetária por bens de consumo;
2. uma relativa demora na produção
de mais bens de consumo final em função do aumento e da criação de novas etapas
de produção;
3. devido à distorção do
cálculo econômico, os empreendedores tendem a calcular seus custos em função do
custo histórico e da capacidade aquisitiva de fatores a níveis anteriores ao início
do processo inflacionário. Isso leva ao
surgimento aparente de bonança empresarial, pois a receita nominal aumentou mas
os custos seguem aparentemente estáveis.
c) Aumento relativo dos
lucros das empresas das etapas mais próximas do consumo final — o preço dos bens das
etapas intermediárias aumenta de forma mais lenta que os preços dos bens de
consumo final, o que se reflete no aumento dos lucros aparentes das empresas
deste setor. Além disso, os preços dos
bens intermediários experimentam um aumento menor que o aumento dos custos de
produção. Essa combinação inicia um
movimento espontâneo dos empreendedores para reconsiderar seus investimentos,
retirando recursos de projetos mais intensivos em capital e redirecionando-os
para projetos mais próximos ao consumo final;
d) Fim do Efeito Ricardo —
o
aumento de preço de bens de consumo mais que proporcional à renda dos fatores
originários causa a queda do salário real. Isto é o contrário do Efeito Ricardo e todas
as suas consequências. Os empreendedores
tendem, assim, a substituir capital por trabalhadores, reduzindo ainda mais demanda
por bens de capital, o que acaba por agravar a latente diminuição dos lucros
descrita no item anterior;
e) Aumento das taxas de
juros dos créditos artificiais a um nível até superior ao que vigente antes da
expansão — o
aumento se dá pelo efeito combinado dos seguintes fenômenos:
1. Incorporação das
expectativas inflacionárias (ou perdas de poder aquisitivo da moeda nos
empréstimos), causadas pela expansão creditícia artificial;
2. Os empreendedores, na
medida em que já comprometeram importantes recursos em novos projetos de
investimento, estarão dispostos a pagar taxas de juros mais altas se os
créditos lhes proporcionarem a possibilidade de terminar os projetos —
projetos estes que foram iniciados insustentavelmente em função da distorção do
cálculo econômico.
f) Surgimento de prejuízos
nas empresas relativamente mais distantes das etapas de consumo final: o inevitável
surgimento da crise — a combinação dos efeitos anteriormente descritos resulta em
prejuízos das empresas mais distantes do consumo final, fazendo-se necessário o
encerramento dos projetos insustentavelmente empreendidos, retirando recursos
das etapas mais distantes e redirecionando-os novamente para as etapas mais
próximas do consumo final, as quais agora são relativamente mais viáveis
economicamente. É o início da reestruturação da estrutura produtiva — ou seja,
a recessão econômica.
A crise se manifesta, em resumo, por falta de poupança prévia e por investimentos
errôneos e insustentáveis, pois a expansão creditícia artificial induziu os
empreendedores a um erro no cálculo econômico. Como resultado, numerosas fábricas encerram
suas atividades, especialmente aquelas mais distantes das etapas de consumo
final, o que provoca a demissão de muitos trabalhadores. A sociedade é tomada pelo pessimismo e pela
idéia de que se entrou em uma inexplicável crise econômica pouco tempo depois
de um acentuado período de otimismo.
A crise faz com que a estrutura produtiva volte ao seu normal. Ela se torna mais curta (em função tanto da
destruição de etapas como da redução do tamanho de etapas existentes), menos
intensiva em capital e, consequentemente, com uma menor produção de bens e
serviços. Ainda que a renda nominal
continue igual à época da expansão creditícia artificial, sua distribuição
variou em favor das etapas próximas ao consumo final.
Essa estrutura produtiva que resulta após o reajuste não pode continuar
sendo igual à que precedia a expansão creditícia artificial, pois as
circunstâncias mudaram sensivelmente. Houve
um irreversível consumo de capital, o que provoca uma diminuição na quantidade
de capital per capita, na produtividade do trabalho e nos salários em termos
reais.
Portanto, não existe nenhuma possibilidade teórica de que uma expansão de
crédito bancário que não seja respaldada por poupança prévia permita reduzir os
necessários sacrifícios que o crescimento econômico exige. Como foi dito, toda agressão ao processo
social dá lugar espontaneamente a processos de interação social que tendem a interromper
e reverter a descoordenação e os erros cometidos. Esta reversão, a recessão econômica, é
benéfica no sentido de realocar os recursos escassos a projetos mais
prioritários, possibilitando assim a retomada do crescimento econômico.
No entanto, como a recessão não é desejável politicamente para os
governantes, eles lançam mão de novas rodadas de expansão creditícia (parte
substancial das quiméricas "políticas anticíclicas"), o que em verdade
retroalimenta todo o processo de descoordenação e seus efeitos (dilapidação de
capital e concentração forçada de renda), prolongando a crise econômica e
dificultando a retomada efetiva e sustentável do crescimento econômico.