segunda-feira, 6 fev 2012
A crise dos mercados financeiros não apenas não acabou, como na verdade se
expandiu e se transformou em uma maléfica crise da dívida soberana. Não obstante, as autoridades monetárias das
principais economias do mundo seguem praticando exatamente as mesmas políticas
que geraram a atual crise. Ao seguirem o
modelo de metas de inflação, elas continuam desconsiderando as consequências
geradas por alterações na quantidade de dinheiro e no volume e no tipo de
criação de crédito.
Assim
como fizeram anteriormente, os bancos centrais reduziram as taxas básicas de
juros para os menores valores possíveis.
Poucos parecem se lembrar de que o conceito de metas de inflação foi
adotado justamente com a premissa de que taxas de inflação baixas e estáveis
iriam produzir estabilidade econômica e financeira. A realidade, no entanto, não confirmou esta
promessa. Pelo contrário, a política de
metas de inflação foi essencial na geração da atual crise financeira.
O que é uma política de metas de inflação?
Um
banco central que pratique uma política monetária de metas de inflação irá aumentar
a taxa básica de juros quando a taxa de inflação de preços vigente se mover
para além da meta, e reduzir a taxa básica quando a taxa inflação de preços
ficar abaixo da meta. Operacionalmente,
a taxa de inflação é a variável objetiva desta abordagem, ao passo que a taxa
básica de juros serve como a variável instrumental. Diferentemente do monetarismo, os agregados
monetários desempenham, no máximo, um papel secundário (na maioria das vezes,
não desempenham papel nenhum) no modelo de metas de inflação.
O
modelo de política monetária de metas de inflação pode ser expandido de modo a
abranger a "regra de
Taylor", incluindo em seu arcabouço o 'hiato do produto'. Desta forma, outras metas como crescimento
econômico e desemprego serão também contempladas nesta abordagem. No entanto, ao contrário da regra
de Taylor original, as políticas monetárias de metas de inflação têm
ignorado o crescimento da oferta monetária e do crédito, selecionando
unicamente uma taxa de inflação de preços oficial como sendo o padrão único e
principal a ser seguido.
Particularmente
durante aquelas fases em que a taxa de desemprego está acima de níveis tidos
como aceitáveis, as baixas taxas de inflação de preços que normalmente ocorrem
em tais cenários foram utilizadas como justificativa para uma redução mais
vigorosa das taxas básicas de juros. Em
várias regiões do mundo onde a política monetária segue um arcabouço de metas
de inflação, tornou-se regra ignorar a expansão dos agregados monetários. Principalmente, tornou-se regra implementar
taxas de juros extremamente baixas. A
política de metas de inflação levou as autoridades monetárias a ignorar não
apenas o crescimento da oferta monetária e do crédito, mas também os preços dos
ativos em conjunto com outras variáveis, como a taxa de câmbio. Pela lógica intrínseca das políticas de metas
de inflação, as políticas monetárias tornaram-se bruscas e ignorantes por
definição; e, sob este aspecto, uma repetição de um antigo fracasso ocorreu exatamente
quando aquele homem que viria a ser o presidente do Federal Reserve fez um
discurso no qual se dizia confiante de que "nós
não repetiremos estes erros novamente".
Ato contínuo, este homem levou a economia americana para mais uma
depressão. Exatamente como nas outras
áreas, na política monetária também as únicas lições aprendidas com a história
são as lições erradas.
Como
recentemente revelado pelas transcrições
das reuniões de cúpula do Fed em 2006, um banco central é uma instituição
fraudulenta cujos indivíduos do alto escalão agem como premeditados
ignorantes. Como as transcrições
flagrantemente demonstram, não foi por falta de informação que as autoridades
monetárias americanas ignoraram a realidade, mas sim por uma total incapacidade
de compreensão de dados básicos sobre a economia, bem como por uma fé
praticamente infantil em modelos e construções matemáticas.
Um episódio anterior sobre metas de
inflação
Metas
de inflação não é uma prática recente.
Sua ideia básica foi concebida pelo economista americano Irving Fischer
(1867—1947). O Banco Central americano
implementou uma forma rudimentar de metas de inflação logo após ele ter sido
criado em 1914, e explicitamente praticou uma política de "estabilização do
nível de preços" durante a década de 1920, a
década imediatamente anterior ao início da Grande Depressão.
A
década de 1920 nos EUA marcou um período de rápido aumento do endividamento, o
qual, até 1929, havia sido acompanhado de um aumento da riqueza devido a um
forte crescimento do mercado imobiliário e do mercado de ações. O colapso do mercado financeiro, no entanto,
jogou a economia americana para a Grande Depressão, a qual durou mais de uma
década.
Durante
a década de 1920, as autoridades monetárias americanas pareciam muito pouco
preocupadas com a expansão do crédito, pois o principal enfoque da política
monetária era o "nível de preços" — uma construção estatística que Fischer
também defendia e promovia. Ao
observarem que o nível de preços estava "estável", o Federal Reserve não sentiu
necessidade alguma de alterar sua postura inflacionista ou de ficar mais
preocupado com o que estava acontecendo.
Os 'vigorosos anos 20' foram de fato anos exuberantes — embora não para
a agricultura. Foi a indústria quem
celebrou esta nova era e, acima de tudo, foi Wall Street quem mais prosperou
durante aquela época, na qual ela atingiu seu apogeu após a bonança financeira
trazida pela a Primeira Guerra Mundial.
Foi a década do grande enriquecimento do setor financeiro.
O
enfoque dado à inflação de preços induziu as autoridades monetárias a ignorar o
crescimento do crédito e a expansão da oferta monetária, bem como a
desconsiderar os ganhos de produtividade da economia americana durante este
período. O Fed imaginou que suas teorias
haviam sido provadas corretas: afinal, os agregados monetários haviam se
expandido, mas o nível de preços havia se mantido relativamente estável. Nenhuma consideração foi dada à ideia de que,
com os avanços na produtividade, o nível de preços deveria ter na realidade
declinado, exatamente como havia ocorrido quando os EUA ainda estavam no
padrão-ouro no século XIX e a quantidade de dinheiro na economia era
relativamente constante. Durante a
década de 1920, levadas por uma fixação com o nível de preços, as autoridades
monetárias não mantiveram a quantidade de dinheiro na economia constante, o que
teria gerado deflação de preços; ao contrário, permitiram uma expansão da
oferta monetária, pois não parecia haver motivos para se preocupar enquanto
o nível de preços permanecesse estável.
O
que aconteceu durante a década de 1920 foi uma reação equivocada das
autoridades monetárias em relação ao aumento da divergência entre
os setores agrícola e industrial da economia americana. Ao passo que a agricultura mergulhou em uma
depressão imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, a indústria americana
vivenciou um crescimento induzido pelo aumento da oferta monetária. Na média, o nível de preços aparentava
estabilidade, embora tal estabilidade fosse resultado de um nivelamento gerado
pela combinação de uma depressão deflacionária do setor agrícola e um
crescimento inflacionário do setor industrial.
A atual crise
O
mais recente episódio de um mega crescimento artificial na economia americana
ocorreu na década de 1990, quando, assim como na década de 1920, houve uma
bolha no mercado de ações em conjunto com um enorme aumento no endividamento
dos consumidores em decorrência de aquisições imobiliárias e de outros
itens. O banco central americano não
prestou muita atenção na oferta monetária e se manteve otimista durante todo
este período que levou à atual crise. O
mantra da política monetária era o de que, enquanto o nível de preços se
mantivesse relativamente estável, e apenas uma moderada inflação de preços
fosse registrada, as taxas de juros poderiam cair para os níveis mais baixos
possíveis, e a oferta monetária poderia crescer sem nenhuma restrição, de modo
a satisfazer toda a demanda por dinheiro.
Houve
uma série de choques severos durante a década de 1990, bem como durante a
década anterior e a posterior. No
entanto, até o estouro do atual crise, todas as calamidades anteriores puderam
ser superadas — ou ao menos era o que parecia — com o simples recurso da
expansão da oferta monetária e de pacotes de socorro aos credores. As políticas de metas de inflação, por
conseguinte, legaram uma generalizada política de pacotes de socorro, desta
forma criando as bases de uma cultura financeira pautada pelo risco moral.
Em
2007, os mercados financeiros repentinamente começaram a se congelar, com o
fluxo de dinheiro no mercado interbancário chegando a uma total e súbita
paralisia. Foi como se um enfarte
houvesse atingido a coração dos mercados financeiros. Embora abaladas e surpreendidas, as
autoridades monetárias demonstraram total confiança na ideia de que uma
adequada injeção de liquidez faria com que os mercados se recuperassem
rapidamente. Destarte, movidas por sua
ingênua convicção, as autoridades monetárias acreditavam que a economia iria se
recuperar e voltar à sua exuberância. No
entanto, a calamidade se estabeleceu tão logo estas receitas antigas se
comprovaram ineficazes. Não obstante as
maciças injeções de liquidez, os mercados se recuperaram apenas muito
timidamente. E, em 2008, uma onda de
calotes de instituições financeiras abalou definitivamente os mercados. Em agosto de 2011, os EUA chegaram perto da
insolvência quando o Congresso americano se mostrou relutante em elevar o
limite estatutário da dívida. Logo após
esta ocorrência, a crise financeira global se deteriorou e se transformou na crise da dívida soberana
europeia. A Grécia chegou perto da
falência total e o contágio atingiu Espanha, Portugal e Itália.
Já
no início de 2012, a política monetária atingiu um estágio de quase completa
paralisia. Com taxas básicas de juros
próximas de zero nas principais economias do mundo, é somente por meio de
quantidades colossais de injeções de liquidez que o sistema financeiro vem se
sustentando. Ao praticar uma "política
da taxa de juros zero", ao comprar ativos de qualidade duvidosa de instituições
financeiras por meio do Troubled Asset
Relief Program (TARP — Programa de Alívio para Ativos Problemáticos), e ao
tentar injetar ainda mais liquidez no mercado por meio de sua política de
"afrouxamento quantitativo" (quantitative
easing — QE), o Fed gerou uma expansão sem precedentes da base
monetária americana. A real ou
imaginária suposição de que o sistema financeiro está no limiar de um completo
colapso produziu enormes programas de estímulos e pacotes de socorro
governamentais que resultaram em crescentes déficits fiscais e em um
insustentável nível do endividamento público.
A deflação de preços que potencialmente pode ser gerada por este cenário
de desalavancagem do mercado financeiro se transformou no medo supremo dos
governos e no pesadelo de todos os bancos centrais.
O temor da deflação
Hoje,
praticamente já se esqueceu que a espetacular ascensão econômica da
Grã-Bretanha, de partes do continente europeu e dos Estados Unidos durante um
período de quase um século — particularmente desde o início da segunda metade
do século XIX até a eclosão da Primeira Guerra Mundial — foi caracterizado por
uma moderada deflação de preços, quando os aumentos na produtividade começaram
a se acelerar. O nível de preços
declinou durante a expansão econômica porque a oferta monetária estava ligada
ao estoque de ouro, e o estoque de ouro se mantinha relativamente constante. Este período deflacionário foi marcado pela
prosperidade criada por um ambiente financeiro caracterizado por taxas de juros
estáveis, declínio moderado de preços no longo prazo, e salários reais
crescentes. Permitir que esta boa
deflação de preços ocorresse foi algo que colocou um freio no crescimento
econômico excessivo. Uma base monetária
praticamente fixa impediu que ocorressem excessos durante o crescimento
econômico, desta forma fornecendo automaticamente uma proteção também contra os
excessos durante os períodos de recessão.
Uma base monetária estável não implicou uma quantia estritamente fixa de
liquidez, pois a velocidade da moeda é adaptável, permitindo assim uma ampla
flexibilidade.
A
eclosão da Primeira Guerra Mundial marcou o final deste período de deflação de
preços e o início da atual era inflacionária.
Quando o último obstáculo contra um total controle discricionário da
moeda foi abolido e o Federal Reserve adquiriu poderes irrestritos para
produzir o tanto de dinheiro que julgasse necessário, um novo capítulo na
história monetária foi iniciado. Com o
abandono dos últimos resquícios do padrão-ouro durante o Acordo Smithsoniano,
a política monetária deixou de possuir qualquer tipo de âncora; agora, tudo o
que havia era apenas um conceito de política.
Ao abolir o que restava de âncora monetária em 1971, a base
monetária dos EUA começou a crescer e culminou na atual avalanche de
dinheiro criado do nada e sem qualquer restrição.
Atualmente,
a escalada da dívida governamental até níveis exorbitantes praticamente proíbe
os bancos centrais de elevar as taxas básicas de juros caso a inflação de
preços volte a se manifestar mais incisivamente. Até o momento, toda a liquidez adicional que
os principais bancos centrais criaram serviu principalmente para o setor
bancário se refinanciar. A política
monetária se tornou um veículo para o resgate de todo um setor da
economia. Ao socorrerem o setor
financeiro, os bancos centrais produziram apenas mais dinamite monetário. O mundo está em uma encruzilhada. A chance de se sair desta enrascada sem
grandes aflições é muito menor do que a de vivenciarmos ou uma hiperinflação
seguida de depressão econômica ou um colapso direto rumo ao abismo da depressão
deflacionária. A política monetária
chegou a um beco sem saída. Mais uma
vez, a fórmula mágica de uma política monetária intervencionista deu de cara
com a parede.
Conclusão
Enquanto
os bancos centrais dominarem o discurso sobre política monetária, não haverá
nenhum debate sobre a tese de que as políticas de metas de inflação não apenas
são incapazes de garantir a estabilidade monetária, como também forneceram as
condições para a ocorrência da atual crise financeira. O episódio que foi louvado como sendo o
período da "grande moderação" foi na verdade o período da grande ilusão, que
acabou se transformando no pesadelo de uma longa estagnação. Há uma necessidade vital de se restabelecer
um sistema monetário sólido e estável.
Suas consequências seriam uma moderada deflação de preços e a anulação
de ciclos econômicos extremos e violentos. O principal obstáculo contra uma moeda sólida
não é nem intelectual nem prático, mas sim político. A resistência advém toda do setor público,
pois os principais perdedores de uma mudança institucional no sistema monetário
seriam os atuais e inflados governos nacionais junto com seus defensores e
entusiastas, seus burocratas e intelectuais, seus empresários dependentes de
subsídios e sua massa de manobra dependente de assistencialismos, bem como todo
o resto dos mestres da ilusão e das promessas enganosas que fazem parte deste
reinado.
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Leia também:
O problema com o sistema de metas de inflação