Em
seu artigo de 11 de janeiro no
The New
York Times, o Nobel Paul Krugman escreveu,
No mínimo, aprendemos que a armadilha da liquidez não é
simplesmente um produto da nossa imaginação e nem algo que só acontece no
Japão; trata-se de uma ameaça bastante real.
E se e quando ela acabar, temos de nos precaver para que ela não ocorra
novamente — o que significa que há um ótimo argumento a favor tanto de uma
maior meta para a inflação quanto para uma política agressiva quando o
desemprego estiver alto a uma baixa inflação.
A
conclusão final é que o Banco Central americano quase que certamente não irá, e
certamente não deverá, começar a elevar as taxas de juros em um futuro próximo.
Mas
faz sentido dizer que, com mais inflação monetária, a economia americana
poderia ser retirada da armadilha da liquidez?
A origem do conceito de armadilha da
liquidez
Na
abordagem popular, a qual foi originada pelos escritos de John Maynard Keynes,
a atividade econômica é apresentada em termos de um fluxo circular de
dinheiro. Sendo assim, os gastos feitos
por um indivíduo se tornam parte dos ganhos de outro indivíduo, e os gastos de
um terceiro indivíduo se tornam parte dos ganhos do primeiro indivíduo.

As
recessões, de acordo com Keynes, são uma consequência do fato de que os
consumidores — por algum motivo psicológico — decidiram reduzir seus gastos e
aumentar sua poupança.
Por
exemplo, se por algum motivo as pessoas se tornarem menos confiantes no futuro,
elas irão reduzir seus gastos e entesourar mais dinheiro. Assim, uma vez que um indivíduo decide gastar
menos, isso irá piorar a situação de algum outro indivíduo, que por sua vez irá
também reduzir seus gastos.
Como
consequência, cria-se um círculo vicioso: uma diminuição na confiança das
pessoas faz com que elas gastem menos e entesourem mais dinheiro, o que irá
reduzir a atividade econômica, o que por sua vez irá fazer com que as pessoas
guardem mais dinheiro, o que irá reduzir ainda mais a atividade econômica e
assim por diante.
Seguindo
esta lógica, com o intuito de impedir que uma recessão fique fora de controle,
o banco central deve aumentar a oferta monetária, reduzindo agressivamente as
taxas de juros.
Tão
logo os consumidores tenham mais dinheiro em seus bolsos, sua confiança irá
aumentar e eles voltarão a gastar, desta forma restabelecendo o fluxo circular
de dinheiro. Ao menos, é o que dizem.
No
entanto, em seus escritos, Keynes sugeriu que poderia ocorrer uma situação na
qual uma agressiva redução dos juros implementada pelo banco central levaria a
taxa de juros para um nível tão baixo que seria impossível elas caírem ainda
mais.
Isto,
de acordo com Keynes, seria possível de ocorrer porque as pessoas poderiam
adquirir a noção de que, como as taxas de juros chegaram ao seu limite mínimo,
elas consequentemente só poderiam voltar a subir, o que levaria a perdas para
quem possui investimento em
títulos. Como
resultado, as demanda das pessoas por dinheiro irá se tornar extremamente alta,
o que significa que as pessoas irão entesourar dinheiro e se recusar a gastar,
não importa o quão agressivamente o banco central tente expandir a oferta
monetária.
Keynes
escreveu,
Existe a possibilidade, pelos motivos discutidos acima,
que, após a taxa de juros ter caído para um certo nível, a preferência pela
liquidez pode se tornar praticamente absoluta, no sentido que quase todo mundo
irá preferir portar dinheiro a ter em mãos um título que gere uma taxa de juros
muito baixa. Neste caso, a autoridade
monetária terá perdido o controle efetivo da taxa de juros.[1]
Keynes
sugeriu que, tão logo a política monetária de juros baixos se torne ineficaz,
as autoridades deveriam intervir e aumentar o gasto. E o aumento de gastos poderia ocorrer em
todas as áreas e em todos os tipos de projetos — o que importa é que muito
dinheiro deve ser jogado na economia, pois espera-se que isso irá estimular a
confiança dos consumidores. Com um nível
de confiança mais elevado, os consumidores irão reduzir sua poupança e elevar
seus gastos, desta forma restabelecendo o fluxo circular de dinheiro.
Os indivíduos poupam dinheiro?
No
arcabouço keynesiano, um fluxo monetário sempre crescente é o segredo da
prosperidade econômica. O que gera
crescimento econômico é o gasto. Quando
as pessoas gastam mais dinheiro, isso é visto como elas estarem poupando menos.
Inversamente,
ainda na abordagem keynesiana, quando as pessoas reduzem seus gastos, isso é
visto como elas estarem poupando mais.
Observe que, de acordo com a maneira popular de pensar — ou seja,
keynesiana —, a poupança é algo ruim para a economia. Quanto mais as pessoas poupam, piores as
coisas ficam. (A armadilha da liquidez
advém de um excesso de poupança e do baixo nível de gastos. Ou é o que dizem.)
Porém,
contrariamente ao pensamento popular, indivíduos não poupam dinheiro desta
forma. A função principal é ser um meio
de troca. Adicionalmente, observe que as
pessoas não pagam pelas coisas com dinheiro, mas sim com bens e serviços que
elas próprias produziram.
Por
exemplo, um padeiro na realidade paga pelos seus sapatos com o pão que
produziu, ao passo que o sapateiro, por sua vez, paga pelo pão com o sapato que
ele fez. Após o padeiro ter produzido
seu pão, ele irá trocá-lo por dinheiro.
Ato contínuo, ele irá utilizar este dinheiro para adquirir sapatos. Ou seja, quando o padeiro troca seu dinheiro
por sapatos, ele já pagou pelos sapatos, de certa forma, com o pão que havia
produzido antes desta troca ocorrer. O
dinheiro é utilizado apenas para facilitar a troca de bens e serviços.
Portanto,
sugerir que as pessoas podem ter uma demanda infinita por dinheiro (isto é,
entesourar dinheiro, sem gastar), o que supostamente leva à armadilha da
liquidez, como diz o pensamento popular, significa dizer que ninguém mais iria
transacionar bens e serviços.
Obviamente,
esta não é uma proposição realista, dado o fato de que as pessoas necessitam de
bens e serviços para manter suas vidas e bem-estar. (Observação: as pessoas demandam dinheiro não
para acumulá-lo indefinidamente, mas sim para, em algum momento futuro
relativamente definido, trocá-lo por bens e serviços).
Sendo
o meio de troca, a função do dinheiro é somente a de auxiliar a troca dos bens
produzidos por um indivíduo pelos bens produzidos por outro indivíduo. A demanda por dinheiro, independentemente de
quão alta ela seja, não pode alterar a quantidade de bens produzidos, isto é,
não pode alterar o chamado crescimento econômico real. Da mesma maneira, uma alteração na quantidade
de dinheiro não tem nenhum poder de aumentar definidamente o crescimento da
economia real.
Um
aumento na quantidade de dinheiro, por si só, não faz com que haja a produção
de mais bens. Bens só podem ser criados
com acúmulo de capital e produção, e não com aumentos na quantidade de
dinheiro. E acúmulo de capital só ocorre
quando há um aumento da poupança real de uma economia — isto é, quando as
pessoas reduzem seu consumo e, com isso, liberam recursos para serem utilizados
na cadeia produtiva.
Contrariamente
ao pensamento popular, uma armadilha da liquidez não surge em resposta a um
aumento maciço na demanda por dinheiro da parte dos consumidores, mas sim como
resultado de políticas monetárias frouxas, as quais infligem danos severos ao
conjunto da poupança real de uma economia.
Armadilha da liquidez e redução do conjunto
da poupança real
Enquanto
a poupança real de uma economia — isto é, os bens liberados pela redução do
consumo — estiver crescendo, tal processo será capaz de sustentar tanto as
atividades produtivas quanto as não produtivas (aquelas atividades
classificadas como 'bolhas'). O problema
surge quando, em decorrência de políticas fiscais e monetárias expansivas, a
estrutura de produção da economia é alterada: mais bens serão consumidos (e
utilizados em processos de produção) do que produzidos. Este excesso de consumo em relação à produção
leva a um declínio no conjunto real da poupança.
Isto,
por sua vez, enfraquece o sustento de todas as atividades econômicas, levando a
economia a uma recessão. (O encolhimento
do conjunto da poupança real expõe aquela falácia comumente aceita de que uma
política monetária expansiva do banco central pode fazer a economia crescer).
Desnecessário
dizer que, uma vez que a economia entra em recessão em decorrência da uma
redução no conjunto da poupança real, quaisquer tentativas do governo ou de seu
banco central para reativar a economia irão necessariamente fracassar.
Não
apenas tais tentativas não irão restaurar a economia, como na verdade irão
exaurir ainda mais o conjunto da poupança real, desta forma prolongando o
declínio econômico.
Da
mesma maneira, qualquer política que force os bancos a expandir os empréstimos,
criando crédito do nada por meio das reservas fracionárias, também irá afetar
progressivamente o conjunto da poupança real e reduzir ainda mais a capacidade
dos bancos de fazer novos empréstimos no futuro. Afinal, a essência de um empréstimo é que haja
poupança real, e não apenas dinheiro. É
a poupança real que impõe restrições à capacidade de empréstimo dos
bancos. (O dinheiro é apenas o meio de
troca, o qual facilita a poupança real).
Observe
que, sem que haja um crescimento do conjunto da poupança real, qualquer
expansão creditícia feita pelos bancos irá apenas prejudicar seus balancetes,
pois os empréstimos dificilmente serão quitados, o que levará a uma redução dos
seus ativos e a uma consequente redução do seu patrimônio líquido (capital).
Ao
contrário do que diz Krugman, a economia americana está de fato em uma
armadilha, mas não por causa de um acentuado aumento na demanda por dinheiro,
mas sim porque políticas monetárias frouxas exauriram o conjunto da poupança
real. O que é necessário para recuperar
a economia não é a geração de mais inflação, mas sim o exato oposto. Estipular uma meta de inflação mais alta,
como sugerido por Krugman, irá apenas enfraquecer ainda mais o conjunto da
poupança real e garantir que a economia prolongue sua depressão
indefinidamente.
[1] John Maynard Keynes, The
General Theory of Employment, Interest, and Money, MacMillan & Co. Ltd.
(1964), p. 207.