Introdução
à primeira edição
Provavelmente, a pergunta que mais me fizeram —
com alguma exasperação — ao longo dos anos é: "Por que você não se atém à
economia?"
Por razões distintas, essa pergunta tem sido endereçada
a mim por colegas economistas e por pensadores e ativistas políticos de
variadas filiações: conservadores, esquerdistas e libertários que discordam de
mim em questões de doutrina política e se incomodam com um economista que se
aventure "fora de sua disciplina."
Entre os economistas, tal pergunta é um triste
reflexo da hiperespecialização dos intelectuais de nossos tempos. Creio ser evidente que pouquíssimos especialistas
em economia — mesmo entre aqueles mais dedicados — passaram a se interessar
por economia por terem se fascinado por curvas de custo, classes de indiferença
e o resto da parafernália da teoria econômica moderna.
Quase a unanimidade deles se interessou por
economia após ter se interessado por problemas sociais e políticos e por ter
percebido que os problemas políticos realmente complicados não podem ser
resolvidos sem o conhecimento de economia.
Afinal, se eles estivessem de fato interessados sobretudo em equações e
tangentes em gráficos, teriam se tornado matemáticos profissionais e não gastado
suas energias em teorias econômicas que são, no máximo, uma aplicação de
terceira categoria da matemática.
Infelizmente, o que em geral acontece com essas
pessoas é que, ao aprenderem a estrutura e o aparato imponentes da teoria
econômica, elas ficam tão fascinadas pelas minúcias da técnica que perdem de
vista os problemas políticos e sociais que originalmente despertaram seu
interesse.
Esse fascínio também é
reforçado pela estrutura econômica da própria profissão de economista (e de
todas as outras profissões acadêmicas): a saber, que prestígio, recompensas e gratificações
são colhidos não por reflexões acerca dos problemas mais significativos, mas,
sim, por agarrar-se a um horizonte estreito e tornar-se um dos principais
especialistas em um problema técnico insignificante.
Entre alguns economistas, essa síndrome foi levada
tão longe que eles desprezam qualquer atenção conferida a problemas
político-econômicos como uma impureza degradante e vil, ainda que tal atenção
seja dada por economistas que tenham deixado sua marca no mundo da técnica
especializada.
E mesmo entre aqueles
economistas que de fato lidam com problemas políticos, qualquer consideração
dedicada a temas extra-econômicos mais amplos como os de direitos de propriedade,
da natureza do estado ou da importância da justiça é desprezada como incuravelmente
"metafísica" e inadmissível.
Não é por acaso, no entanto, que os economistas de visão
mais ampla e de espírito mais penetrante do século XX — homens como Ludwig von
Mises, Frank H. Knight e F.A. Hayek — chegaram cedo à conclusão que o domínio
da teoria econômica pura não era o bastante, e que explorar problemas
relacionados e fundamentais da filosofia, da teoria política e da história era
vital.
Em especial, eles notaram que era
possível e de crucial importância elaborar uma teoria sistemática mais ampla,
que abarcasse a ação humana como um todo e em que a economia ocupasse um lugar
consistente mas subsidiário.
Em meu próprio caso, o principal foco do meu
interesse e dos meus trabalhos ao longo das três últimas décadas tem sido uma
parte dessa abordagem mais ampla — o libertarianismo, que é a disciplina da
liberdade. Pois vim a crer que o
libertarianismo é de fato uma disciplina, uma "ciência", se preferirem,
independente, embora tenha sido pouco desenvolvida ao longo do tempo.
O libertarianismo é uma disciplina nova e em
crescimento intimamente ligada a outras áreas de estudo da ação humana: à
economia, à filosofia, à teoria política, à história, e até — mas de modo não
menos importante — à biologia. Todas
essas áreas proporcionam de variadas maneiras a base, o corpo e a aplicação do
libertarianismo. Algum dia, talvez, a
liberdade e os "estudos libertários" serão reconhecidos como uma parte
independente, mas afim, do currículo acadêmico.
Esse ensaio foi apresentado em uma conferência
sobre a diferenciação humana organizada pelo Institute for Humane Studies, em Gstaad, na Suíça, no verão de
1972. Uma razão e alicerce fundamental
da liberdade são os fatos inelutáveis da biologia humana; em especial, o fato
de que cada indivíduo é uma pessoa única, diferente de todas as outras em
muitos aspectos. Se a diversidade
individual não fosse a regra universal, então a defesa da liberdade seria
realmente frágil. Afinal, se os
indivíduos fossem intercambiáveis como insetos, por que alguém se preocuparia
em maximizar a oportunidade de todos desenvolverem sua mente e suas capacidades
e sua personalidade o mais completamente possível?
O ensaio identifica o horror primordial do
socialismo na tentativa igualitarista de eliminar a diversidade entre indivíduos
e grupos. Em suma, ele reflete a fundamentação do libertarianismo no
individualismo e na diversidade individual.
_________
Murray N. Rothbard 1974
O igualitarismo é uma revolta contra a natureza
Já faz bem mais de um século que se tem considerado
que a esquerda tem a moralidade, a justiça e o "idealismo" do seu lado; a
oposição conservadora tem se limitado a apontar a "falta de praticidade" dos
ideais da esquerda.
Uma visão corrente,
por exemplo, é que o socialismo é fantástico "na teoria", mas que não pode
"funcionar" na vida prática. O que os conservadores
não perceberam é que, embora ganhos de curto prazo possam de fato ser obtidos ao
se recorrer a falta de praticidade de desvios radicais do status quo, reconhecer que a ética e os "ideais" pertenciam à
esquerda destinava-os à derrota a longo prazo.
Afinal, se se concede a ética e os "ideais" desde o início a um dos
lados, então este conseguirá realizar mudanças graduais mas seguras em sua
própria direção; e, à medida que essas mudanças se acumulam, o estigma da "falta
de praticidade" torna-se cada menos relevante.
A oposição conservadora, tendo apostado todas
as fichas na base aparentemente firme da "prática" (isto é, do status quo) está fadada à derrota à
medida que o status quo aproxima-se
da direção da esquerda.
O fato de que os
stalinistas ultrapassados são universalmente tidos como os "conservadores" na
União Soviética é uma feliz piada lógica sobre o conservadorismo; porque, na
Rússia, os estatistas impenitentes são de fato os repositórios de uma
"praticidade" ao menos superficial e de um apego ao status quo existente.
Em nenhum lugar o vírus da "praticidade" se
alastrou mais do que nos Estados Unidos, porque os americanos consideram-se um
povo "prático", e, assim, a oposição à esquerda, embora originalmente mais
forte do que em outros países, talvez nunca tenha se mantido sobre bases menos
firmes. Agora, são os defensores do
livre mercado e da sociedade livre que têm de confrontar a acusação comum de
"falta de praticidade."
Em nenhuma área reconheceu-se tão profundamente e quase
universalmente que a justiça e a moralidade estavam do lado da esquerda quanto
em seu apoio à igualdade máxima. Na
verdade, é raro encontrar alguém nos Estados Unidos, principalmente um
intelectual, que conteste a beleza e a virtude do ideal igualitarista. Todos estão tão comprometidos com esse ideal
que a "falta de praticidade" — isto é, o enfraquecimento dos incentivos
econômicos — tem sido quase a única crítica até aos mais bizarros programas
igualitaristas.
A marcha inexorável do
igualitarismo é indicação suficiente da impossibilidade de evitar-se
compromissos éticos; os americanos estritamente "práticos", ao tentarem evitar
doutrinas éticas, não deixam de incorrer nelas, mas agora só o fazem de maneira
inconsciente, ad hoc e assistemática.
A
famosa observação de Keynes de que "homens práticos, que se consideram
virtualmente livres de qualquer influência intelectual, são em geral escravos
de algum economista já falecido" — é verdadeira sobretudo quanto a juízos
éticos e à teoria ética.[1]
A incontestada condição ética da
"igualdade" pode ser vista na prática corrente dos economistas. Os economistas se veem com frequência diante
de um problema de juízos de valor — ansiosos para fazer declarações políticas. Como eles podem fazê-las sem deixarem de
ser "científicos" e livres de juízos de valor?
No campo do igualitarismo, eles têm conseguido
sustentar categoricamente, com notável impunidade, um juízo de valor em defesa
da igualdade. Às vezes, esse juízo é
abertamente pessoal; outras vezes, o economista tem a pretensão de ser o representante
da "sociedade" emitindo o juízo de valor desta. O resultado, no entanto, é o mesmo.
Considere, por exemplo, Henry C. Simons.
Após criticar com razão vários argumentos "científicos" a favor do
imposto progressivo, ele apoia categoricamente a progressão, da seguinte
maneira:
A defesa
da progressão drástica na taxação tem de basear-se na crítica à desigualdade —
no juízo ético ou estético de que a distribuição prevalecente de riqueza e de
renda revela um grau de desigualdade que é nitidamente mau ou desagradável.[2]
Outra tática típica pode ser colhida
de um texto-padrão sobre finanças públicas. De acordo com o professor John F.
Due,
O
argumento mais forte para a progressão é o fato de que a opinião consensual na
sociedade hoje considera a progressão necessária para a igualdade. Isso, por sua vez, baseia-se no princípio de
que o padrão de distribuição de renda, antes dos impostos, envolve desigualdade
excessiva.
Esta "pode ser censurada com base em injustiça
inerente em termos dos padrões aceitos pela sociedade."[3]
Independentemente de o economista defender com
coragem seus próprios juízos de valor ou ter a pretensão de refletir os valores
da "sociedade", sua imunidade a críticas tem sido extraordinária. Embora a franqueza na proclamação de valores
pessoais possa ser admirável, ela certamente não é suficiente; na busca da
verdade, não basta proclamar os próprios juízos de valor como se tivessem de
ser aceitos como tábuas vindas do céu que não estão sujeitas a críticas e
avaliações intelectuais.
Não há nenhuma
exigência de que esses juízos de valor sejam em algum sentido válidos,
significativos, cogentes, verdadeiros?
Suscitar essas considerações, é claro, significa escarnecer
os cânones modernos de wertfreiheit
pura nas ciências sociais à partir de Max Weber, assim como a tradição
filosófica ainda mais antiga da separação rígida entre "fato e valor", mas talvez
já tenha chegado a hora de levantar essas questões fundamentais.
Suponha, por exemplo, que o juízo ético ou
estético do professor Simons não tenha sido em defesa da igualdade, mas de um
ideal social muito diferente.
Suponha, por exemplo, que ele fosse favorável ao
assassinato de todas as pessoas baixas, de todos os adultos com menos de
1,80m. E suponha que ele tivesse escrito
que "a defesa do extermínio de todas as pessoas baixas tem de basear-se na
oposição à existência de pessoas baixas — no juízo ético ou estético de que o
número prevalecente de adultos baixos é nitidamente mau ou desagradável."
Alguém acha que a acolhida dada às
observações do professor Simon por seus colegas economistas ou cientistas
sociais teria sido a mesma?
Ou podemos imaginar o professor Due escrevendo,
de modo semelhante, em defesa da "opinião na sociedade hoje" na Alemanha dos
anos de 1930 a respeito do tratamento social conferido aos judeus. O ponto é que, em todos esses casos, a
condição lógica das observações de Simons ou de Due teria sido exatamente a
mesma, embora sua acolhida pela comunidade intelectual americana fosse
completamente diferente.
Meu ponto, até agora, tem dois lados:
1.
não é suficiente que um intelectual ou um cientista
social proclame seus juízos de valor — esses juízos têm de ser racionalmente
defensáveis e têm de ser demonstravelmente válidos, cogentes e corretos: em
suma, eles não podem mais ser tratados como imunes a críticas intelectuais; e
2. o objetivo da igualdade tem sido tratado acrítica e
axiomaticamente há tempo demais como o ideal ético.
Assim, os economistas favoráveis a programas
igualitaristas tipicamente pesam seu "ideal" incontestado contra possíveis
efeitos desincentivadores sobre a produtividade econômica; mas o ideal em si
raramente é questionado.[4]
Passemos, então, a uma crítica do ideal
igualitarista em si — deveríamos conferir à igualdade sua condição atual de
ideal ético incontestado? Em primeiro
lugar, temos de confrontar a própria ideia de uma separação radical entre algo
que é "verdadeiro na teoria" mas "inválido na prática."
Se a teoria estiver correta, então ela funciona na prática; se ela não funcionar
na prática, então é uma teoria ruim. A
separação tradicional entre teoria e prática é artificial e falaciosa. Mas isso é tão verdadeiro na ética quanto em
qualquer outro campo. Se um ideal ético
é inerentemente "não prático", isto é, se ele não pode funcionar na prática, então é um ideal insatisfatório e
deve ser rejeitado de imediato.
Em
termos mais precisos, se um objetivo ético viola a natureza humana e/ou o
universo e, portanto, não pode
funcionar na prática, então é um ideal ruim e deve ser rejeitado como um
objetivo. Se o objetivo em si viola a
natureza do homem, então também é uma má ideia trabalhar na direção daquele
objetivo.
Suponha, por exemplo, que todos os homens serem
capazes de voar batendo os braços tenha sido adotado como um objetivo ético
universal. Presumamos que se tenha
reconhecido a beleza e a virtude do objetivo dos "defensores do voo", mas que
estes tenham sido criticados por serem "não práticos."
Mas o resultado é a desgraça social sem fim,
na medida em que a sociedade não deixa de tentar se aproximar do voo braçal, e
os defensores do voo desgraçam a vida de todos por serem frouxos ou pecadores o
bastante para não se manterem fiéis ao ideal comum. A crítica apropriada aqui é contestar o
objetivo "ideal" em si; salientar que o objetivo em si é impossível, dados a
natureza física do homem e o universo; e, assim, libertar a humanidade da
escravidão a um objetivo inerentemente impossível e, portanto, mau.
Mas esta libertação nunca poderia ocorrer
enquanto os contrários ao voo braçal se mantivessem apenas no âmbito da "prática" e
concedessem a ética e o "idealismo" aos apologistas do voo braçal. A confrontação tem de se dar na essência —
na suposta superioridade ética de um objetivo disparatado. O mesmo vale, eu sustento, para o ideal
igualitarista, exceto que suas consequências sociais são muito mais nocivas do
que as de uma busca incansável do voo humano autônomo. Porque a condição de igualdade provocaria
danos muito mais graves sobre a humanidade.
O que, de fato, é a "igualdade"? O termo tem sido muito invocado mas pouco
analisado. A e B
são "iguais" se são idênticos um ao outro quanto a uma característica dada. Assim, se Smith e Jones têm exatamente 1,80m
de altura, então pode-se dizer que são "iguais" em altura.
Se duas estacas são idênticas em comprimento, então
seus comprimentos são "iguais" etc.
Existe uma e apenas uma maneira, portanto, pela qual duas pessoas podem
ser "iguais" no sentido mais puro: elas têm de ser idênticas em todas as suas
características. Isso significa, é
claro, que a igualdade de todas as
pessoas — o ideal igualitarista — só pode ser alcançada se todas as pessoas
forem exatamente uniformes, exatamente idênticas quanto a todas as suas
características. O mundo igualitário
seria necessariamente um filme de terror — um mundo de criaturas sem rosto e
idênticas, desprovidas de toda individualidade, variedade ou criatividade
particular.
Na verdade, é exatamente nas obras de ficção de
terror que as implicações lógicas de um mundo igualitário são apresentadas sem
retoques. O professor Schoeck
ressuscitou para nós o retrato daquele mundo no romance britânico distópico Facial Justice, de L.P. Hartley, em que
a inveja é institucionalizada pelo estado, que garante que os rostos de todas
as meninas sejam lindos na mesma medida por meio de cirurgias plásticas
realizadas tanto nas meninas bonitas quanto nas feias, para nivelar a beleza de
seus rostos segundo um denominador comum universal.[5]
Um conto de Kurt Vonnegut oferece uma descrição
ainda mais completa de uma sociedade inteiramente igualitária. Vonnegut começa o conto "Harrison Bergeron" da
seguinte maneira:
Era o ano de 2081 e todos
finalmente eram iguais. Não eram iguais
apenas perante Deus e a lei. Eram iguais
de todas as maneiras. Ninguém era mais
inteligente do que ninguém. Ninguém era
mais bonito do que ninguém. Ninguém era
mais forte ou mais rápido do que ninguém.
Toda essa igualdade era produto das emendas 211, 212 e 213 à
Constituição e da vigilância incansável dos agentes do Ministério de
Incapacitação dos Estados Unidos.
A "incapacitação" se dava em parte do seguinte
modo:
Hazel tinha uma inteligência exatamente
mediana, o que significava que ela não conseguia pensar sobre nada exceto em
breves repentes. E George, embora sua
inteligência estivesse bem acima do normal, tinha um pequeno rádio de
incapacitação mental em seu ouvido. A
lei obrigava-o a usá-lo sempre. Ele
sintonizava um transmissor do governo. A
cada vinte segundos, em média, o transmissor emitia algum barulho estridente
para impedir que pessoas como George tirassem injusto proveito de seus
cérebros.[6]
O horror que todos instintivamente sentimos ao
ler essas histórias é o reconhecimento intuitivo de que as pessoas não são uniformes, de que a espécie, a
humanidade, é excepcionalmente caracterizada por um alto grau de variedade, de diversidade
e de diferenciação — em suma, de desigualdade.
Uma sociedade igualitária só pode aspirar a alcançar seus objetivos por
meio de métodos totalitários de coerção; e, nesse caso, todos acreditamos e
esperamos que o espírito humano do indivíduo se revoltará e frustrará qualquer
tentativa de se implantar um mundo de insetos.
Em suma, o retrato de uma sociedade igualitária é uma história de terror
porque, quando as implicações daquele mundo são apresentadas por inteiro,
reconhecemos que tal mundo e as tentativas de alcançá-lo são gravemente
desumanos; sendo desumano no sentido mais profundo, o objetivo igualitarista é,
assim, mau, e qualquer tentativa em sua direção deve ser igualmente considerada
má.
O fato extraordinário da diferença e da
variabilidade (isto é, da desigualdade) humanas é evidente, dado o longo
histórico de experiência humana; decorre daí o reconhecimento geral da natureza
desumana de um mundo de uniformidade forçada.
Social e economicamente, essa variabilidade se manifesta na divisão
universal do trabalho e na "Lei de Ferro da Oligarquia" — a percepção de que,
em toda organização ou atividade, alguns poucos (geralmente, os mais capazes e/ou
mais interessados) se tornarão líderes, com a massa dos membros ocupando as
fileiras dos seguidores. Em ambos os
casos, o mesmo fenômeno está em operação — sucesso fora do comum ou liderança
em qualquer atividade são obtidos pelo que Jefferson chamava de uma
"aristocracia natural" — aqueles que estão em sintonia mais fina com a
atividade.
O antiquíssimo histórico de desigualdade parece
indicar que estas variabilidade e diversidade estão baseadas na natureza
biológica do homem. Mas é exatamente
essa conclusão sobre a biologia e a natureza humana que é o incômodo que mais
atormenta nossos igualitaristas. Nem os
igualitaristas seria capazes de negar o registro histórico, mas sua resposta é
que a culpa é da "cultura"; e uma vez que eles obviamente consideram que a
cultura é um puro ato da vontade, o objetivo de mudar a cultura e de inculcar o
valor da igualdade na sociedade parece ser alcançável. Nesse campo, os igualitaristas abandonam
qualquer pretensão de cautela científica; eles não ficam contentes ao reconhecerem
que a biologia e a cultura são influências de interação mútua. A biologia deve ser expulsa do tribunal
imediata e completamente.
Reflitamos sobre um exemplo que é deliberadamente
um tanto frívolo. Suponha que observamos
nossa cultura e descobrimos que um ditado comum é o de que "os ruivos são
irritadiços." Aqui está um juízo que
contém desigualdade, uma conclusão de que os ruivos como um grupo tendem a diferir
da população não-ruiva. Suponha, então,
que os sociólogos igualitaristas investigam o problema e descobrem que os
ruivos de fato tendem a ser mais irritadiços que os não-ruivos a um nível
estatisticamente relevante. Ao invés de
admitirem a possibilidade de algum tipo de diferença biológica, os
igualitaristas rapidamente acrescentarão que a "cultura" é responsável pelo
fenômeno: o "estereótipo" aceito de modo generalizado de que os ruivos são irritadiços
havia sido incutido em cada criança ruiva desde a mais tenra idade, de modo que
ela havia simplesmente internalizado tais juízos e agia da maneira pela qual a
sociedade esperava que ela agisse. Os
ruivos, em resumo, haviam sofrido uma "lavagem cerebral" pela cultura não-ruiva
predominante.
Embora não neguemos a possibilidade de um
processo assim ocorrer, essa alegação habitual parece decididamente improvável,
sob uma análise racional. Afinal, os igualitaristas implicitamente supõem que o
bicho-papão da "cultura" aparece e cresce ao acaso, sem referência alguma a
fatos sociais. A ideia de que "os ruivos
são irritadiços" não surgiu do nada ou como um mandamento divino; como, então,
a ideia tomou corpo e se alastrou?
Um dos truques prediletos dos igualitaristas é
atribuir todas essas declarações que identificam grupos a impulsos psicológicos
obscuros. O povo tinha uma necessidade
psicológica de acusar algum grupo
social de irritabilidade, e os ruivos foram assacados como bodes
expiatórios. Mas por que os ruivos foram
os escolhidos? Por que não os louros ou
os morenos? A suspeita horrível começa a
ganhar forma de que talvez os ruivos tenham sido os escolhidos porque eles de
fato eram e são mais irritadiços e de
que, portanto, o "estereótipo" social é simplesmente uma observação comum dos
fatos da realidade. Certamente, os dados
e os processos em operação se amoldam muito melhor a essa explicação, que é de
resto muito mais simples.
Considerada objetivamente, essa explicação parece
ser muito mais razoável do que a concepção da cultura como um espantalho
arbitrário e ad hoc. Sendo assim, podemos concluir que os ruivos
são biologicamente mais irritadiços e que a pregação dirigida aos ruivos pelos
igualitaristas, exortando-os a serem menos irritadiços, é uma tentativa de
induzir os ruivos a violarem sua natureza; portanto, é essa última propaganda
que pode mais precisamente ser chamada de "lavagem cerebral."
Isso não quer dizer, é claro, que a sociedade
nunca possa cometer um erro e que seus juízos de identidade de grupo estejam
sempre baseados em
fatos. Mas me parece
que o ônus da prova repousa muito mais nos ombros dos igualitaristas do que dos
seus oponentes supostamente "não esclarecidos."
Uma vez que os igualitaristas começam com o
axioma a priori de que todas as
pessoas, e portanto todos os grupos de pessoas, são uniformes e iguais,
segue-se que, para eles, toda e qualquer diferença entre grupos quanto a status, prestígio ou autoridade na
sociedade tem de ser o produto de
"opressão" injusta e "discriminação" irracional. Provas estatísticas da "opressão" sobre os
ruivos seriam apresentadas de uma maneira muito familiar na vida política
norte-americana; poderia ser demonstrado, por exemplo, que a renda média dos
ruivos é inferior à renda de não-ruivos, e, adicionalmente, que a proporção de
executivos, professores universitários ou parlamentares ruivos é menor do que
seu percentual de representação na população.
A manifestação mais recente e proeminente desse
tipo de pensamento aritmético se deu no movimento McGovern, na convenção
democrata de 1972. Alguns grupos são
apontados como vítimas de "opressão" devido ao número de delegados presentes em
convenções anteriores ter ficado aquém de seu percentual de participação na
população como um todo. Em especial,
mulheres, jovens, negros, chicanos (aqueles vindos do terceiro mundo) foram
intitulados vítimas de opressão; em consequência, o Partido Democrata, sob a
orientação do pensamento aritmético dos igualitaristas, passou por cima da
escolha dos eleitores a fim de impor a devida cota de representação daqueles
grupos.
Em alguns casos, o rótulo de "opressão" foi uma
construção quase grotesca. O fato de os
jovens de 18 a 25 anos de idade terem sido "subrepresentados" poderia ter sido
colocado em uma perspectiva apropriada por um reductio ad absurdum: certamente, algum exaltado reformista
seguidor de McGovern poderia ter se levantado para lamentar a grave
"subrepresentação" das crianças de cinco anos na convenção e para exigir que o
bloco das crianças de cinco anos recebesse imediatamente o que lhe era
devido. É uma consideração biológica e
social marcada pelo bom senso perceber que os jovens abrem seu caminho pela
sociedade por meio de um processo de aprendizagem; os jovens sabem menos e têm
menos experiência do que os adultos maduros e, assim, deveria ser claro por que
eles tendem a ter menos status e
autoridade do que os mais velhos. Mas
aceitar isso implicaria lançar dúvidas substanciais sobre o credo
igualitarista; além disso, contrariaria o culto à juventude que é há muito
tempo um problema grave da cultura norte-americana. E assim os jovens foram devidamente
intitulados uma "classe oprimida", e a imposição de sua proporção na população
é concebida apenas como justa reparação por sua anterior condição de
explorados.[7]
As mulheres formam outra "classe oprimida" recém-descoberta,
e o fato de que representantes políticos têm tradicionalmente sido em muito mais
de 50% homens é agora considerado um sinal evidente da opressão sobre as
mulheres. O sdelegados das convenções
políticas vêm das fileiras de ativistas partidários, e dado que as mulheres
nunca foram nem de perto tão ativas politicamente quanto os homens, sua
participação tem sido compreensivelmente baixa.
Mas, confrontados com esse argumento, as forças em crescimento da "libertação
das mulheres" nos Estados Unidos recaem no argumento talismânico a respeito da
"lavagem cerebral" por nossa "cultura."
Mas as liberacionistas feministas dificilmente podem negar o fato de que
toda cultura e civilização na história, da mais simples à mais complexa, foram
dominadas pelos homens. (Desesperadas,
as liberacionistas têm ultimamente respondido com fantasias sobre o poderoso
império amazônico.) Sua resposta, mais
uma vez, é que desde tempos imemoriais uma cultura dominada pelo homem produz
lavagens cerebrais sobre mulheres oprimidas para prendê-las aos cuidados com os
filhos, à casa e ao lar doméstico. A
tarefa das liberacionistas é levar a cabo uma revolução na condição feminina
pela pura força da vontade, por um "despertar da consciência." Se a maioria das
mulheres continuar a se ater às preocupações domésticas, isso apenas revelará a
"consciência falsa" que tem de ser extirpada.
É claro, uma resposta negligenciada é que, se de
fato os homens conseguiram dominar todas as culturas, então isso é em si uma
demonstração da "superioridade" masculina; afinal, se ambos os gêneros são
iguais, como pôde o domínio masculino surgir em todos os casos? Mas, afora essa questão, a própria biologia
está sendo raivosamente negada e posta de lado.
A palavra de ordem é que não há, não deve haver, não pode haver nenhuma
diferença biológica entre os sexos; todas as diferenças históricas ou atuais
têm de ser produto de lavagens cerebrais culturais.
Irving Howe, em sua brilhante refutação da
liberacionista feminista Kate Millet, esboça várias diferenças biológicas
importantes entre os sexos — diferenças importantes o bastante para ter
efeitos sociais duradouros. São elas:
1. "a singular
experiência feminina da maternidade", incluindo o que o antropólogo
Malinowski chama de "um vínculo íntimo e completo com a criança (...)
associado a efeitos psicológicos e a emoções fortes";
2. "os componentes hormonais de
nossos corpos, os quais variam não apenas entre os sexos, mas também entre
idades diferentes no mesmo sexo";
3. "as possibilidades distintas para
o trabalho criadas por níveis distintos de musculatura e de controles físicos";
e
4. "as consequências psicológicas de
posturas e possibilidades sexuais diferentes," em especial a "distinção
fundamental entre papéis sexuais ativos e passivos" determinados biologicamente
no homem e na mulher, respectivamente.[8]
Howe segue citando o reconhecimento, pela Dra. Eleanor
Maccoby, em seu estudo da inteligência feminina, de que
é bem possível que existam
fatores genéticos diferenciando os dois sexos e guiando seu desempenho
intelectual (...) Por exemplo, há boas
razões para acreditarmos que os meninos são inatamente mais agressivos do que
as meninas — e digo "agressivo" em um sentido amplo, que implica não apenas
brigas, mas também domínio e iniciativa — e se esse atributo está na base do
desenvolvimento posterior do pensamento analítico, então os meninos têm uma
vantagem que as meninas (...) dificilmente poderão superar.
A Dra. Maccoby acrescenta que "se tentarmos separar
a educação de crianças entre meninos e meninas, poderemos descobrir o que as
mulheres têm de fazer e os homens, não."[9]
O sociólogo Arnold W. Green destaca o surgimento
recorrente do que os igualitaristas denunciam como "papéis sexuais
estereotipados" mesmo em comunidades originalmente dedicadas à igualdade
absoluta. Assim, ele cita o relato dos
kibbutz de Israel:
O fenômeno é mundial: as mulheres
se concentram em atividades que exigem, isoladamente ou em combinação,
habilidades de dona de casa, paciência e rotina, destreza manual, apelo sexual,
contato com crianças. A generalização
mantém-se de pé nos kibbutz de Israel, com seu firme ideal de igualdade
sexual. Uma "regressão" a uma separação
entre "trabalho para mulheres" e "trabalho para homens" ocorreu na divisão do
trabalho, chegando-se a um estado de coisas que espelha o de outros
lugares. O kibbutz é dominado por homens
e por atitudes masculinas tradicionais, em equilíbrio ao conteúdo de ambos os
sexos.[10]
Irving Howe nota certeiramente que, na raiz do
movimento pela libertação feminina, está o ressentimento contra a própria
existência da mulher como uma entidade distinta:
Porque o que parece incomodar a
Senhora Millett não são meramente as injustiças que as mulheres sofreram ou as
discriminações às quais elas continuam sujeitas. O que a incomoda acima de tudo (...) é a
própria existência da mulher. A
distinção psicobiológica das mulheres desagrada a Senhora Millett, e o máximo
que ela faz é reconhecer — infelizmente, que escolha havia? — as diferenças
inevitáveis da anatomia. Ela não suporta
a perversa recusa da maioria das mulheres em reconhecer a magnitude de sua
humilhação, a dependência vergonhosa que demonstram em relação aos homens (não
muito independentes), os prazeres enlouquecedores que chegam a sentir
preparando jantares para o "grupo dominante" e limpando o nariz de seus
pirralhos catarrentos. Lutando contra a
noção de que tais papéis e atitudes são determinados biologicamente, uma vez
que até ideias biológicas lhe parecem uma maneira de reduzir para sempre as
mulheres a uma condição subordinada, ela no entanto atribui à cultura um leque
tão amplo de costumes, ultrajes e males que tal cultura chega a parecer uma
força mais inflexível e ameaçadora do que a própria biologia.[11]
Em uma crítica aguda ao movimento de libertação
feminista, Joan Didion distingue sua raiz em uma rebelião não apenas contra a
biologia, mas também contra a própria "organização da natureza em si":
Se a necessidade de reprodução
convencional da espécie parece injusta às mulheres, então transcendamos, por
meio da tecnologia, "a própria organização da natureza", a opressão, como
Shulamith Firestone a via, "que percorre a história conhecida até o próprio
reino animal." Eu aceito o Universo,
Margaret Fuller finalmente declarou: Shulamith Firestone não o aceitou.[12]
Diante disso, ficamos tentados a parafrasear a advertência
de Carlyle: "Por Deus, a senhora deveria."
Outra rebelião em crescimento contra normas sexuais
biológicas, assim como contra a diversidade natural, é representada pelos
apelos cada vez mais fortes à bissexualidade, provenientes dos intelectuais de
esquerda. Os atos de evitar a
heterossexualidade "rígida, estereotipada" e de adotar a bissexualidade
indiscriminada deveriam alargar a consciência, eliminar distinções
"artificiais" entre os sexos e tornar todas as pessoas simples e
unissexualmente "humanas."
Mais uma vez, a lavagem cerebral produzida por uma
cultura dominante (nesse caso, heterossexual) supostamente oprimiu uma minoria
homossexual e estorvou a uniformidade e a igualdade inerentes à
bissexualidade. Porque, se não, todo
indivíduo poderia desenvolver ao máximo sua "humanidade" na "perversidade
polimórfica" tão cara aos corações de importantes filósofos sociais da nova
esquerda, como Norman O. Brown e Herbert Marcuse.
Nos últimos anos, ficou cada vez mais claro que a
biologia representa uma barreira às fantasias igualitaristas. As pesquisas do bioquímico Roger J. Williams
enfatizaram repetidamente a incrível amplitude da diversidade individual por
todo o organismo humano. Nesse sentido,
os indivíduos diferem um do outro
até nos detalhes mais minuciosos da anatomia e da química e física corporais;
nas digitais dos dedos das mãos e dos pés; na textura microscópica do cabelo;
no padrão de pelos do corpo, nos sulcos das mãos; na espessura da pele, sua
cor, sua tendência a ficar com bolhas; na distribuição de terminações nervosas
pela superfície do corpo; no tamanho e formato das orelhas, dos canais
auditivos ou dos canais semicirculares; no comprimento dos dedos; no caráter
das ondas cerebrais (pequenos impulsos elétricos emitidos pelo cérebro); no
número exato de músculos no corpo; na atividade cardíaca; na força dos vasos
sanguíneos; nos grupos sanguíneos; na taxa de coagulação do sangue — e assim
por diante, quase ad infinitum.
Já sabemos bastante sobre como a
hereditariedade funciona e sobre como é não apenas possível mas certo que cada
ser humano possua, por hereditariedade, um mosaico extraordinariamente
complexo, composto por milhares de itens, que é característico apenas dele.[13]
A base genética da desigualdade de inteligência
também ficou cada vez mais evidente, apesar das ofensas emotivas lançadas sobre
esses estudos tanto por cientistas quanto pelo público leigo. Estudos de gêmeos idênticos criados em meios
contrastantes estão entre as maneiras pelas quais se chegou a tal conclusão; e
o professor Richard Herrstein estimou recentemente que 80%da variabilidade na
inteligência humana têm origem genética.
Herrstein conclui que qualquer tentativa política de proporcionar
ambientes iguais para todos os cidadãos apenas intensificará o grau de
diferenças socioeconômicas provocadas pela variabilidade genética.[14]
A revolta igualitarista contra a realidade biológica,
por mais significativa que seja, é apenas um subconjunto de uma revolta mais
ampla: contra a estrutura ontológica da própria realidade, contra a "própria
organização da natureza"; contra o universo como ele é. No cerne da esquerda igualitarista, está a
crença patológica de que não existe nenhuma estrutura da realidade; de que todo
o mundo é uma tabula rasa que pode
ser modificada a qualquer momento e em qualquer direção desejada pelo mero
exercício da razão humana — em suma, de que a realidade pode ser
instantaneamente transformada pelo mero desejo ou capricho dos seres
humanos. Certamente, esse tipo de
pensamento infantil está no cerne do apelo apaixonado de Herbert Marcuse à
negação por completo da estrutura existente da realidade e à sua transformação
no que ele reputa ser seu potencial verdadeiro.
Em nenhum lugar o ataque esquerdista à realidade
ontológica se mostra mais nítido do que nos sonhos utópicos de como a futura
sociedade socialista será. No futuro
socialista de Charles Fourier, de acordo com Ludwig von Mises,
todas as feras perigosas terão
desaparecido, e, em seu lugar, estarão animais que ajudarão o homem em suas
atividades — ou mesmo farão seu trabalho por ele. Um anticastor cuidará da pesca; uma
antibaleia empurrará os barcos em uma calmaria; um anti-hipopótomo rebocará os
barcos fluviais. Ao invés do leão, haverá um antileão, um corcel de agilidade fabulosa,
sobre cujo dorso o homem sentará tão confortavelmente quanto em uma carruagem
bem arqueada. "Será um prazer viver em um
mundo com servos assim."[15]
Adicionalmente, de acordo com Fourier, os
próprios oceanos conteriam limonada, em vez de água salgada.[16]
Fantasias igualmente absurdas estão na raiz da
utopia marxista do comunismo.
Libertadas das supostas amarras da especialização e da divisão do
trabalho (o cerne de qualquer produção superior ao nível mais primitivo e,
portanto, de qualquer sociedade civilizada), todas as pessoas na utopia
comunista desenvolveriam ao máximo seus potenciais em qualquer direção.[17] Como Engels escreveu em seu Anti-Dühring, o comunismo daria a "cada pessoa a
oportunidade de desenvolver e exercitar todas as suas faculdades, físicas e
mentais, em todas as direções."[18] E Lenin ansiava, em 1920, pela "abolição da
divisão do trabalho entre as pessoas (...) a educação, o ensino e o treinamento
das pessoas com um desenvolvimento
completo e um treinamento completo,
pessoas capazes de fazer tudo. O comunismo está marchando e tem de marchar
rumo a esse objetivo, e vai alcançá-lo."[19]
Em sua crítica mordaz da visão comunista,
Alexander Gray ataca:
Que todas as pessoas possam
ter a oportunidade de desenvolver todas as suas faculdades, físicas e mentais,
em todas as direções, é um sonho que animará a visão apenas dos simples de
espírito, alheios às restrições impostas pelos limites estreitos da vida
humana. Porque a vida é uma série de
atos voluntários, e cada escolha é ao mesmo tempo uma renúncia.
Até os habitantes do futuro reino
encantado de Engels terão de decidir, mais cedo ou mais tarde, se querem ser o
Arcebispo de Canterbury ou o Lorde de First Sea [almirantado], se devem tentar se destacar
como violinista ou pugilista, se devem optar por saber tudo sobre literatura
chinesa ou sobre as páginas ocultas da vida de uma cavalinha.[20]
É claro que uma maneira de tentar resolver esse
dilema é fantasiar que o Novo Homem Comunista do futuro será um super-homem, um
super-humano em suas capacidades para transcender a natureza. William Godwin acreditava que, assim que a
propriedade privada fosse abolida, o homem se tornaria imortal. O teórico marxista Karl Kautsky afirmava que,
na futura sociedade comunista, "um novo tipo de homem surgirá (...) um super-homem
(...) um homem exaltado." E Leon Trotsky
profetizava que, sob o comunismo,
o homem se tornará incomparavelmente
mais forte, mais inteligente, superior.
Seu corpo, mais harmonioso, seus movimentos, mais rítmicos, sua voz,
mais musical (...) A média humana se elevará ao nível de um Aristóteles, de um
Goethe, de um Marx. Acima dessas alturas, novos picos surgirão.[21]
Começamos considerando a visão habitual de que os
igualitaristas, apesar de um quê de falta de praticidade, têm a ética e o
idealismo moral do seu lado. Encerramos
com a conclusão de que os igualitaristas, embora inteligentes como indivíduos,
negam o próprio fundamento da inteligência humana e da razão humana: a
identificação da estrutura ontológica da realidade, das leis da natureza humana
e do universo. Ao fazerem isso, os
igualitaristas estão agindo como crianças terrivelmente mimadas, negando a
estrutura da realidade em prol da materialização rápida de suas próprias
fantasias absurdas. Não apenas mimadas,
mas também altamente perigosas; porque o poder das ideias é tal que os
igualitaristas têm uma boa chance de destruir o próprio universo que desejam
negar e transcender, destruindo estrepitosamente tal universo perante nossos
ouvidos. Uma vez que sua metodologia e
seus objetivos negam a própria estrutura da humanidade e do universo, os
igualitaristas são profundamente anti-humanos; e, portanto, sua ideologia e
suas atividades também podem ser tachadas de profundamente más. Os igualitaristas não têm a ética do seu lado, a não ser que se sustente que a
destruição da civilização, e até da própria raça humana, possa ser engalanada
com a coroa de louros de uma moralidade elevada e louvável.
[1] John
Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest, and
Money (New York: Harcourt, Brace,
1936), p. 383.
[2] Henry C. Simons, Personal Income Taxation (1938), pp.
18?19, citado em Walter
J. Blum and Harry Kalven, Jr., The Uneasy Case for Progressive Taxation (Chicago:
University of Chicago Press, 1953), p. 72.
[3] John F. Due, Government Finance (Homewood, Ill.:
Richard D. Irwin, 1954), pp. 128?29.
[4]
Assim:
Uma terceira linha de
objeção à progressão, e infelizmente aquela que recebe mais atenção, é que ela
diminui a produtividade econômica da sociedade.
Praticamente todos os que defendem a progressão no imposto sobre a renda
reconheceram isso como uma consideração que faz pender a balança para o outro
lado. (Blum e Kalven, The Uneasy Case for Progressive Taxation,
p. 21)
O "ideal" contra o "prático" mais uma vez!
[5] Helmut Schoeck, Envy (New York: Harcourt, Brace, and World, 1970),
pp. 149?55.
[6] Kurt Vonnegut, Jr., "Harrison
Bergeron," em Welcome to the Monkey
House (New York: Dell, 1970), p. 7.
[7]
Os igualitaristas, em meio a suas outras atividades, têm tido muito trabalho
"corrigindo" a língua inglesa.
Considera-se agora, por exemplo, que o uso da palavra "menina" humilha e
degrada gravemente as mulheres jovens e implica sua subserviência natural aos
adultos. Como resultado, os
igualitaristas de esquerda agora se referem a meninas de praticamente todas as
idades como "mulheres", e podemos esperar com confiança passar a ler sobre as
atividades de "uma mulher de cinco anos de idade."
[8] Irving Howe, "The Middle-Class
Mind of Kate Millett," Harper's
(December, 1970): 125?26.
[9] Ibid., p. 126.
[10] Arnold
W. Green, Sociology (6th ed.,
New York: McGraw-Hill,
1972), p. 305. Green cita o estudo de A.I. Rabin, "The Sexes: Ideology and
Reality in the Israeli Kibbutz," em G.H. Seward and R.G. Williamson, eds., Sex Roles in Changing Society (New
York: Random House, 1970), pp. 285?307.
[11] Howe, "The Middle-Class Mind
of Kate Millett," p. 124.
[12] Joan Didion, "The Women's
Movement," New York Times Review of
Books (July 30, 1972), p. 1.
[13] Roger J. Williams, Free and Unequal (Austin: University of
Texas Press, 1953), pp. 17, 23. Confira também: Williams Biochemical Individuality (New York:
John Wiley, 1963) e You are Extraordinary
(New York: Random House, 1967).
[14] Richard Herrnstein, "IQ,"
Atlantic Monthly (September, 1971).
[15] Ludwig von Mises, Socialism: An Economic and Sociological
Analysis (New
Haven, Conn.: Yale University Press, 1951), pp. 163?64.
[16] Ludwig von Mises, Human Action (New Haven, Conn.: Yale University
Press, 1949), p. 71. Mises cita o primeiro e o quarto volumes das Oeuvres Complètes de
Fourier.
[17]
Para mais a respeito da utopia comunista e da divisão do trabalho, confira:
Murray N. Rothbard, Freedom,
Inequality, Primitivism, and the Division of Labor (cap. 16 do presente
livro).
[18] Citado em Alexander Gray, The Socialist Tradition (London:
Long-mans, Green, 1947), p. 328.
[19]
O itálico é de Lenin. V.I.
Lenin, Left-Wing Communism: An Infantile Disorder (New York: International
Publishers, 1940), p. 34.
[20] Gray, The Socialist Tradition, p. 328.
[21] Citado em Mises, Socialism: An Economic and Sociological
Analysis, p.
164.