Com
a bomba fiscal já armada e com seu cronômetro no final da contagem regressiva
tanto na Europa quanto nos EUA, a pergunta mais pertinente a ser feita no
momento é: qual vai explodir primeiro?
Durante boa parte dos últimos meses, parecia que a Europa estava prestes
a ir pelos ares. Porém, a recente
postura adotada por Angela Merkel, de recusar-se a apoiar um pacote de socorro
aos países endividados — pacote esse que se resumia a mera impressão de euros
pelo Banco Central Europeu, exatamente como vem fazendo o Federal Reserve —,
bem como sua recente declaração de que ela não possuía nenhuma bazuca fiscal —
ao estilo do que fez o Tesouro americano ainda sob o comando de Hank Paulson —,
parecem ter retardado um pouco o cronômetro da bomba europeia.
Por
outro lado, o total fracasso do Super Comitê criado pelo Congresso dos EUA para
decidir como seria feito o equilíbrio do orçamento do governo americano — se
por meio de cortes de gastos, ou de aumento de impostos ou de uma combinação de
ambos — estimulou ainda mais a constatação de que o cronômetro da bomba
americana está muito mais avançado.
A
chanceler Merkel foi enfática ao dizer que os políticos europeus não podem
ganhar uma muleta monetária similar àquela que o Banco Central americano (o
Fed) concedeu aos políticos americanos.
Seu louvável objetivo, obviamente escarnecido pelos editoriais do The New York Times, é desativar a bomba
da dívida europeia por meio de substanciais reformas nos orçamentos
governamentais — e, como resultado, fazer do euro "a mais forte moeda do
mundo". Fez-se muito alarido a respeito
do baixo
volume de compras de títulos alemães no leilão da quarta-feira passada, com
algumas pessoas dizendo que a baixa demanda (o que elevou os juros dos títulos
alemães de 10 anos para mais de 2% — dificilmente um indicador de que os
investidores estão se desfazendo deles em pânico) é uma evidência de que os
investidores estão preocupados com as políticas econômicas de Merkel. Eu diria que é exatamente o oposto: muitos
investidores ainda creem que Merkel está blefando, e que a Alemanha acabará
cedendo à pressão e estimulando o BCE a imprimir dinheiro, exatamente como
estão fazendo os outros bancos centrais.
Provavelmente foi por este motivo que os juros sobre a dívida alemã
subiram modestamente.
Em
contraste a tudo isso, os EUA já deixaram cristalina sua intenção de ignorar os
problemas de sua dívida. Com o fracasso
do Super Comitê na semana passada, tal postura se tornou oficial. Os políticos americanos não irão, sob nenhuma
circunstância, confrontar de maneira sincera a crise da dívida do país. Embora o resultado nulo do Super Comitê não
devesse ter gerado nenhuma surpresa, a total disfunção apresentada deveria
servir de alerta final para todos aqueles que, movidos pelo desespero, ainda
nutrem alguma ilusão. Alguns membros do
Congresso americano, como o senador John McCain, já até mesmo se pronunciaram
contra o corte automático de US$ 1,2 trilhão que começará a ser feito a
conta-gotas a partir de janeiro de 2013.
Pode ter a certeza de que cada vez mais políticos, de ambos os partidos,
também irão se pronunciar contra.
Ao
longo da próxima década, o governo americano espera gastar mais de US$ 40
trilhões de dólares. Mesmo que esse
corte de US$ 1,2 trilhão de fato se materialize, tal quantia equivale a apenas
3% das despesas previstas. Por causa de
uma brilhante, porém hipócrita, manobra contábil, US$ 216 bilhões destes "cortes" propostos representam meramente reduções esperadas nos gastos com o
pagamento de juros da dívida, reduções estas que, por sua vez, seriam resultado
de cortes de US$ 984 bilhões no orçamento — daí o total de US$ 1,2 trilhão.
É
claro que, mesmo que tudo ocorra como maravilhosamente previsto, esses cortes
sequer farão cócegas nos déficits orçamentários já projetados, os quais, se a
história por nos servir de parâmetro, provavelmente subirão acentuadamente à
medida que a realidade econômica for se comprovando bem mais sombria do que
previram as estatísticas do governo americano.
Por último, vale também mencionar que os cortes de gastos não
representam cortes no sentido comum da palavra, na qual o gasto é realmente
reduzido. No linguajar governamental, "cortes" são meras reduções na linha de referência, o que significa que os
gastos do governo irão aumentar um pouco menos do que havia sido inicialmente
programado.
Enquanto
isso, a possibilidade de um calote soberano na Europa está estimulando a
demanda mundial por dólares, o qual, apesar de tudo, ainda continua sendo visto
como um "porto seguro". Portanto,
contrariamente ao que dizem os políticos, sempre ansiosos para inventarem
desculpas, os problemas da Europa estão na realidade fornecendo um estímulo
temporário às bolhas formadas na economia americana. No entanto, uma deliberação para a crise na
Europa poderia reverter essa tendência.
E considerando-se a disciplina que vem sendo emanada de Berlin, uma
genuína solução não está totalmente fora de questão. Se a confiança puder ser restaurada por lá,
cada nova rodada de fuga temporária de investidores em busca de algum porto
seguro poderá estar cada vez menos centrada no dólar americano. Em vez do dólar, investidores avessos ao
risco podem preferir uma cesta de outras moedas mais fiscalmente sustentáveis e
que gerem maiores retornos.
A
ironia é que a Europa está sendo criticada justamente por não estar seguindo o
exemplo americano. Essa crítica é
inapropriada porque parte do princípio de que as políticas adotadas pelos EUA
funcionaram. Só que elas não
funcionaram. No máximo, elas postergaram
a explosão da bomba, mas fizeram isso de tal forma que, quando a explosão vier,
será ainda mais destruidora. Enquanto
isso não ocorre, todos seguem interpretando erroneamente a situação,
confundindo adiamento com sucesso.
Todavia,
se a abordagem mais linha-dura de Merkel funcionar, e cortes reais forem feitos,
a Europa será elogiada por seu pioneirismo em seguir um caminho diferente e
ousado. Como consequência, o euro poderá
se valorizar e o dólar, afundar. Nos
EUA, os preços das commodities irão subir, elevando ainda mais os índices de
inflação de preços e, consequentemente, as taxas de juros.
Qualquer
reversão significativa na atual tendência de valorização do dólar poderá
fornecer um estímulo para que aqueles países que possuem enormes reservas em
dólares diversifiquem essas suas reservas internacionais em outras moedas. Meu palpite é que Merkel compreende bem a
grande vantagem que os EUA desfrutaram em decorrência do fato de ser o emissor
da moeda de reserva
mundial. Creio que ela esteja cobiçando
esse prêmio para a Europa, e, baseando-se em sua estratégia, trata-se de um
objetivo claramente dentro de seu alcance.
Há
um velho ditado que diz que uma pessoa só passa a dar valor ao que tem após ter
perdido tudo. A insensatez criminosa que
reina hoje em Washington pode finalmente forçar o resto do mundo a cancelar o
privilégio concedido aos EUA de ser o detentor da moeda internacional de
reserva. Tal perda poderá fazer com que
os americanos finalmente passem a valorizar profundamente este conceito — e
amargar a situação que seu próprio governo criou para eles.