quinta-feira, 15 set 2011
O mercado
Costuma-se
falar, em um sentido metafórico, das forças automáticas e anônimas que
influenciam o "mecanismo" do mercado. Ao empregar tais metáforas, as pessoas
estão propensas a desconsiderar o fato de que os únicos fatores que dirigem o
mercado e influenciam a formação de preços são as ações intencionais dos
homens. Não há nenhum automatismo; existem apenas homens conscientes e que,
deliberadamente, visam a atingir os objetivos que escolheram.
O mercado é um corpo social; é o corpo social por
excelência. Todos agem por conta própria; mas as ações de cada um procuram
satisfazer tanto as suas próprias necessidades como também as necessidades de
outras pessoas. Ao agir, todos servem seus concidadãos. Por outro lado, todos
são por eles servidos. Cada um é ao mesmo tempo um meio e um fim; um fim último
em si mesmo e um meio para que outras pessoas possam atingir seus próprios fins.
Todos os homens são livres; ninguém tem de se
submeter a um déspota. O indivíduo, por vontade própria, se integra num sistema
de cooperação. O mercado o orienta e lhe indica a melhor maneira de promover o
seu próprio bem estar, bem como o das demais pessoas. O mercado comanda tudo;
por si só coloca em ordem todo o sistema social, dando-lhe sentido e
significado.
O mercado não é um local, uma coisa, uma
entidade coletiva. O mercado é um processo, impulsionado pela interação das
ações dos vários indivíduos que cooperam sob o regime da divisão do trabalho.
A reiteração de atos individuais de troca vai
dando origem ao mercado, à medida que a divisão de trabalho evolui numa
sociedade baseada na propriedade privada.
Tais trocas só podem ser efetuadas se cada uma das partes atribuir maior
valor ao que recebe do que ao que renuncia.
A divisibilidade da moeda, ilimitada na
prática, torna possível determinar com precisão as relações de troca, que
passam a ser conhecida, em via de regra, por preços expressos em moeda.
O mercado é um processo coerente e
indivisível. É um entrelaçamento
indissolúvel de ações e reações, de avanços e recuos. Entretanto, a insuficiência de nossa
capacidade mental nos obriga a dividi-lo em partes e a analisar separadamente
cada uma delas. Ao recorrer a tais
divisões artificiais, não devemos esquecer que a aparente existência autônoma
dessas partes é um artifício de nossa mente.
São apenas partes, isto é, não podem ser concebidas como independentes
da estrutura geral do todo.
A economia de mercado, em princípio, não
respeita fronteiras políticas. Seu âmbito
é mundial. O mercado torna as pessoas
ricas ou pobres, determinam quem dirigirá as grandes indústrias e quem limpará o
chão, fixa quantas pessoas trabalharão nas minas de cobre e quantas nas
orquestras sinfônicas. Nenhuma dessas decisões é definitiva: são revogáveis a
qualquer momento. O processo de seleção não para nunca.
Atribuir a cada um o seu lugar próprio na
sociedade é tarefa dos consumidores, os quais, ao comprarem ou absterem-se de
comprar, estão determinando a posição social de cada indivíduo. Os consumidores determinam, em última
instância, não apenas os preços dos bens de consumo, mas também os preços de
todos os fatores de produção. Determinam
a renda de cada membro da economia de mercado. São os consumidores e não os empresários que basicamente
pagam os salários ganhos por qualquer trabalhador, tanto o da glamorosa artista
de cinema quanto o da faxineira da sala do cinema. É verdade que, no mercado, os vários
consumidores não têm o mesmo direito de voto.
Os ricos dispõem de mais votos que os cidadãos mais pobres. Mas essa desigualdade é, em si mesma, o
resultado de um processo eleitoral anterior.
Se um empreendedor não obedecer estritamente às
ordens do público tal como lhe são transmitidas pela estrutura de preços do
mercado, ele sofrerá prejuízos e irá à falência. Outros homens que melhor souberam satisfazer os
desejos dos consumidores o substituirão.
Os consumidores prestigiam as lojas nas quais
podem comprar o que querem pelo menor preço. Ao comprarem e ao se absterem de comprar, os
consumidores decidem sobre quem permanece no mercado e quem deve sair; quem
deve dirigir as fábricas, as fornecedoras e as distribuidoras. Enriquecem um homem pobre e empobrecem um
homem rico. Determinam precisamente a
quantidade e a qualidade do que deve ser produzido. São patrões impiedosos, cheios de caprichos e
fantasias, instáveis e imprevisíveis. Para
eles, a única coisa que conta é sua própria satisfação. Não se sensibilizam nem um pouco com méritos
passados ou com interesses estabelecidos.
Os preços de mercado informam aos produtores o
que produzir, como produzir e em que quantidade. O mercado é o ponto focal para onde convergem
e de onde se irradiam as atividades dos indivíduos.
A economia de mercado, ou capitalismo, como é
comumente chamada, e a economia socialista são mutuamente excludentes. Não há mistura possível ou imaginável dos
dois sistemas; não há algo que se possa chamar de economia mista, um sistema
que seria parcialmente socialista. A
produção ou é dirigida pelo mercado, ou o é por decretos de um czar da
produção, ou de um comitê de czares da produção. A economia de mercado é o produto de um longo
processo evolucionário. É o resultado
dos esforços do homem para ajustar sua ação, da melhor maneira possível, às
condições dadas de um meio ambiente que ele não pode modificar. É, por assim
dizer, a estratégia cuja aplicação permitiu ao homem progredir triunfalmente do
estado selvagem à civilização.
Praxeologia
Não é mais possível definir claramente que
ações devem estar compreendidas no âmbito da ciência econômica, em sentido
restrito, e quais devem ser excluídas.
O agente homem nem sempre está interessado
apenas em coisas "materiais", mas também em coisas "ideais". Escolhe entre
várias alternativas, sem considerar se elas são classificadas como materiais ou
ideais.
A teoria geral da escolha vai muito além dos
limites que cingiam o campo dos problemas econômicos estudados pelos
economistas, de Cantillon, Hume e Adam Smith até John Stuart Mill. É muito mais do que simplesmente uma teoria do
"aspecto econômico" do esforço humano e da luta pela melhoria de seu bem-estar
material. É a ciência de todo tipo de
ação humana. Toda decisão humana representa uma escolha.
Da economia política da escola clássica emergiu
a teoria geral da ação humana, a praxeologia. Os problemas econômicos ou catalácticos [Cataláxia
— a teoria da economia de mercado, isto é, das relações de troca e dos
preços] estão embutidos numa ciência mais geral da qual não podem mais ser
separados. O exame dos problemas econômicos
tem necessariamente de começar por atos de escolha: a economia torna-se uma
parte — embora até agora a parte elaborada — de uma ciência mais universal: a
praxeologia.
A praxeologia — e consequentemente também a
economia — é um sistema dedutivo. Sua
força provém do ponto de partida de suas deduções, ou seja, da categoria da ação
humana. Nenhum teorema econômico, que
não esteja consistentemente ligado a esta origem por uma irrefutável sequência lógica,
pode ser considerado como válido. Qualquer
afirmativa proclamada sem esta ligação é arbitrária e insustentável. Não é possível tratar qualquer segmento da
economia sem enquadrá-la numa teoria geral e completa da ação.
As ciências empíricas partem dos eventos
singulares e progridem do que é individual e específico para o que é mais
universal. Sua abordagem está sujeita à
especialização. Podem lidar com
segmentos de seu campo de investigação sem se preocupar com o conjunto. Em contrapartida, o economista não pode,
jamais, ser um especialista. Ao lidar
com qualquer problema, deve ter sempre uma visão abrangente de todo o conjunto.
Em relação às leis da natureza, temos
consciência da inexorabilidade dos fenômenos físicos e biológicos, e de que o agente
homem tem de se submeter a essas regularidades, se quiser ser bem-sucedido. Em relação às leis da ação humana, devemos ter
consciência de que também existe essa mesma inexorabilidade dos fenômenos no
campo da ação humana e que, portanto, o agente homem terá de reconhecer a
existência dessas regularidades, se quiser ser bem-sucedido.
Na física, estamos diante de mudanças que os
sentidos registram. Percebemos uma
regularidade na sequência dessas mudanças e essas observações nos permitem
formular uma ciência da física.
Na praxeologia, sabemos antes de tudo que os
homens têm o propósito de provocar mudanças. É com base nesse conhecimento que se efetua o
estudo da praxeologia, diferenciando-a das ciências naturais. Conhecemos as forças que provocam as mudanças
e este conhecimento apriorístico nos permite compreender os processos praxeológicos.
O físico não sabe o que "é" a
eletricidade. Conhece apenas os
fenômenos atribuídos ao que chamamos de eletricidade. Já o economista sabe o que impulsiona o
processo de mercado. Graças a esse
conhecimento é que ele pode distinguir os fenômenos de mercado de outros, e
descrever o processo de mercado.
A praxeologia não é uma ciência histórica, mas
uma ciência teórica e sistemática. Suas
afirmativas e proposições não derivam da experiência. São como a lógica e a matemática:
apriorísticas. Não estão sujeitas a
verificação ou a falsificação com base na experiência e nos fatos.
Os ensinamentos da praxeologia e da economia
são válidos para qualquer ação humana, independentemente de seus motivos,
causas ou objetivos subjacentes. Os
julgamentos finais de valor e os objetivos finais da ação humana são dados para
qualquer tipo de investigação científica; não são passíveis de maior análise. A praxeologia lida com os meios e recursos
escolhidos para a obtenção de tais objetivos finais. Seu objeto são os meios,
não os fins. O único padrão que utiliza
é o de procurar saber se os meios escolhidos para a obtenção dos fins
pretendidos são ou não os mais adequados.
Só os loucos se atrevem a desrespeitar as leis
físicas e biológicas. Mas é muito comum
desdenharem-se as leis praxeológicas. Os
governantes não gostam de admitir que o seu poder possa ser limitado por leis
outras que não as da física ou da biologia. Nunca atribuem seus fracassos e frustrações à
violação das leis econômicas.
Lucros e
prejuízos
Os lucros são a força motriz da economia de
mercado. Quanto maior forem os lucros,
melhor estarão sendo atendidas as necessidades dos consumidores. Porque, no livre mercado, só se pode auferir
lucros eliminado-se os obstáculos existentes entre os desejos dos consumidores e
a configuração existente da atividade produtora. Quem melhor servir o público, maiores lucros
terá. Ao combater o lucro, os governos deliberadamente sabotam o funcionamento
da economia de mercado.
Os lucros daqueles que produzem bens e serviços
disputados pelos compradores não são a causa dos prejuízos daqueles que
produzem mercadorias pelas quais o público não está disposto a pagar um preço
suficiente para cobrir os custos de sua produção. Esses prejuízos decorrem da falta de visão
quanto à futura situação do mercado e quanto à demanda dos consumidores.
Na economia de mercado não existem conflitos
entre os interesses de compradores e vendedores. Existem prejuízos decorrentes de uma previsão
malfeita. Seria uma maravilha se todos
os membros da sociedade de mercado pudessem, sempre, prever corretamente as condições
futuras e ajustar suas ações correspondentemente. Se isso ocorresse, um exame
retrospectivo mostraria que nenhuma parcela de capital e trabalho teria sido
desperdiçada para satisfazer necessidades que fossem consideradas menos
urgentes do que outras ainda não satisfeitas.
Mas o homem não é onisciente. Examinar
esses problemas com uma atitude de ressentimento e inveja conduz ao erro.
Se os lucros fossem restringidos em favor dos
que foram prejudicados por uma mudança nas condições do mercado, ou seja,
daqueles cujas previsões estavam erradas, o ajuste da oferta à demanda estaria
sendo dificultado e não aperfeiçoado. Se
impedíssemos os médicos de ocasionalmente ganharem honorários elevados,
estaríamos diminuindo, e não aumentando, o número daqueles que optam por se
dedicar à medicina.
Lucros e prejuízos são favoráveis a alguns
membros da sociedade e desfavoráveis a outros. Daí a famosa conclusão: o que um ganha, o outro
perde; ninguém lucra sem que alguém tenha prejuízo. Esse dogma já havia sido enunciado por autores
antigos. Foi a quintessência das
doutrinas do mercantilismo, antigo e moderno. Está na raiz de todas as doutrinas modernas
que alegam existir, no contexto da economia de mercado, um irreconciliável
conflito de interesses entre as várias classes sociais de uma nação e, mais
ainda, entre os interesses de uma nação e os de todas as outras nações. Isso é inteiramente falso para quaisquer
casos de lucros ou prejuízos empreendedoriais.
Em uma sociedade de mercado, livre de
interferências, os ganhos de um indivíduo não decorrem da dor ou do sofrimento
de seus concidadãos; decorrem do fato de ter aliviado a sensação de desconforto
dessas mesmas pessoas. O que faz mal ao
doente é a doença e não o médico que o cura. O ganho do médico não é decorrente da
epidemia, mas da ajuda prestada àqueles que utilizam os seus serviços.
Um excesso do total de lucros sobre o total de prejuízos
é uma prova do fato de estar havendo progresso econômico e melhora do nível de
vida de todos os estratos da população. Quanto
maior esse excesso, maior o incremento de prosperidade geral. Lucros e prejuízos empreendedoriais são
fenômenos essenciais na economia de mercado. Não pode haver uma economia de mercado sem ambos.
É absurdo falar de uma "taxa de lucro", ou de uma
"taxa normal de lucro", ou de uma "taxa média de lucro". O lucro não é função nem depende da quantidade
de capital empregado pelo empreendedor. O
capital não "gera" lucro. Lucros e prejuízos
dependem exclusivamente do sucesso ou fracasso do empreendedor em ajustar sua
produção à demanda dos consumidores. Não
há nada que se possa chamar de "normal" ou "equilibrado" em relação a lucros. Pelo contrário, lucros e prejuízos são sempre
um fenômeno decorrente de um desvio da "normalidade", de mudanças não previstas
pela maioria das pessoas, e de um "desequilíbrio". Não poderiam existir em um mundo de
normalidade e equilíbrio. Numa economia
em movimento prevalece sempre uma tendência ao desaparecimento dos lucros e prejuízos. Lucros empreendedoriais não são um fenômeno
permanente e, sim, um fenômeno transitório. Há no que concerne aos lucros e prejuízos
uma tendência inerente ao seu desaparecimento.
A
função empreendedorial, o empenho dos empreendedores em obter lucros, é a força
motriz da economia de mercado. Lucro e prejuízo são os instrumentos por meio
dos quais os consumidores exercem sua supremacia no mercado. O comportamento dos consumidores gera os
lucros e os prejuízos e, desta forma, transfere a propriedade dos meios de
produção das mãos dos menos eficientes para as mãos dos mais eficientes.
A
produção visando ao lucro é necessariamente produção voltada para o consumo,
uma vez que os lucros só podem ser ganhos quando se fornece aos consumidores
aquilo que eles mais urgentemente desejam.