O
governo afeta a renda dos indivíduos praticamente a cada decisão que toma, a
cada programa que inventa, a cada regulamentação que edita, a cada gasto em que
incorre e, obviamente, a cada imposto que cria.
Crédito subsidiado para grandes empresários amigos
do regime, gastos assistencialistas, leis trabalhistas, restrição da livre concorrência por meio da criação de
agências reguladoras, recursos consumidos ineficientemente pela educação
pública, pela saúde pública e pela previdência social, leis antidiscriminação, programas
agrícolas de preço mínimo
e, não menos importante, as inúmeras regulamentações e controles que são
criados quase que diariamente — tudo isso afeta as condições econômicas de
cada cidadão.
Com
efeito, os governos modernos se transformaram em agências de transferências
universais, que utilizam o processo político para distribuir vastas quantias de
riqueza e renda. O governo rapina
milhões de vítimas com o intuito de redistribuir os espólios para determinados beneficiários, sejam pobres que vivem de
assistencialismo, sejam ricos que trabalham para o estado, sejam milionários
que utilizam concessões e créditos subsidiados.
Para estas pessoas, os programas de transferência são tão populares, tão
inquestionáveis, que são vistos como um direito adquirido. Nenhum político ousa se opor a este arranjo.
As
justificativas que sustentam esse viciado sistema de transferências são
extremamente variadas, tão variadas quanto as próprias intenções humanas. É claro, os reais motivos são frequentemente
dissimulados e camuflados, e um vazio pretexto é pomposamente inventado e
colocado na linha de frente do debate, apenas para obscurecê-lo. Um bom motivo pode escusar uma ação ruim, mas
um mau motivo perverte e invalida até mesmo a mais bem intencionada das
ações.
A consciência é meramente o nosso
julgamento próprio sobre o que é certo e o que é errado em nossas atitudes, e
portanto não pode jamais ser um guia seguro — a menos que ela seja iluminada
por uma total, irrestrita e meticulosa compreensão das implicações e consequências
de nossas ações. Sem uma consciência
iluminada, podemos fazer o mal de maneira entusiasmada, sincera e completa.
Uma
atitude que fornece um importante sustento para essa sociedade baseada na
transferência é o desejo que muitas pessoas têm de se vingar, de acertar as
contas com o estado nessa batalha redistributiva. "No passado, eu fui uma vítima da tributação,
da inflação, da regulamentação, da burocracia e de outros mecanismos," diz o argumento, "sendo
assim, tenho o direito de agora ser um recebedor desses benefícios".
Ou a sequência temporal pode ser revertida:
"Serei uma vítima no futuro," afirma o cidadão, "sendo assim, vou utilizar ao
máximo programas e subsídios estatais hoje".
Esse
argumento é provavelmente o mais poderoso apaziguador de consciências. Ele entorpece e ofusca nossa percepção e
nosso discernimento sobre o que é perverso; ele impede que evitemos o mal, levando-nos
a praticá-lo inconscientemente. Afinal,
estamos apenas pegando de volta "aquilo que é nosso por direito".
Em decorrência de uma curiosa e ilusória
deturpação de raciocínio, o moderno estado assistencialista — o qual
continuamente confisca e redistribui propriedade privada à força — passou a
ser rotineiramente defendido por defensores da liberdade individual e da
propriedade privada. "O homem tem
direito a reter os frutos do seu trabalho," argumentam eles, "logo, nós estamos
apenas retomando aquilo que é legitimamente e moralmente nosso". Tais pessoas recorrem aos argumentos
aplicados em defesa da propriedade privada e os utilizam para defender a
socialização da propriedade.
É
claro que retomar aquilo que é legitimamente e moralmente nosso é um princípio
que decorre diretamente do nosso direito inalienável à própria vida. Trata-se de um direito de propriedade que
advém de nossos próprios direitos humanos e do nosso direito à própria
vida. É o direito de restituição dos
frutos do nosso esforço e trabalho, dos quais fomos despojados por meio da
força, do logro ou de qualquer outra prática imoral. Trata-se de um direito específico de adjudicarmos
ou obtermos compensação daqueles que nos destituíram ou que nos prejudicaram no
passado.
Porém,
esse direito à restituição não nos dá o direito de cometermos o mesmo ato
imoral contra o qual queremos restituição, de imitar quem desprezamos ao
agirmos tão imoralmente quanto eles, ou de nos vingarmos de nossos
transgressores e, nesse processo, atingirmos inocentes. E é exatamente isso que os defensores do
"acerto de contas com o estado" nos exortam a fazer.
Por
exemplo, caso soframos um desventurado acidente de carro e fiquemos feridos, ou
caso apenas o nosso veículo seja danificado, tudo por causa da negligência de
outro motorista, isso nos dá o direito de exigir restituições e compensações da
parte culpada. Porém, não nos dá o
direito de nos apossarmos de um outro carro qualquer que esteja estacionado nas
redondezas, ou de voltarmos à estrada apenas para ferir outro motorista. Da mesma forma, se nossa casa for assaltada e
vandalizada, e sofrermos deploráveis perdas tanto de riqueza pessoal quanto de
peças de recordação, isso não nos concede o direito de fazermos o mesmo com o
vizinho. Porém, o raciocínio dos
defensores do "acerto de contas com o estado" chega exatamente a essa defesa.
Aquele
que anseia por "acertar as contas" nesse jogo político de redistribuição está,
na verdade, apenas almejando se juntar ao exército de beneficiários que saqueia
e explora suas vítimas. Ao dizer que
quer apenas "retomar o seu dinheiro", ele na verdade está querendo espoliar a
primeira pessoa que encontrar. Assim
como a vítima de um assalto que se torna ela própria um assaltante, esse
indivíduo está apenas à procura de outras vítimas. Porém, ao contrário desse novo assaltante, o
qual pode estar ciente da imoralidade de seus atos, o partidário do "acerto de
contas" defende abertamente seus motivos enquanto sai em busca de seu
estratagema político.
Não
podemos acertar as contas com aqueles indivíduos que, no passado, nos
despojaram de nossa propriedade. Eles
podem há muito já ter morrido ou até mesmo terem se tornado vítimas de
outros. Não podemos acertar as contas
com eles alistando-nos no exército permanente dos beneficiários do estado. Estaremos meramente perpetuando a maldade e a
imoralidade caso façamos isso. Portanto,
temos de nos manter imunes às tentações do mal, independentemente de tudo
aquilo que os outros estejam fazendo com a gente. A redistribuição tem de parar em nós.
A
sociedade baseada na redistribuição vitimou vários milhões de pessoas por meio da
tributação confiscatória, da inflação e da regulamentação. O governo, atuando como a agência política
responsável pela transferência coerciva, confiscou renda e riqueza dos membros
mais produtivos da sociedade, reteve para si uma fatia, e redistribuiu o
restante do despojo para seus beneficiários.
Embora vários milhões de vítimas e beneficiários estivessem envolvidos
nesse arranjo — algo que frequentemente obscurece a moralidade da questão —,
o fato é que a transferência forçada sempre ocorre entre indivíduos
específicos.
É verdade que os
beneficiários, os quais utilizaram a força política para obter os benefícios,
não podem ser facilmente reconhecidos no meio desse maciço processo de
transferência. Porém, mesmo se
pudéssemos identificá-los e mesmo que pudéssemos determinar um direito individual à restituição,
o fato é que nossa propriedade já foi consumida há muito tempo. Um vasto exército de beneficiários, em
conjunto com as legiões de funcionários públicos e outras pessoas em conluio
com o governo, já consumiu ou dissipou nossa riqueza.
Logo, não há nada a ser reavido de beneficiários
que provavelmente estão mais pobres do que jamais estiveram, uma vez que
cresceram debilitados, incapacitados para o trabalho, vezados à mândria,
acostumados a benesses e totalmente dependentes do processo de transferência.
Quando
visto por esse prisma, o argumento do acerto de contas nada mais é do que uma
declaração de intenção de se juntar às forças de redistribuição. Ele pode até ter nascido do impulso primitivo
de querer se vingar do governo, do estado ou da sociedade. Porém, em última instância, estou na prática atacando os indivíduos produtivos da sociedade — afinal, quem forma um governo, faz um estado e constitui uma sociedade são indivíduos. Ao perpetrar uma vingança contra alguns
destes indivíduos por causa das injúrias que sofri nas mãos de outros, estou
meramente reforçando a maldade e a perversidade.
A
vingança é um sentimento comum que escraviza a mente do homem e obscurece sua
visão e seu raciocínio. Para o selvagem,
é uma aspiração nobre que o deixa em pé de igualdade em relação ao seu
inimigo. Para uma sociedade civilizada
que está em busca de paz e harmonia, a vingança é uma força destrutiva que a
lei busca suprimir. Porém, quando a
própria lei se torna um instrumento de transferência, o impulso primitivo da
vingança pode se transformar em uma irrefreável demanda por mais
redistribuição. Ela se torna uma força
primária que gera novas demandas, ou que, no mínimo, reforça as demandas
populares por transferências econômicas.
O vulgar desejo por vingança, não importa o quão bem escondido seja, sem
dúvidas é um importante gerador de políticas sociais que levam uma sociedade
livre à sua própria destruição.
Nenhuma
riqueza existente no mundo e nenhuma distribuição política desta riqueza podem
comprar a paz e a harmonia essenciais à existência humana. Paz e harmonia podem ser encontradas somente
na elevação moral que permeia todos os aspectos e atitudes da vida humana. Uma sociedade livre é o resultado da
moralidade que guia as ações e políticas de seus membros.
Para efetivar o renascimento de uma sociedade
é preciso acima de tudo restaurar os princípios morais que geraram essa
sociedade. A genuína bravura e o genuíno heroísmo ocorrem quando o indivíduo renasce e passa a se dedicar aos inexoráveis princípios da moralidade. O exemplo
de grandes indivíduos é útil para motivar e servir de inspiração, pois nada é
mais contagioso para a grandeza, a dignidade e a magnificência do que o poder de
um grande exemplo.
O
renascimento de uma sociedade livre exige a dedicação de seus indivíduos a um
novo contrato de redenção, o qual representa uma simples reiteração da
moralidade pública. Na atual
configuração de nossa sociedade, baseada na redistribuição econômica e no
conflito social, devemos declarar que:
- Não
importa como o estado e seu sistema de transferência tenha me vitimado, não buscarei
e nem aceitarei nenhum tipo de pagamento advindo deste sistema.
- Não
buscarei auxílios, privilégios, empréstimos subsidiados ou outros favores redistributivos
do estado, nem aceitarei que ele me ofereça nenhum.
- Não
estimularei ordens governamentais em prol da redistribuição, e nem aceitarei
nenhuma.
- Não
buscarei nenhum emprego no aparato governamental de redistribuição, e nem
aceitarei nenhuma oferta dele.
- Não
buscarei favores de agências reguladoras do governo, e nem aceitarei suas
ofertas.
- Não
buscarei proteção por meio de barreiras comerciais, tarifas à importação ou de
quaisquer outras restrições institucionais ao livre comércio.
- Não
buscarei os serviços de instituições coletivas que são crias do sistema de
redistribuição, e nem a elas darei meu apoio.
- Não
buscarei o apoio de associações que de defendam ou pratiquem a coerção, a
coibição e o controle, e nem a elas darei meu apoio.
Não
sabemos como estará a sociedade daqui a algumas décadas. Se ela ainda pode ser salva, então serão grandes
homens de inabaláveis convicções que terão de liderar a empreitada — homens que, com
fervor religioso e desmedida coragem, saibam resistir a todas as tentações
redistributivas. Os heróis da liberdade
são notáveis tanto por aquilo que sofrem como por aquilo que conquistam.