segunda-feira, 15 jul 2013
Em
uma discussão na internet sobre a viabilidade e a desejabilidade da medicina
socializada, selecionei dois comentários que valem a pena ser respondidos
porque representam o pensamento convencional acerca desse tema e de temas
econômicos mais gerais.
Não estou dizendo que um livre mercado para o sistema de
saúde seja uma ideia ruim, mas se indivíduos têm direito à vida, e se eles
tiverem uma doença que será fatal caso não seja tratada, e se eles não tiverem
condições financeiras de bancar tal tratamento, o que os médicos devem
fazer? Cruzar os braços e deixá-lo
morrer? A resposta-padrão é que tal
indivíduo deve recorrer à caridade, e eu realmente creio que tal caridade
existiria até um certo ponto; mas a caridade não poderia atender a todas as
pessoas. E não é crível imaginar que
médicos não iriam rejeitar pessoas pobres — mesmo sabendo que poderiam salvar
uma vida fazendo uma intervenção cirúrgica simples — caso o tratamento delas
apresentassem um custo alto e nenhum retorno financeiro.
Este
raciocínio parte de uma premissa falsa; na verdade, trata-se de uma confusão
bastante corriqueira. Um indivíduo ter
direito à vida não significa que ele tem o direito de ser mantido vivo por
outras pessoas, contra a vontade delas.
Se houvesse tal direito, então, por definição, você, eu e todas as
pessoas que não são miseráveis teríamos de estar dedicando toda a nossa vida à
inesgotável tarefa de manter vivas um incontável número de pessoas miseráveis
ao redor do mundo. Porém, ao contrário,
o direito à vida significa o direito de que ninguém tire a sua vida; significa
também que o indivíduo tem o direito de empreender todo e qualquer tipo de
ação, desde que pacífica e não coerciva, para sustentar e melhorar a sua
vida. Essa compreensão do que realmente
é o direito à vida é incompatível com a noção de pessoas terem o direito de
serem mantidas vivas à custa de outras.
É
claro que as pessoas podem fazer doações para a caridade, e elas farão isso até
o ponto em que considerarem que tal atitude traz bem-estar às suas próprias
vidas. Os fundos arrecadados por meio da
caridade, em conjunto com o tempo que os médicos estarão dispostos a dedicar a
pacientes de instituições de caridade, indubitavelmente ficarão concentrados
naqueles casos em que as intervenções cirúrgicas necessárias para salvar uma
vida, um órgão ou um membro são relativamente simples e pouco custosas. Mas isso, obviamente, está longe de ser uma
solução para aqueles problemas médicos que requerem tratamentos mais complexos
e custosos, e que, por isso mesmo, estão além dos recursos desses pacientes e além
da disposição e mesmo da capacidade financeira das pessoas de fazer caridade.
A
única solução para esses problemas médicos é o progresso econômico. É o enriquecimento da sociedade. Isso só pode ocorrer por meio da acumulação
de capital, a qual só é possível por meio da poupança e do investimento, e a
qual é obstruída por impostos, gastos e regulamentações governamentais. É o progresso econômico o que possibilita um
contínuo aprimoramento do sistema de saúde e o que o torna cada vez menos
custoso, ao mesmo tempo em que faz com que praticamente todos os outros bens e
serviços da economia fiquem também melhores e menos caros, desta forma
liberando mais renda para ser gasta em serviços médicos, caso necessário. A base do progresso econômico, obviamente, é
a liberdade individual e o capitalismo de livre mercado.
No
entanto, mesmo em um sistema de irrestrito capitalismo de livre mercado, sempre
haverá algumas pessoas que morrerão porque precisavam de mais e melhores
cuidados médicos, os quais poderiam ter-lhes sido ofertados, mas que estavam
além de seus recursos financeiros.
Simplesmente não há como evitar isso.
Trata-se de um aspecto inerente ao fato de que o ser humano é mortal.
Tentar
evitar essa triste realidade obrigando todos os indivíduos não miseráveis a
dedicarem suas vidas à tarefa de manter outras pessoas vivas — de modo a
ignorar por completo o valor subjetivo que tal atitude "benevolente" trará para
a vida desses indivíduos coagidos — é uma medida que destrói os incentivos
para produzir e prosperar, fazendo com que, em última instância, tal medida
coercitiva não traga felicidade e bonança para ninguém.
Por
causa dessa destruição de incentivos, tentativas de impor e fazer cumprir tais
obrigações sempre estancam após algum tempo.
Com efeito, é isso que está ocorrendo agora nos EUA, onde estão propondo
a rejeição do tratamento médico aos mais velhos, com cortes no programa Medicare
(programa governamental que reembolsa
hospitais e médicos por tratamentos fornecidos a indivíduos acima de 65 anos de
idade). É isso também que já
aconteceu na Grã-Bretanha (onde bebês sofrem eutanásia compulsória),
no Canadá, na Suécia
e em todos os outros lugares onde o sistema de saúde já foi coletivizado há muito
tempo.
O
governo simplesmente não possui os recursos para prover todos os indivíduos com
serviços de saúde ilimitados. Como o
governo nada produz, ele apenas se limita a confiscar de uns para redistribuir
para outros. E como os recursos não são
infinitos, como vivemos em um mundo de escassez, e como os serviços
governamentais se resumem a um consumo de bens escassos, sempre chegará um
momento em que o governo terá de impor limites aos serviços que ele oferta. Porém, tais limites inevitavelmente acabam
por privar de serviços médicos pessoas que poderiam bancá-los caso tivessem
podido utilizar seus próprios recursos para esse propósito. Tais limites inevitavelmente impedem o
desenvolvimento medicinal justamente porque o governo precisa manter baixo o
custo de funcionamento de seu sistema coletivizado.
Há
dois tipos de limitações ao sistema de saúde.
Uma limitação é a realidade, a qual abrange o presente estado do
conhecimento científico e tecnológico, o presente estado da acumulação de
capital da economia, a consequente produtividade da mão-de-obra que tal
acumulação permite aumentar, e o relativo desempenho de diferentes indivíduos
cooperando conjuntamente em um arranjo de livre concorrência econômica e de
busca pelo interesse próprio. Sob o
capitalismo, como resultado da concorrência e da busca pelo interesse próprio,
essa limitação é continuamente expandida e o nível de consideração e
preocupação para com o próximo aumenta continuamente, pois a existência de
terceiros representa a existência de consumidores.
O
outro tipo de limitação ao sistema de saúde são os decretos arbitrários feitos
pelo governo. Quando o governo assume o
controle do sistema de saúde, ele passa a decidir quem pode receber cuidados
médicos e até que ponto. Sob o controle
estatal, a limitação ao sistema de saúde tende a ser fixa — declinante até. O desenvolvimento do sistema de saúde passa a
ser em grande medida proibido, pois é visto como uma ameaça ao orçamento do
governo; e esse declínio do sistema atrai médicos que se contentam em ser meros
instrumentos das políticas do governo, pois veem no sistema oportunidades de
politização e sindicalização. O declínio
da saúde também se torna um mero reflexo do declínio econômico geral, resultante
das políticas necessárias à manutenção de um grande sistema de saúde estatal,
políticas essas (tributação e gastos crescentes) hostis à acumulação de capital
e à eficiência econômica.
Outro
internauta, mais à esquerda, apresentou a solução para tudo:
Altruísmo, empatia, afeto — essas são ideias
essencialmente inerentes à sociedade, e não ao mercado. Um sistema público de saúde é parte da
natureza altruística da sociedade, e surgiu não de necessidades puramente
comerciais, mas sim porque a maioria das pessoas deste planeta tem empatia por
aqueles que estão doentes, por aqueles que não têm saúde. Pessoas formam sociedades coletivas
exatamente por esta razão: para dividir as dificuldades, aflições e infortúnios
da vida, de maneira equânime e justa, entre aqueles que podem e aqueles que não
podem arcar com tudo isso.
Apenas anarquistas insensíveis podem ser contra isso, pois
têm a ideia doentia de que todas as pessoas são isentas da obrigação de ajudar
qualquer outra pessoa, não importam as circunstâncias. Daí a ideia de que é desnecessário ter um
governo para ofertar serviços para todos.
Também devem crer que a educação deve ser relegada a um domínio
puramente comercial...
Será que tais pessoas conhecem o conceito econômico de
altruísmo ou isso é algo que está tão longe do âmbito moral delas, que nem
sequer sabem que isso existe?
Espero sinceramente que tais pessoas comecem a olhar para
os pobres, para os desempregados, e para aqueles que nasceram com deficiências naturais,
como baixa inteligência ou inaptidões físicas e mentais, e tentem se colocar no
lugar deles. Provavelmente será muito
difícil fazê-lo, mas, se conseguirem, tenho a esperança de que sentirão remorso
por essa horrenda e egoísta postura em relação à saúde pública.
Este
internauta aponta o altruísmo como solução para as privações humanas. Se fosse verdade, a escassez no mundo poderia
ser abolida por decreto. O fato é que o
altruísmo como política pública é a filosofia da angústia, do sofrimento, da pobreza e do ódio de um
ser humano por outro. É a filosofia que
pautou a Era das Trevas e fundamentou criações como a tortura, a Iron Maiden (Donzela de Ferro), e a
queima de pessoas vivas em estacas.
A
civilização foi construída sobre a filosofia do egoísmo e do reconhecimento de
que o indivíduo tem o direito de buscar egoisticamente sua própria
felicidade. Isso levou ao consequente reconhecimento
de que a maneira de se realizar tal objetivo é através da cooperação social
voluntária e pacífica sob um arranjo de divisão do trabalho. Os ganhos obtidos com a divisão do trabalho fazem
com que cada indivíduo tenha um interesse racional e egoísta na existência e no
bem-estar de outras pessoas, bem como na liberdade individual delas e no seu direito
de buscar a própria felicidade. Esse é o
arranjo que progressivamente aumenta a oferta de bens e serviços em uma
economia, aumentando assim a qualidade de vida de todos.
Sob
esse arranjo, cada indivíduo está apto a utilizar sua mente da maneira que mais
lhe aprouver; para analisar o mundo em busca das oportunidades que este lhe
oferece para a melhoria de sua vida, e para escolher a melhor das oportunidades
que se abrirem para ele. Seus esforços
são quase sempre enormemente auxiliados pela cooperação com outros indivíduos,
que são os ofertantes de tudo que ele compra, os consumidores dos bens que ele
vende ou os empregadores da sua mão-de-obra.
Sob o capitalismo de livre mercado, cada indivíduo obtém a cooperação de
outros por meio de um processo de trocas voluntárias, no qual ambos os lados ganham.
Nesse
arranjo, o indivíduo passa a considerar as outras pessoas com benevolência,
pois a existência delas torna melhor e mais fácil a sua própria existência. Sob essas condições, as pessoas estão
preparadas, dentro de certos limites, a ajudar outras pessoas que estejam
sofrendo em decorrência de fatores externos ao controle delas. Assim, elas ajudam vítimas de terremotos,
enchentes, queimadas e todos os outros desastres naturais. Elas ajudam pessoas que incapazes de se
ajudar a si próprias, incluindo-se nesse grupo aquelas que estão na
miséria. Porém, tais ações não são seu
objetivo principal — ou, via de regra, seu objetivo supremo. Trata-se de algo secundário, e que vai
depender de como elas almejam buscar a própria felicidade; de como a sua felicidade
é influenciada pelo fato de saber que estão ajudando ao próximo. A ajuda caritativa é em si um ato de egoísmo e interesse próprio,
pois, ao ajudarem o próximo e se sentirem bem com isso, tais pessoas estão
simplesmente buscando o próprio bem-estar.
Por
outro lado, em uma sociedade gerida pelo altruísmo, cada indivíduo
inevitavelmente considera todos os outros indivíduos como fonte de tormento e
miséria. A existência de outras pessoas
representa uma constante reivindicação sobre sua riqueza e sobre seu tempo —
e, assim, sobre sua capacidade de desfrutar sua vida. Em tais circunstâncias, o indivíduo
facilmente chega à conclusão de que estaria melhor caso essas outras pessoas
não existissem. Nesse caso, ele estaria
livre de todo o fardo que elas lhe impõem.
O
altruísmo implica o uso da coerção — e, após certo ponto, ele irá depender
totalmente dela. Isso porque a maioria
das pessoas não irá se sacrificar voluntariamente em prol de desconhecidos;
certamente não a uma intensidade que seja suficiente para satisfazer as
demandas dos partidários do altruísmo.
Por
exemplo, em uma sociedade livre, em que não haja interferências governamentais,
um indivíduo pode estar entusiasticamente disposto a contribuir voluntariamente
com, digamos, 5% de sua renda para fins caritativos. Sob um contínuo e crescente bombardeio de
propagandas que o acusam de ser mau e insensível por estar contribuindo com tão
pouco, ele pode relutantemente se dispor a acrescentar mais 5%, apenas para
silenciar seus críticos e talvez para amenizar a culpa que ele foi levado a
sentir. Porém, dificilmente alguém
estará disposto a voluntariamente contribuir com um quarto ou com metade da sua
renda. É por isso que o imposto de renda,
inspirado no altruísmo, depende da ameaça de cadeia para todos aqueles que se
recusarem a pagá-lo.
As
pessoas voluntariamente e entusiasticamente fazem coisas que consideram ser
benéficas para elas próprias. Apenas sob
coerção é que elas relutantemente farão coisas que consideram ser prejudiciais
a elas próprias. O altruísmo como um
modo de vida é apenas dor, sofrimento e agonia.
Poucos irão tolerar esse arranjo — exceto se houver coerção.
Um
grande exemplo de uma sociedade formada sobre os fundamentos do altruísmo foi a
União Soviética, a qual se tornou conhecida pelo tratamento bárbaro e odioso dispensado
aos seres humanos que ali habitavam. O
resultado da prevalência do altruísmo foi bem exemplificado por uma história
que era amplamente contada na União Soviética.
É a história do russo para quem Deus concedeu o privilégio de poder
pedir algo que ele gostaria que Deus fizesse por ele, sob a concordância de
que, o que quer que Deus fizesse por ele, Ele faria em dobro para seu
vizinho. Após ouvir essa oferta, o russo
sem pestanejar pediu a Deus que arrancasse um de seus olhos, para que seu
vizinho consequentemente perdesse os dois. (Essa história foi relatada por
Hedrick Smith, em seu livro The New
Russians, New York:
Random House, 1990, p. 204).
Resultados
maravilhosos do altruísmo.
Por
outro lado, naquele sistema que é considerado a antítese do altruísmo, as
pessoas se beneficiam quando outras pessoas vão atrás de seus desejos
próprios. Os maiores e mais abrangentes
ganhos mútuos sob o capitalismo ocorrem como resultado de pessoas que constroem
grandes fortunas. Sob o capitalismo, fortunas
são construídas pela criação de novos produtos e pela introdução de métodos de
produção mais aprimorados, os quais são a fonte de maiores taxas de lucros. O empreendedor irá poupar e reinvestir a maior
fatia desses seus altos lucros. A
riqueza física que sua crescente fortuna representa — as fábricas, os
maquinários e os equipamentos, os estoques de materiais, componentes,
suprimentos etc. — é utilizada para produzir bens que o público em geral irá
consumir.
Ao
mesmo tempo, essa sua riqueza é a base para a sua crescente demanda pela
mão-de-obra que as outras pessoas vendem.
O público em geral, formado por pessoas que são vendedoras de
mão-de-obra e compradoras de bens de consumo, é na realidade o maior
beneficiário da riqueza construída sob o capitalismo de livre mercado. (Apenas
pense em quantos imóveis, automóveis, aparelhos de televisão e outros bens de
consumo pertencem a todos os trabalhadores comuns de um país razoavelmente
desenvolvido e compare esse número ao número desses mesmos bens que pertencem a
todos os magnatas desse país). Além do
mais, as altas taxas de lucro obtidas com a introdução de aprimoramentos
rapidamente atraem a concorrência de outros empreendedores, o que reduz as
taxas de lucro a um nível mais modesto.
Caso queira continuar obtendo uma alta taxa de lucro, o empreendedor
terá de continuamente introduzir novos aprimoramentos. O resultado líquido desse processo é um progressivo
aumento no padrão de vida de todos.
Abandonar
esse fabulosamente próspero sistema de cooperação mútua e de busca pelo
interesse próprio e substituí-lo por um outro sistema cuja característica
essencial é a do governo apontando uma arma para a cabeça das pessoas
exatamente com o intuito de proibi-las de buscar seus próprios interesses e obrigá-las
a agir contra seus próprios interesses é um ato de inacreditável
autodestruição. Se é isso o que as
pessoas de um país qualquer querem escolher, que seja. Mas que elas saibam enfrentar as consequências.
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também:
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Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde
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fundamentais sobre a natureza benevolente do capitalismo