segunda-feira, 8 ago 2011
A
crise da dívida soberana na Europa e a contenda nos Estados Unidos sobre o teto
da dívida do governo federal têm um significado que transcende a política
atual. Esses acontecimentos denotam o
fim de uma era. A crise financeira da
atualidade assinala o fim da época do estado intervencionista de bem-estar
social. Segundo sua própria natureza,
este sistema é insustentável porque depende de um endividamento perpétuo do
setor público. O fim do estado
intervencionista de bem-estar social está marcado pela falência financeira do
estado.
O
problema
A
destruição da ordem liberal do século XIX, em conjunto com o abandono do
padrão-ouro na Primeira Guerra Mundial, produziu um período de caos econômico,
de desintegração social, de pobreza e radicalização política que, por sua vez,
foi causal para a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial. Na era pós-guerra, foi estabelecida uma nova
ordem sob a liderança dos Estados Unidos ao lado do império Soviético. Com o colapso do império comunista e o
declínio relativo dos Estados Unidos, põe-se à prova mais uma vez a ordem
econômica e a boa governança.
Cada
época precisa reformular a reposta para a questão: o que é necessário para se
aproximar de uma boa sociedade? As
mudanças tecnológicas mudam a economia e a sociedade, e cada era está se
confrontando novamente com provocações específicas.
Com
a revolução industrial surgiu o problema das consequências negativas da divisão
do trabalho. A divisão do trabalho
implica especialização crescente, aumentando fortemente a interdependência
socioeconômica. Os ganhos de
produtividade trazidos pela especialização permitem um nível de vida cada vez
melhor. Sem os ganhos de produtividade
e, assim, sem um alto nível de especialização e uma rede extensa de divisão de
trabalho (que por sua vez implica mercados, preços e moeda), a sociedade cai na
pobreza.
Esse
era o problema fundamental da época industrial e de todas as variações do
socialismo — da social-democracia até o nacional-socialismo —, os quais representavam
a resposta do século passado ao desafio de que, embora produza altos níveis de
riqueza, a economia industrial deixa o indivíduo sempre em posição precária.
O
sistema que resultou desse processo cruel de seleção foi o estado
intervencionista de bem-estar social. Neste sentido, Francis Fukuyama elogiou o fim da
história em 1992, refletindo as consequências da queda do muro de
Berlim e o colapso da União Soviética.
Bancarrota
do intervencionismo
Fukuyama
identificou a democracia liberal do Ocidente como a forma final do governo
humano. Porém, diferentemente da tese de
Fukuyama, o que realmente se estabeleceu foi o "welfare-warfare-state"
(estado assistencialista e belicista)
nos Estados Unidos, o "social-liberalismo" na Europa, o populismo na América
Latina e o "capitalismo de estado" na China, na Rússia e em várias outras
partes do mundo. Na realidade de hoje
não há nem neoliberalismo
nem um sistema capitalista laissez-faire.
O que se chama "democracia liberal" é o
estado intervencionista de bem-estar social, caracterizado por uma imensa
presença do estado na economia.
O
capitalismo de hoje não é um capitalismo liberal; o que realmente existe é um
capitalismo burocrático que está sob forte controle e regulamentação dos
governos dos estados nacionais. A
característica fundamental deste sistema é um intervencionismo caótico e
desordenado — com uma legitimidade precária baseada no sistema redistributivo
do estado de bem-estar social e da democracia das massas. O que existe é um sistema altamente precário,
um sistema que está sempre em perigo de colapso. Cada crise provoca mais intervenções, produz
mais burocracia e mais regulação, mais gastos do setor público e uma carga tributária
cada vez maior.
Intervencionismo
e burocratização são formas de atuar em uma "organização". A ideia de tratar a sociedade como organização
tem sua origem no positivismo de
Auguste Comte (1798-1857). O grande
dilema dos nossos dias é que a política atua como se a sociedade fosse uma
organização e como se fosse possível "governá-la" por comando em um sistema
hierárquico.
Enquanto
o intervencionismo recebe aceitação popular, ele está confrontado com o
problema de que a política econômica intervencionista pontual provoca confusão
e bloqueio, o que resulta, finalmente, em uma carga excessiva de dívidas
fiscais e, por fim, numa paralisia da atividade econômica e no declínio da
produtividade. O intervencionismo
moderno em sua atuação irritante e caótica destrói os fundamentos da
produtividade e da coesão social. A
hiperatividade governamental nervosa produz uma economia que sofre de
insuficiente formação de capital e move-se de uma crise à outra. O que Ludwig von Mises diagnosticou nos
anos 20 do século passado é hoje uma realidade inquestionável: o sistema
econômico de intervencionismo é insustentável porque inerentemente cada
intervenção provoca uma nova intervenção, e assim vai produzindo cada vez mais
desordem e calamidades fiscais.
Boa
governança
Um
programa de boa governança acentua a necessidade de colocar as atividades
governamentais e especificamente a política econômica no contexto do sistema
inteiro, e assim implica a necessidade de um modelo normativo.
O
tema da "boa governança" e, mais geralmente, a pergunta sobre a "boa sociedade"
e a "ordem econômico-social", a cada época se apresenta novamente. Para se manter no tempo, cada sociedade
precisa resolver o conflito entre as vontades e cobiças dos indivíduos e as
vantagens de viver juntos. Trata-se de inventar e reinventar novamente o modus
vivendi social. Desta forma, estabelece-se
o problema essencial da ordem socioeconômica, e para a sua solução é necessário
levar em consideração não somente a natureza espontânea que se manifesta na
expressão da natureza crua do ser humano, mas também o ideal humano como uma
meta essencial e como ponto de orientação. Ordem — na tradição europeia desde os gregos
antigos — significa a busca de uma ordem que seja adequada para o homem como
animal político e, assim, para o ser humano como indivíduo que gosta e necessita
da sociedade.
A
ideia original da ordem, como já foi formulada na antiga filosofia, reside no
fato de que, em relação ao mundo social, o espírito investigativo do homem não
busca somente o conhecimento sobre a realidade, mas também sistemas ideais ou
normativos. Neste sentido, a busca está
orientada para uma ordem conforme a natureza humana.
Aristóteles
(384 a.C.-322 a.C.) insistiu na diferença entre cosmos e taxis,
onde "cosmos" representa a ordem natural ao passo que "taxis" representa o
sistema produzido pela intervenção humana. Semelhantemente, Tomás de Aquino (1225-1274)
separa a lei natural da lei positiva, e o economista francês François Quesnay
(1694-1774), autor de "Tableaux economique", aplica a diferença entre a ordre
positif e a ordre naturel em sua obra fundadora da
fisiocracia. Adam Smith (1723-1790) usa
quase a mesma dicotomia para identificar a ordem natural como a ordem comercial
e a caracteriza como o resultado natural do laissez-faire
sob a regência da mão invisível. Carl
Menger (1840-1921), o fundador da escola austríaca, formulou a lei das
instituições como resultado da ação humana sem plano e sem intenção, e
Friedrich Hayek (1899-1992), da mesma escola, desenvolveu a teoria
econômica constitucional, ao passo que Walter Eucken (1891-1950)
elaborou a ordo-teoria econômica
moderna como programa do ordo-liberalismo,
o qual preparou a base teórica para estabelecer o sistema da "economia social de
mercado" na Alemanha ocidental do pós-guerra.
Constitucionalismo
econômico
No
campo da política econômica, estamos hoje em um uma situação similar à política
estatal de antes da introdução do estado de direito, o qual
substituiu o sistema de privilégios particulares e a intervenção ad hoc dos
princípios constitucionais. Como a luta
pelo constitucionalismo jurídico, a luta pelo constitucionalismo econômico de
hoje está confrontada com fortes preconceitos e descrença. O mesmo era o caso apenas alguns séculos atrás
quando ainda parecia impossível existir a subordinação de poderes políticos na
constituição ou haver uma separação entre estado e religião. Não obstante, o que é aceito quase sem
discussão no campo jurídico, falta ainda completamente na esfera econômica.
Aqui ainda não existe a separação entre economia e estado. Ao contrário, durante o século XX, o
intervencionismo político na economia aumentou implacavelmente.
Para
obter "boa governança" não é suficiente tornar o governo mais eficiente,
transparente, participativo e livre de corrupção, como é o projeto dos grandes
promotores deste conceito, como o Banco
Mundial. Para obter uma "ordem
econômica" onde espontaneamente surja "boa governança", é necessário ter como
pré-condição uma separação entre estado e economia. Neste caminho, o primeiro passo estaria na desestatização do dinheiro, ou,
mais precisamente, a sua desnacionalização.
O
estado intervencionista de bem-estar social é incapaz de produzir "boa
governança". Este sistema não pode ser
qualificado como ordem. O estado
intervencionista do bem-estar social é inerentemente expansivo e, com o seu
crescimento, produz cada vez mais desordem. Para avançar no caminho de estabelecer um
sistema de ordem, é necessário minimizar a esfera política.
O
implacável crescimento do estado é possível em decorrência do acesso dos
governos ao crédito ilimitado, pois, no sistema vigente, é o próprio estado quem
tem soberania sobre a moeda. O projeto
de minimização da atuação do governo não pode ser realizado enquanto os
governos continuarem mantendo sua supremacia sobre a
criação de moeda.
Nos
Estados Unidos já existe o formidável movimento político para abolir o
banco central americano, um movimento que, por sua vez, incentivou fortemente o
interesse em teorias que tratam deste assunto, como é o caso da escola
austríaca da economia. Ao longo das
últimas décadas, a discussão monetária se concentrou no tema de como salvaguardar
a independência dos bancos centrais das intervenções
políticas. Entretanto, mais fundamental
é o tema de como é possível livrar a moeda da supremacia do estado.
[Publicado originalmente no Ordem Livre]