segunda-feira, 30 jan 2012
O artigo a seguir foi extraído do capítulo 8 do livro A Tragédia do Euro.
Quando,
em um determinado sistema monetário, os direitos de propriedade sobre o
dinheiro são definidos de maneira obscura, há a ocorrência de vários efeitos
externos negativos. O arranjo
institucional do euro, com seus direitos de propriedade debilmente definidos,
levou o sistema para perto do colapso, e pode ser chamado de uma tragédia dos
comuns.
Dinheiro de papel e custos externos
Custos
e benefícios externos são o resultado de direitos de propriedade mal definidos
ou mal defendidos. O proprietário não
assume todas as vantagens ou todas as desvantagens do uso de uma
propriedade. E dado que o agente não é
totalmente responsável pelos efeitos de suas ações, ele não irá levar em
consideração todas as consequências de suas ações.
O
agente que não tira proveito de alguns dos benefícios de suas ações não irá
levar em conta todos os efeitos positivos dela.
Um exemplo desses benefícios (externos) positivos pode ser o do dono de
uma macieira cujos direitos de propriedade sobre as maçãs que crescem na árvore
não estão garantidos. As pessoas que
caminham pela rua e passam sob a árvore podem simplesmente pegar as maçãs que
estiverem ao seu alcance. Esse
comportamento é permitido pelo governo.
O dono da macieira provavelmente agiria diferente caso ele fosse o único
patrono da árvore. No atual arranjo, ele
pode não querer proteger a árvore contra insetos, ou pode até mesmo derrubar a
árvore para queimar a madeira.
Similarmente,
o proprietário de algo pode gerar alguns custos externos. Custos externos resultam da ausência de
direitos de propriedade. Custos externos
são um ônus não para o proprietário, mas para terceiros. O proprietário irá empreender alguns projetos
que ele não empreenderia caso tivesse de assumir todos os custos. Um exemplo de custos externos seria o
proprietário de uma fábrica que despeja lixo em um lago público. Este lago pode ser propriedade privada de
terceiros, mas o governo não vai defender os direitos de propriedade dos donos
do lago porque considera a fábrica extremamente essencial para o crescimento
econômico. Neste cenário, o proprietário
da fábrica não tem de assumir todos os custos da produção, pois pode
externalizar uma parte dos custos ao jogar sobre terceiros o lixo
produzido. Se o proprietário da fábrica
tivesse de pagar pelo descarte do lixo, ele provavelmente agiria
diferente. Ele poderia produzir menos,
ou operar de forma mais econômica, de modo a produzir menos resíduos. Uma vez que os direitos de propriedade do
lago não são bem defendidos ou nem sequer são definidos (como no caso de o lago
ser propriedade pública), o dono da fábrica está liberado da responsabilidade
de alguns dos custos incorridos. Como
consequência, haverá mais poluição do que haveria caso os direitos de
propriedade fossem bem definidos.
O
nosso atual sistema monetário possui vários níveis, e em cada um desses níveis os
direitos de propriedade não são claramente definidos e defendidos. No primeiro nível, os direitos de propriedade
estão ausentes no campo da produção da base monetária — também
chamado de dinheiro padrão, composto pelo dinheiro que existe fisicamente
(cédulas, moedas metálicas e reservas bancárias que os bancos mantêm
depositadas junto ao banco central). O
dinheiro oriundo de produção privada, o ouro, foi nacionalizado no século XX, e
a produção privada de moeda-commodity pertence ao passado.
Assim,
os governos, ao absorveram e monopolizarem a produção do dinheiro no século XX,
fizeram com que o ouro — cuja produção era privada e cujos direitos de
propriedade eram claramente definidos — fosse substituído pela moeda de papel
de curso forçado, criada pelo governo.
Esse
monopólio estatal sobre o dinheiro implica uma violação dos direitos de
propriedade. Somente os bancos centrais
passaram a poder produzir a base monetária.
Os direitos de propriedade também são infringidos pelo fato de o
papel-moeda ser de curso forçado. Todos
são obrigados a aceitar o dinheiro estatal para o pagamento de dívidas e o
governo aceita somente esse dinheiro para o pagamento de impostos.
Ao
conceder ao dinheiro de papel uma posição privilegiada e ao monopolizar sua
produção, o governo faz com que os direitos de propriedade sobre o dinheiro não
sejam defendidos e os custos da produção do dinheiro sejam parcialmente arcados
por terceiros. Caso ninguém fosse
obrigado a aceitar esse dinheiro estatal e todos pudessem produzir o seu próprio
dinheiro, não haveria nenhum custo externo.
As pessoas poderiam simplesmente decidir não aceitar dinheiro de papel
ou decidir produzi-lo elas próprias.
No
atual arranjo, os benefícios da produção de dinheiro são retidos pelo seu
produtor — no caso, os bancos centrais e seus controladores (os
governos). Custos externos na forma de
elevação de preços e, na maioria dos casos, um dinheiro de menor qualidade, são
arcados por todos os usuários desse dinheiro de curso forçado. Unidades adicionais de dinheiro não apenas
tendem a elevar os preços, como também fazem com que a qualidade do dinheiro
caia. A qualidade média dos ativos
lastreando o dinheiro é normalmente reduzida pela produção de papel-moeda.
Devido
à violação dos direitos de propriedade na produção da base monetária, os
governos podem lucrar com a produção de dinheiro e externalizar alguns
custos. Os benefícios para o governo são
claros. Eles podem financiar seus gastos
com esse novo dinheiro recém-criado pelo banco central. Os custos são deslocados para a população na
forma de um dinheiro de menor qualidade e com menor poder de compra.
A tragédia dos comuns e o sistema bancário
Outro
nível do sistema monetário em que os direitos de propriedade são mal definidos
é o sistema bancário, no qual ocorre aquilo que economistas chamam de 'tragédia
dos comuns'. A 'tragédia dos
comuns', expressão cunhada pelo ecologista Garret Hardin, é um caso
especial do problema dos custos externos.
Como explicado acima, custos externos geralmente ocorrem quando direitos
de propriedade não são bem definidos ou defendidos, e quando um proprietário
privilegiado pode externalizar seus custos sobre terceiros. É o caso do proprietário da fábrica que
despeja impunemente seu lixo no lago privado ou o caso do banco central que
produz dinheiro de curso forçado com o monopólio garantido pelo estado. Em uma tragédia dos comuns, uma
característica específica é adicionada ao problema dos custos externos. Não apenas um, mas vários agentes que exploram
uma propriedade podem externalizar seus custos sobre terceiros. Não apenas um, mas vários donos de fábricas
podem despejar lixo no lago privado. Da
mesma maneira, mais de um banco pode produzir meios fiduciários.
Os
exemplos tradicionalmente utilizados para ilustrar uma tragédia dos comuns são
os de propriedades comunais, como praias públicas ou cardumes no oceano. Eles são explorados sem levar em consideração
as desvantagens que podem ser parcialmente externalizadas. Os benefícios são obtidos por vários
usuários, mas alguns dos custos são externalizados. Vejamos os incentivos para um determinado
pescador. Ao pescar o cardume, o
pescador obtém os benefícios na forma de peixes; entretanto, os custos de um
cardume agora reduzido são arcados por todos.
Se
houvesse direitos de propriedade privada sobre o cardume, o proprietário desse
cardume iria assumir totalmente os custos da redução de seu tamanho. O proprietário teria um interesse em sua
preservação de longo prazo. Ele seria
dono não apenas do uso presente (peixes capturados), mas também do valor
capital do cardume. O proprietário
saberia que cada peixe que ele pescasse poderia implicar a redução do número de
peixes para o futuro. Ele compara os
custos e benefícios da pesca e consequentemente decide sobre o número de peixe
que ele quer pescar. Ele tem interesse
no valor capital ou na preservação de longo prazo do cardume.
A
situação se altera radicalmente quando o cardume é propriedade pública. Há aí um incentivo para a pesca predatória
(isto é, pescar excessivamente causando a queda ou aniquilação da pesca na área),
pois os benefícios são internalizados e os custos, parcialmente
externalizados. Todos os benefícios vão
para o pescador, ao passo que os estragos decorridos da redução do cardume são
arcados por todo o grupo de pescadores.
Com efeito, há o incentivo para se pescar o mais rápido possível, pois
cada pescador sabe que seus colegas pensam da mesma forma. Se eu não pescar logo, outros irão, e
colherão os benefícios para si próprios, enquanto eu arcarei com os custos de
um cardume reduzido. Em uma tragédia dos
comuns "pura", não há limites para a exploração excessiva — e, como resultado,
os recursos desaparecem.
O
conceito de tragédia dos comuns pode ser exitosamente aplicado também em outras
áreas, como, por exemplo, o sistema político.
Hans-Hermann Hoppe aplicou o conceito à democracia. Em uma democracia, a entrada para o aparato
governamental é pública. Uma vez no
governo, o indivíduo ganha acesso à propriedade de todas as pessoas do país
utilizando o aparato coercivo do estado.
Os benefícios dessa apropriação da propriedade privada são internalizados,
ao passo que os custos são arcados por toda a população. Após um mandato, outras pessoas podem ganhar
acesso ao aparato de coerção. Assim, o
incentivo é explorar ao máximo possível todos os limites do privilégio enquanto
se estiver no poder.
Outra
proveitosa aplicação da tragédia dos comuns ocorre no campo monetário. Em nosso atual sistema bancário, em que os
direitos de propriedade não são claramente definidos e defendidos, qualquer
banco pode expandir o crédito produzindo meios fiduciários — isto é, conceder empréstimos criando depósitos
à vista sem qualquer lastro. No nível da
base monetária, quando um único banco central pode criar dinheiro, não há uma
tragédia dos comuns. Entretanto, no nível
do sistema bancário, uma tragédia dos comuns ocorre precisamente porque qualquer
banco pode produzir meios fiduciários.
No
sistema bancário, os princípios jurídicos tradicionais dos contratos de
depósitos não são respeitados. O sistema
não deixa claro se os correntistas estão na realidade emprestando dinheiro ao
banco ou se estão fazendo depósitos genuínos.
Depósitos genuínos requerem que o depositante tenha plena
disponibilidade sobre todo o dinheiro que ele depositou. Com efeito, essa total disponibilidade pode
ser o motivo por que a maioria das pessoas mantém depósitos à vista. Entretanto, o governo concede aos bancos o
privilégio legal de utilizar o dinheiro que os correntistas depositaram
neles. Assim, os direitos de propriedade
sobre o dinheiro depositado tornam-se nebulosos.
Bancos
que fazem uso desse privilégio legal e dessa nebulosa definição dos direitos de
propriedade sobre depósitos à vista podem obter lucros extraordinários. Eles podem criar depósitos literalmente do
nada, utilizá-los para conceder empréstimos e ainda cobrar juros. Assim, a tentação de expandir o crédito é
praticamente irresistível. Ademais, os
bancos irão tentar expandir o crédito e criar meios fiduciários o máximo
possível e o mais rápido que puderem.
Essa expansão do crédito gera aquele fenômeno típico encontrado na
tragédia dos comuns — os custos externos.
Nesse caso, todos os indivíduos da sociedade são prejudicados pelos
aumentos nos preços trazidos pela emissão de meios fiduciários.
Existem,
entretanto, várias diferenças entre um sistema bancário de reservas
fracionárias e uma tragédia dos comuns (como um cardume sem dono). Na análise do ecologista Hardin, virtualmente
não há limites para a exploração das propriedades "sem dono definido". A exploração contínua dos recursos públicos
será interrompida somente quando os custos se tornarem maiores que os
benefícios, ou seja, quando o cardume for tão pequeno que o esforço de busca
pelos peixes remanescentes deixa de ser vantajoso. Também para os bancos que praticarem reservas
fracionárias em um livre mercado, haverá limites importantes para a emissão de
meios fiduciários à custa dos clientes.
Esse limite será determinado pelo comportamento dos outros bancos e de
seus clientes. Mais especificamente, a
expansão do crédito será limitada, uma vez que os bancos, por meio do sistema
de compensação de cheques (ou cartão de débito), podem levar uns aos outros à
falência.
Imagine
dois bancos: o banco A e o banco B. O
banco A expande o crédito; o banco B, não.
Os certificados de depósito emitidos pelo banco A são trocados entre os
clientes do banco A e os clientes do banco B.
Em algum momento, os clientes do banco B ou o próprio banco B irão
demandar do banco A a restituição em dinheiro destes certificados de
depósito. Consequentemente, o banco A
irá perder parte de suas reservas em dinheiro. Assim como todo banco que
pratica reservas fracionárias, o banco A está inerentemente insolvente; ele não
pode restituir em dinheiro todos os certificados de depósito que emitiu. Se o banco B e seus clientes demandarem que o
banco A restitua em dinheiro os certificados de depósito que emitiu em um
volume incapaz de ser honrado, o banco A terá de declarar falência.
Assim,
o sistema de compensação e os clientes dos outros bancos demandando restituição
em dinheiro determinam limites estreitos para a criação de meios
fiduciários. Os bancos passam a ter um
incentivo para restringir a expansão de meios fiduciários, expandindo menos do
que os bancos rivais, com o objetivo final de levar esses seus concorrentes à
falência. Em outras palavras, é verdade
que esses bancos naturalmente irão querer explorar as grandes oportunidades de
lucro oferecidas pelos direitos de propriedade mal definidos, porém eles
poderão expandir o crédito somente até determinado ponto; um ponto em que o
risco de falência ainda pode ser evitado.
A concorrência os obriga a restringir sua expansão do crédito.
A
questão agora passa a ser como os bancos podem elevar seus lucros por meio da
expansão do crédito ao mesmo tempo em que mantêm sob controle o risco de
falência. A solução, obviamente, é fazer
acordos entre si com o intuito de evitar as consequências negativas de uma
expansão creditícia independente e não coordenada. Sendo assim, os bancos estabelecem uma
política comum de expansão creditícia simultânea. Essas políticas permitem que eles se
mantenham solventes, mantenham suas reservas de dinheiro inalteradas entre si,
e colham altos lucros.
Portanto,
a tragédia dos comuns não apenas prognostica a exploração excessiva e os custos
externos de recursos cujos direitos de propriedade são mal definidos, como
também explica por que, em um sistema bancário livre, haverá pressão para a
formação de acordos, fusões e cartéis.
Entretanto, mesmo com a formação de cartéis, a ameaça de insolvência
permanece. Em outras palavras, o
incentivo para levar os concorrentes à falência ainda continua em vigor, o que
resulta na instabilidade dos cartéis.
Para
os bancos que praticam reservas fracionárias, haverá uma grande demanda para a
criação de um banco central que coordene a expansão creditícia do sistema bancário. Aquela diferença entre a tragédia dos comuns
aplicada ao meio ambiente e a tragédia dos comuns aplicada ao sistema bancário
livre — os limites sobre a exploração excessiva — é agora removida pela
introdução do banco central. Assim, como
explicou Jésus Huerta de Soto, uma genuína situação de tragédia dos comuns
ocorre somente quando existe um banco central coordenando o sistema
bancário. Os bancos podem agora explorar
sem restrições a propriedade mal definida (o dinheiro).
Mesmo
no mais confortável dos cenários para os bancos — isto é, com a criação de um
banco central e com papel-moeda de curso forçado —, ainda restam outros
limites. O banco central pode tentar
regular os empréstimos bancários, desta forma controlando e limitando a
expansão de crédito até um determinado grau.
A restrição suprema à expansão de crédito — o risco de hiperinflação —
também se mantém. Em outras palavras,
mesmo com a criação de um banco central, ainda continua existindo um freio
sobre a exploração da propriedade privada.
Em uma situação ideal de "tragédia dos comuns", a tendência é explorar
as propriedades mal definidas o mais rápido possível e, ao mesmo tempo, impedir
que outros agentes façam o mesmo. Porém,
mesmo com a existência de um banco central que garanta sua solvência, não é do
interesse dos bancos que praticam reservas fracionárias criar meios fiduciários
o mais rápido possível. Fazer isso
poderia levar a uma hiperinflação descontrolada. A exploração dos comuns deve, portanto, ser
prolongada e implementada cuidadosamente.
A
exploração excessiva da propriedade pública pode ser restringida de várias
maneiras. A mais simples é a
privatização da propriedade pública.
Direitos de propriedade privada seriam finalmente definidos e
defendidos. Outra solução é a persuasão
moral e a educação dos agentes que exploram os comuns. Por exemplo, pescadores podem voluntariamente
restringir a exploração do cardume.
Ainda outra opção é a regulamentação dos comuns para restringir a
exploração excessiva. Hardin rotula essa
regulamentação de "comuns administrados".
O governo limitaria a exploração.
Um
exemplo seria a introdução de quotas de pescaria, as quais dariam a cada
pescador uma determinada quota de pesca por ano. Cada pescador receberia um direito de
monopólio que ele tentaria explorar em sua totalidade. A exploração excessiva seria, portanto,
reduzida e administrada.
No
caso do sistema bancário atual, temos uma situação de "comuns administrados". Os bancos centrais e a regulação do sistema
bancário coordenam e limitam a expansão creditícia feita pelos bancos. Ao exigir depósitos compulsórios, ao
gerenciar a quantidade de reservas bancárias e ao determinar as taxas de juros,
os bancos centrais podem limitar a expansão do crédito e os custos externos do
reduzido poder de compra do dinheiro.
O euro e a tragédia dos comuns
Embora
os efeitos externos gerador por um produtor de dinheiro monopolista e por um
sistema bancário de reservas fracionárias regulado por um banco central sejam
comuns no mundo ocidental, o estabelecimento do euro implica um terceiro e
singular nível de efeitos externos. O
arranjo institucional do Eurossistema
na União Monetária Europeia (UME) foi feito de tal forma que todos os governos
podem utilizar o Banco
Central Europeu (BCE) para financiar seus déficits.
(Seria
mais correto falar "Eurossistema" em vez de "Banco Central Europeu". O Eurossistema é formado pelos bancos
centrais dos países-membros mais o BCE.
Entretanto, dado que os bancos centrais dos países-membros se limitam
apenas a receber ordens do BCE dentro de seus respectivos países, normalmente
simplifica-se utilizando apenas o termo "BCE".)
Um
banco central pode financiar os déficits de um governo comprando os títulos da
dívida deste governo. No caso, o sistema
bancário compra estes títulos para, em seguida, trocá-los por novo dinheiro
criado pelo banco central. Ou o sistema
bancário, em caso de dificuldade, pode também utilizar estes títulos como
garantia (colateral) para receber empréstimos temporários do banco
central.
Na
zona do euro, criou-se um novo arranjo: vários governos podem financiar seus
déficits por meio de um único banco central — o BCE.
Quando
os governos da UME incorrem em déficits orçamentários, eles emitem títulos para
conseguir financiamento. Uma parte
substancial desses títulos é comprada pelo sistema bancário (a parte restante é
comprada por companhias de seguro, fundos de investimento, fundos monetários,
governos e bancos estrangeiros). O
sistema bancário compra prazerosamente esses títulos porque sabe que eles serão
aceitos pelo BCE nas operações de mercado aberto (que é quando o BCE cria
dinheiro para dar aos bancos em troca de títulos públicos). Isso significa que é essencial e lucrativo
para os bancos possuírem títulos governamentais em suas carteiras. Ao apresentar esses títulos ao BCE, os bancos
recebem dinheiro criado do nada pelo BCE.
O
mecanismo funciona da seguinte maneira: os bancos criam dinheiro eletrônico (meios
fiduciários) ao expandirem o crédito para seus clientes. Em outros casos, eles criam dinheiro apenas
para comprar títulos públicos. Nesse
caso, eles compram os títulos públicos e os utilizam em operações junto ao
BCE. Nessas operações, o BCE cria
dinheiro (eletrônico ou físico) e compra os títulos públicos com esse dinheiro
criado do nada. Esse dinheiro vai parar
nas reservas dos bancos. Os bancos podem
agora utilizar esse novo dinheiro para criar ainda mais meios fiduciários.
O
resultado final é que os governos financiam seus déficits com dinheiro criado
do nada (meios fiduciários) pelo sistema bancário, o qual compra títulos
públicos do governo e os utiliza em operações junto ao BCE, nas quais eles, os
bancos, conseguem mais dinheiro criado pelo BCE. Esse dinheiro novo será utilizado pelo sistema
bancário para novas expansões monetárias e concessões de crédito.
O
incentivo de todo esse arranjo é claro: redistribuição. Os primeiros usuários desse dinheiro
recém-criado são os beneficiados.
Governos e bancos ficam com mais dinheiro à sua disposição; eles lucram
com isso porque agora podem comprar bens e serviços a preços ainda inalterados
— os preços ainda não aumentaram em decorrência da criação desse
dinheiro. Quando os governos começam a
gastar esse dinheiro, os preços começam a subir. A renda nominal de todos aumenta. Quanto mais altos são os déficits, mais os
governos emitem títulos, mais os preços e as rendas nominais sobem. (Essa é a ilusão de riqueza propiciada pelos
déficits governamentais.)
Quando
os preços e a renda nominal aumentam no país cujo orçamento governamental é
deficitário, esse novo dinheiro começa a fluir para fora do país, onde o efeito
sobre os preços ainda não se manifestou.
Bens e serviços são comprados e importados dos outros países da UME,
onde os preços ainda não subiram. O novo
dinheiro vai se propagando por toda a união monetária.
Na
UME, os países deficitários que utilizam esse dinheiro recém-criado antes dos
outros se beneficiam. Naturalmente, há
também um lado perdedor nessa redistribuição monetária. Os países deficitários se beneficiam à custa
daqueles que recebem por último este dinheiro recém-criado. Os últimos recipientes desse dinheiro são
principalmente os cidadãos dos países-membros cujos governos não incorrem em
déficits muito altos. Esses últimos
recipientes perdem porque suas rendas começam a aumentar somente após os preços
subirem. Portanto, sua renda real
diminui.
Na
UME, os benefícios do aumento na oferta monetária vão para os primeiros
usuários desse dinheiro recém-criado, ao passo que os estragos no poder de
compra da unidade monetária é compartilhado por todos os usuários da
moeda. Não somente o poder de compra do
dinheiro na UE cai em decorrência de déficits excessivos, como também as taxas
de juros tendem a aumentar devido à demanda excessiva vinda de governos
excessivamente endividados. Países que
são mais fiscalmente responsáveis acabam tendo de pagar juros maiores sobre
suas dívidas por causa da extravagância de outros governos. A consequência é uma tragédia dos
comuns. Qualquer governo que incorra em
déficits pode lucrar à custa de outros governos que seguem políticas fiscais
mais disciplinadas.
(Um
problema adicional de risco moral surge quando os bancos que possuem títulos da
dívida de governos são "socorridos" pela expansão monetária do banco
central. Quando os bancos sabem que
terão essa ajuda do banco central, o qual comprará os títulos da dívida em sua
posse, eles tendem a se comportar de modo mais imprudente, continuando assim a
financiar governos irresponsáveis).
Imagine,
por exemplo, que vários indivíduos possuam uma máquina que imprime o mesmo
dinheiro de papel. Esses indivíduos têm
todos os incentivos para imprimir dinheiro e gastá-lo, elevando os preços. Os benefícios, na forma de maior renda, ficam
todos com os donos das impressoras, ao passo que os custos dessa ação, na forma
de um menor poder de compra do dinheiro, são arcados por todos os usuários da
moeda. Consequentemente, o incentivo é
imprimir dinheiro o mais rápido possível.
O dono de uma impressora que não imprimir dinheiro para si próprio verá
os preços subirem em decorrência das impressões feitas por outros. Esses outros usuários irão utilizar a
impressora a fim de se beneficiar da perda no poder de compra que afeta aqueles
donos de impressora que não a utilizam com a mesma voracidade. O usuário que imprimir mais rápido obterá os
maiores ganhos à custa dos usuários que imprimirem devagar. Estamos lidando aqui com uma tragédia dos
comuns "pura". Não há limites para a
exploração do recurso. Como no caso de
recursos públicos naturais, há uma exploração excessiva que termina com a
destruição do recurso. Nesse caso, a
moeda é aniquilada por uma hiperinflação seguida de um colapso.
Embora
o exemplo de várias impressoras criando a mesma moeda nos ajude a entender a
situação de forma visual, ele não se aplica exatamente à UME. Mas as diferenças entre os dois arranjos nos
ajudam a explicar por que não há uma tragédia dos comuns pura no Eurossistema e
por que o euro ainda não desapareceu. A
diferença mais óbvia é que os países deficitários não podem imprimir euros
diretamente. Os governos podem apenas
emitir seus próprios títulos. Não há
nenhuma garantia de que os bancos irão comprar esses títulos e utilizá-los como
garantia (colateral) para novas operações junto ao BCE.
Na
realidade, há várias razões pela qual o esquema pode não funcionar.
1. Os bancos podem não comprar títulos
governamentais e utilizá-los como colateral caso a operação não seja
atraente. A taxa de juros oferecida
pelos títulos governamentais pode não ser alta o bastante em relação às taxas
de juros cobradas pelo BCE em suas operações junto ao sistema bancário [boa parte da política monetária do BCE se dá
por meio de operações de empréstimo, nas quais o BCE adquire títulos públicos
em posse dos bancos (por exemplo, imprimindo 1.000 euros e emprestando aos
bancos) e estes pagam juros sobre estes empréstimos (por exemplo, 10 euros por
ano), juros estes sempre renováveis, dado que o principal é continuamente
rolado]. Os governos terão então de
oferecer juros maiores para atrair os bancos.
2. O risco de calote sobre esses
títulos governamentais pode afugentar os bancos. Na UME, esse risco de calote sempre foi
reduzido por causa da garantia implícita de socorro dada desde o início. Dava-se como certo que, uma vez que um país
havia sido admitido dentro da Eurozona, ele jamais sairia da UME. O euro é visto, muito corretamente, como um
projeto político e um passo rumo à integração política.
O
calote de um país-membro e sua consequente saída desse arranjo não apenas seria
visto como um fracasso do euro, mas também como um fracasso da versão socialista da
União Europeia. Politicamente, um calote
é visto como algo quase que impossível.
A maioria sempre acreditou que, no pior dos casos, os países-membros
mais poderosos iriam socorrer os mais fracos.
Antes de darem algum calote, países como a Alemanha garantiriam os
títulos das nações do Mediterrâneo. Tais
garantias reduziram consideravelmente o risco de calote dos empréstimos para os
governos dos países-membros.
Garantias
implícitas agora se tornaram explícitas.
Em maio de 2010, a Eurozona e o Fundo Monetário Internacional (FMI)
concederam à Grécia um pacote de resgate de 110 bilhões de euros. Além disso, 750 bilhões de euros já foram
prometidos para futuros socorros a outros países-membros.
3. O BCE poderia se recusar a aceitar
determinados títulos governamentais como colateral. O BCE exige que determinados títulos tenham
uma classificação de risco mínima para que eles possam ser aceitos como
colateral. Antes da crise financeira de
2008, a classificação mínima era A-.
Durante a crise financeira, esse mínimo foi reduzido para BBB-. Se a classificação dos títulos governamentais
cair abaixo da classificação mínima admitida, esses títulos não serão aceitos
como colateral. Esse risco, entretanto,
é muito baixo. O BCE provavelmente não
irá deixar a classificação de um país cair no futuro, e ele já vem fazendo
concessões a essa regra. A redução da
classificação mínima para BBB- estava programada para expirar após um ano. Quando se tornou aparente que a Grécia não
seria capaz de manter pelo menos um A-, tal concessão foi estendida por mais um
ano. Finalmente, o BCE, em contraposição
aos seus declarados princípios de não aplicar regras especiais a um determinado
país, anunciou que iria aceitar todos os títulos da dívida grega, mesmo que fossem
classificados como podres.
4. Os bancos que utilizam títulos
governamentais como colateral para obter empréstimos junto ao BCE podem ficar
temerosos com o risco de liquidez desses títulos, o que restringiria suas
operações junto ao BCE. Os títulos
governamentais são tradicionalmente de prazos mais longos do que os empréstimos
concedidos pelo BCE [veja o item 1]. As operações de empréstimo do BCE normalmente
variam de uma semana a três meses.
Durante a crise, o prazo máximo foi ampliado para um ano. Todavia, a maioria dos títulos governamentais
ainda possui prazo de maturação maior do que as operações de empréstimo do BCE,
às vezes chegando a 30 anos.
Consequentemente, o perigo é que a classificação de risco dos títulos
seja reduzida ao longo desse prazo, fazendo com que o BCE pare de aceitá-los
como colateral. Nesse cenário, o BCE
iria parar de rolar um empréstimo que utilizasse títulos governamentais como colateral,
gerando problemas de liquidez para os bancos.
O
risco de problemas de rolagem é relativamente pequeno; as classificações de
risco são mantidas pela garantia implícita de socorro de outros governos e pela
disposição política de salvar o projeto do euro, como foi demonstrado pela
crise da dívida soberana. Um outro lado
do risco de liquidez é que as taxas de juros cobrados pelo BCE podem aumentar
ao longo do tempo. No extremo, elas
poderiam se tornar maiores que a taxa de juros de um título governamental de
prazo mais longo, a qual é fixa. Esse
risco é reduzido ao se adotar um spread
suficientemente alto entre o rendimento do título do governo e as taxas de
juros cobradas pelo BCE.
5. Um banco que ofereça ao BCE títulos
governamentais no valor de um milhão de euros como colateral não recebe um
empréstimo de um milhão de euros do BCE, mas sim uma quantia menor. Essa redução depende do desconto que o BCE
vai aplicar ao colateral. O BCE diferencia
cinco categorias diferentes de colateral, aos quais aplica diferentes
descontos. Os descontos para os títulos
governamentais são os menores. O BCE, portanto,
subsidia o uso de títulos governamentais como colateral vis-à-vis outros
instrumentos de dívida, desta forma apoiando o endividamento dos governos.
6. O BCE pode não acomodar todas as
demandas por novos empréstimos. Os
bancos podem oferecer mais títulos como colateral do que o BCE está disposto a
ofertar em
empréstimos. Caso
decida aplicar uma política monetária mais restritiva, nem todos os bancos
oferecendo títulos governamentais como colateral irão receber um
empréstimo. Entretanto, por razões
políticas — especialmente a determinação de manter o projeto do euro —,
pode-se esperar que o BCE irá acomodar tais demandas, principalmente se alguns
governos estiverem com problemas. Com
efeito, o BCE começou a ofertar liquidez ilimitada para os mercados durante a
crise financeira. Toda e qualquer
demanda por empréstimo foi saciada — contanto que colateral suficiente fosse
ofertado.
Mesmo
que ainda não tenhamos visto uma pura tragédia dos comuns no Eurossistema,
chegamos perto. Com a atual crise, estamos
na realidade chegando ainda mais perto, pois o BCE começou a comprar
diretamente os títulos das dívidas dos governos — o BCE anunciou, em maio de
2010, que iria começar a comprar títulos diretamente dos governos, tudo para
salvar o projeto do euro. Normalmente,
se um governo incorre em déficits, ele emite títulos que são comprados pelos
bancos, os quais os revendem ao BCE. Com
esse novo método, não há mais esse "desvio" pelo sistema bancário. O BCE compra os títulos diretamente dos
governos. Essa inovação elimina a
maioria dos riscos acima mencionados para o sistema bancário.
A
tragédia do euro é o fato de que o sistema incentiva os governos a incorrerem
em déficits mais altos, emitir títulos para financiar esses déficits e, com
isso, fazer com que todos os países do bloco do euro arquem com os custos de
políticas irresponsáveis — na forma de um menor poder de compra do euro. Nesse arranjo, existem duas fontes de risco
moral. Uma advém do próprio
funcionamento do Eurossistema e da garantia implícita de socorro dada pelo BCE;
a outra advém da garantia implícita de socorro dada pelos outros governos do
bloco. Os efeitos disso tudo são um
maior risco moral e uma excessiva emissão de títulos governamentais.
Com
tais incentivos, os políticos tendem a elevar os déficits. Por que financiar gastos mais altos elevando
impostos, algo impopular? Por que não
apenas emitir títulos que serão comprados pela simples criação de dinheiro do
BCE, mesmo que isso acabe por elevar os preços em toda a União Europeia? Por que não externalizar os custos do gasto
governamental?
A
tragédia do euro é agravada pela miopia típica que acomete os governantes nas
democracias: políticos tendem a se preocupar apenas com a próxima eleição, e
não com os efeitos de longo prazo de suas políticas. Eles utilizam o gasto público — e ampliam
favores para determinados eleitorados — com o intuito de vencer a próxima
eleição. Aumentar os déficits posterga
os problemas para o futuro e também os joga para todo o resto da União Europeia.
O
líderes da UME sabem como externalizar os custos do gasto governamental em duas
dimensões: geograficamente e temporariamente.
Geograficamente, alguns dos custos são arcados por toda a zona do euro
na forma de preços mais altos.
Temporariamente, os problemas resultantes dos déficits mais altos serão
possivelmente arcados por outros políticos, e somente no futuro remoto. Os problemas da dívida soberana causados
pelos déficits podem exigir cortes de gastos impostos pela UME, mas isso
afetará apenas governos futuros.
Os
incentivos para incorrer em déficits altos na UME são praticamente
irresistíveis. Como mostrado no nosso
exemplo da impressora, apenas se um país praticar déficits mais altos que os
outros, poderá ele se beneficiar. Você
tem de girar a impressora mais rapidamente que seus concorrentes para poder
lucrar com a resultante redistribuição.
A renda nominal terá de subir em um ritmo mais rápido do que a queda do
poder de compra da moeda.
Os
trágicos incentivos advêm desse arranjo institucional singular da UME: um banco
central para vários países. Tais
incentivos não eram ignorados quando a UME foi planejada. O Tratado de Maastricht (Tratado da
Comunidade Econômica), com efeito, adotou uma cláusula proibindo pacotes de socorro
(Artigo 104b), a qual declara que não haverá resgates em caso de crise fiscal
dos países-membros. Junto com essa
cláusula, veio a independência do Banco Central Europeu. Isso foi feito para garantir que o Banco
Central não seria utilizado para financiar pacotes de socorro.
Porém,
os interesses políticos e a disposição de manter o projeto do euro se
comprovaram mais fortes do que o papel em que tal cláusula estava escrita. Além do mais, a independência do BCE não
garante que ele não irá auxiliar em um resgate.
De fato, e como vimos, o BCE está sustentando continuamente todos os
governos ao aceitar seus títulos em operações de empréstimo e de mercado
aberto. Não importa que seja vetado ao
BCE comprar títulos diretamente dos governos; mesmo com o mecanismo de aceitar
títulos como colateral, o BCE pode igualmente financiar os governos da mesma
maneira que financiaria comprando títulos diretamente deles.
Houve
outra tentativa de coibir os incentivos perversos de se incorrer em déficits
excessivos. Políticos introduziram regulamentações
de estilo "comuns administrados", com a intenção de reduzir os efeitos externos
da tragédia dos comuns. O pacto
de estabilidade e crescimento (PEC) foi criado em 1997 em resposta às
pressões da Alemanha para limitar a tragédia.
O pacto permite determinadas "quotas", algo similar às quotas de
pescaria, para a exploração do Banco Central.
A quota determina limites para a exploração: os déficits não podem
ultrapassar 3% do PIB e a dívida total do governo não pode exceder 60% do
PIB. Mesmo que estes limites tivessem
sido realmente aplicados, ainda haveria incentivos para sempre se estar no
máximo permitido — 3% dos déficits financiados indiretamente pelo BCE. Países com um déficit de 3% iriam
externalizar parcialmente seus custos sobre aqueles países que apresentassem
déficits mais baixos.
Entretanto,
a regulação dos comuns fracassou. O
principal problema é que o PEC era apenas um acordo entre países independentes,
sem imposição crível. Quotas de pescaria
podem ser fiscalizadas por um país em particular, mas quotas de inflação e de
déficits de países independentes são mais difíceis de terem seu cumprimento
impingido. Sanções automáticas, como
proposto inicialmente pelo governo alemão, não foram incluídas no PEC. Vários países violaram os limites e muitas
advertências foram emitidas, porém jamais foram aplicadas. Países politicamente influentes, como a
França e a Alemanha, que podiam ter defendido o PEC, infringiram suas provisões
ao incorrerem continuamente em déficits maiores do que 3% de 2003 em diante. Donos de um maior número de
votos, França, Alemanha e outros países conseguiram impedir a imposição de
penalidades. Consequentemente, o PEC foi
um fracasso total. Não mais era possível
fechar a caixa de Pandora de uma tragédia dos comuns.
Em
2010, nenhum país respeitou o limite máximo de 3% dos déficits. A razão dívida/PIB da Europa como um todo é
de 88%.
A tragédia do euro e o caso da Grécia
Os
eventos fiscais na Grécia são exemplares da tragédia do euro e seus incentivos
perversos. Quando a Grécia entrou na
União Monetária Europeia, três fatores se combinaram para gerar déficits
excessivos no orçamento do país.
Primeiro, a Grécia foi admitida a uma taxa de câmbio muito alta. Com essa taxa e com os salários vigentes,
muitos trabalhadores se tornaram pouco competitivos em relação aos
trabalhadores dos países do norte, muito mais capitalizados. Para aliviar esse problema, as alternativas
eram (1) reduzir os salários para aumentar a produtividade, (2) aumentar os
gastos governamentais para subsidiar os desempregados (com seguro-desemprego ou
esquemas de aposentadoria prematura), ou (3) empregar esses trabalhadores pouco
competitivos diretamente no setor público.
Por
causa dos poderosos sindicatos, a primeira alternativa foi deixada de
lado. Os políticos optaram pela segunda
e terceira alternativas, as quais geraram altos déficits orçamentários.
Segundo,
por ter entrado na União Monetária Europeia, o governo grego podia agora contar
com uma garantia implícita de socorro do Banco Central Europeu e dos outros
países-membros da UME. As taxas de juros
sobre os títulos da dívida do governo grego caíram para níveis próximos dos da Alemanha. Consequentemente, os custos marginais de se
incorrer em déficits foram reduzidos para o governo grego. As taxas de juros estavam agora
artificialmente baixas. A Grécia era um
país que já tinha dado vários calotes ao longo do século XX e que estava
acostumado a altas taxas de inflação e a altos déficits, bem como a um crônico
déficit na balança comercial. Apesar
disto tudo, o país passou a poder se endividar pagando praticamente as mesmas
taxas de juros da Alemanha, um país com um histórico fiscal conservador e com
um impressionante saldo na balança comercial.
Terceiro,
a tragédia dos comuns entra em
cena. Os efeitos deste
temerário comportamento fiscal do governo grego podia ser parcialmente
externalizado para os outros membros da UME, uma vez que o Banco Central
Europeu passou a aceitar títulos da dívida do governo grego como colateral para
suas operações junto ao sistema bancário.
Os bancos europeus passaram a comprar títulos do governo grego (os quais
pagavam um bônus em relação aos títulos do governo alemão) e a utilizar esses
títulos para receber empréstimos do BCE a juros baixos (atualmente a juros de
1%, um negócio altamente lucrativo).
Os
bancos compraram títulos gregos porque sabiam que o BCE iria aceitar esses
títulos como colateral para conceder novos empréstimos. Havia demanda por esses títulos gregos porque
os juros que os bancos pagavam para o BCE eram menores do que os juros que os
bancos recebiam do governo grego. Caso o
BCE não aceitasse os títulos gregos como colateral para seus empréstimos, a
Grécia teria de pagar juros muito maiores sobre sua dívida. Com efeito, o governo grego tem sido de certa
forma socorrido ou sustentado pelo resto da UME por um longo tempo, em um
perfeito exemplo da tragédia dos comuns.
Os
custos dos déficits gregos foram parcialmente jogados para outros países da
UME. O BCE criou novos euros ao aceitar
os títulos do governo grego como colateral.
As dívidas gregas foram assim monetizadas. Com o dinheiro que recebeu com a venda de
seus títulos, o governo grego elevou os gastos para ganhar apoio e popularidade
junto à população grega. Quando os
preços começaram a subir na Grécia, o dinheiro fluiu para os outros países,
elevando os preços no resto da UME. Nos
outros países-membros, as pessoas começaram a sentir os preços de suas compras
subindo mais rapidamente do que suas rendas.
Esse mecanismo significou uma redistribuição de renda a favor da
Grécia. O governo grego estava sendo
socorrido e auxiliado pelo resto da UME em uma constante transferência de poder
de compra.