segunda-feira, 6 jun 2011
À
medida que a recessão nos EUA e na Europa foi se aprofundando e a derrocada
financeira foi progredindo de rompante em rompante ao longo dos últimos 20
meses, comentários sobre os problemas da economia mundial foram se avolumando
assustadoramente. Especialistas fizeram
suas perorações; jornalistas e editores reportaram e opinaram; comentaristas de
rádio sopraram e bufaram; políticos e burocratas falaram mais incoerências do
que o habitual; acadêmicos desajeitados e inábeis, reagindo perante a luz das
câmeras como cervos assustados com os faróis dos automóveis, gaguejaram e se
enrolaram durante suas breves exposições como personagens televisivas. Todos nós fomos inundados por uma efusão
interminável de diagnósticos, prognósticos e receitas, sendo que pelo menos 95%
de tudo que foi dito tem sido pavorosamente ruim.
Já
o essencial de tudo o que foi dito também foi ruim pelas mesmas razões. A maioria das pessoas que se arvora possuir
algum conhecimento especializado sobre economia baseia-se em um arranjo comum
de pressuposições e modos de pensamento.
Rotulei essa mixórdia pseudointelectual de "keynesianismo vulgar". Trata-se exatamente da mesma conversa oca que
tem sido confundida com sabedoria econômica por mais de 50 anos e que, ao que
tudo indica, se originou com a primeira edição do livro Economics (1948), de Paul Samuelson — o livro-texto de economia
mais vendido de todos os tempos e com o qual uma pluralidade de várias gerações
de universitários aprendeu tudo o que sabe sobre análise econômica.
Desde
então, essa visão foi se arraigando nos discursos adestrados, na mídia e na
política, e acabou se estabelecendo como uma ortodoxia.
Infelizmente,
essa maneira de pensar o funcionamento da economia — em particular, suas
flutuações gerais — é um emaranhado de erros tanto de encargo quanto de
omissão. O pior de tudo tem sido as
implicações políticas derivadas desse modo de pensar — acima de tudo, a noção
de que o governo pode e deve utilizar políticas monetárias e fiscais para
controlar a macroeconomia e estabilizar suas flutuações. Apesar de ter se originado há mais de meio
século, essa visão parece ter sido tão vital em 2009 e 2010 quanto foi em 1949.
Consideremos,
então, brevemente, os seis mais egrégios aspectos dessa infeliz abordagem, para
que possamos entender e lidar com os ciclos de expansão e recessão de economia.
Agregação
John
Maynard Keynes persuadiu seus colegas economistas (e estes, depois, persuadiram
todo o público) de que faz sentido pensar a economia em termos de um punhado de
agregados econômicos: renda ou produto total, consumo total, investimento
total, gasto governamental total e exportações líquidas totais. Se as pessoas ainda se lembram de algo de
suas aulas introdutórias de economia, elas provavelmente irão se lembrar da
equação: Y = C + I + G + (X - M).
Algumas
vezes, as variáveis do lado direito da equação são substituídas por Q x P,
dando a ideia de que a oferta agregada (o produto físico vezes o nível de
preços) é igual à demanda agregada, que, por sua vez, é igual à soma dos quatro
tipos de gastos monetários com bens e serviços finais recém-produzidos.
Essa
maneira de condensar diversas transações de vasta amplitude econômica em
variáveis únicas possui o efeito de suprimir todas as complexas relações e
diferenças que existem dentro de cada
um desses agregados. Assim, dentro desse
sistema, o efeito de se adicionar $1 milhão de gastos em investimento para
aumentar os estoques de ursinhos de pelúcia é o mesmo de se adicionar $1 milhão
de gastos em investimentos para a escavação de novas minas de cobre. Do mesmo modo, $1 milhão em gastos de consumo
com ingressos de cinema possui o mesmo efeito de $1 milhão em gastos de consumo
com gasolina. Igualmente, $1 milhão em
gastos governamentais com vacinas contra a paralisia infantil possui o mesmo
efeito de $1 milhão em gastos governamentais com a aquisição de munições 7,62
milímetros.
Não
é necessário raciocinar muito para se imaginar algumas maneiras em que a
supressão das diferenças dentro de cada um dos agregados irá fazer com que nosso
pensamento econômico entre em sério desarranjo.
A
realidade é que "a economia" não produz uma massa indiferenciada de coisas a
que chamamos de "produto". Ao contrário,
os milhões de produtores que geram "oferta agregada" fornecem uma variedade
quase infinita de bens e serviços específicos que se diferem entre si de
inúmeras maneiras. Ademais, uma imensa
porção das atividades que ocorrem em uma moderna economia de mercado consiste
em transações entre produtores que não ofertam bens e serviços "finais", mas
sim matérias-primas, componentes, produtos intermediários e serviços entre
si.
Dado
que esses produtores estão conectados entre si por meio de um intrincado padrão
de relações — as quais devem assumir determinadas proporções para que todo o
arranjo funcione corretamente —, haverá consequências críticas dependendo do
que, em particular, será produzido,
quando, onde e como.
Essas
extraordinariamente complexas micro-relações são aquilo a que realmente nos
referimos que falamos sobre "a economia".
Definitivamente não se trata de um processo único e simples no qual se
produz uma gororoba uniforme e agregada.
Ademais, quando falamos de "ação econômica", estamos nos referindo às
escolhas que milhões de distintos indivíduos fazem quando selecionam um modo de
ação e reservam uma possível alternativa.
Se não há escolha, se o indivíduo não estiver limitado pela escassez,
não há uma genuína ação econômica.
Assim,
o keynesianismo vulgar, o qual se pretende um modelo econômico, ou no mínimo um
arcabouço coerente de análise econômica, acaba por excluir a própria
possibilidade de uma genuína ação econômica, substituindo-a por uma simples
concepção mecânica — o equivalente intelectual a um brinquedo de bebê.
Preços relativos
O
keynesianismo vulgar não leva em consideração os preços relativos e nem as
mudanças em tais preços. No arcabouço
keynesiano, há somente um preço, o qual é chamado de "o nível de preços", e
representa uma média ponderada de todos os preços monetários pelos quais são
vendidos todos os incontáveis bens e serviços da economia. (Há também a taxa de juros, a qual é tratada
como um preço de uma maneira limitada e enganosa, e sobre a qual falarei mais
tarde). Se os preços relativos mudam —
algo que obviamente sempre ocorre, mesmo durante os períodos mais estáveis —,
calcula-se apenas a média dessas mudanças, de modo que o nível agregado de
preços é afetado apenas de modo discreto e analiticamente irrelevante.
Portanto,
se a economia se expande em determinados setores, mas não em outros, de modo que
a configuração dos preços relativos foi alterada, os keynesianos vulgares sabem
que "demanda agregada" e a "oferta agregada" aumentaram, porém eles não têm a
mínima ideia do porquê e nem de que maneira ambas aumentaram. Tampouco eles se importam com isso. Na sua visão, o produto agregado da economia
— o único produto que eles tratam como digno de observação — é guiado pela
demanda agregada, sendo que a oferta agregada irá reagir mais ou menos
automaticamente a essa demanda agregada.
E não importa se aumentou apenas a demanda por pepinos ou, para citar um
exemplo que o próprio Keynes utilizou, apenas a demanda pela construção de mais
pirâmides. Tudo o que importa para a
economia é aumentar a demanda agregada.[1]
Como
o keynesiano vulgar não tem consideração pela estrutura de produção da economia, ele não consegue entender por
que a expansão da demanda em certas linhas de produção, mas não em outras, pode
ser algo problemático. Na sua visão, não
é possível haver, digamos, um excesso de casas e apartamentos. Um aumento nos gastos por casas e
apartamentos, na visão dele, será algo bom sempre que a economia estiver com
recursos ociosos (desempregados), independentemente de quantas casas e
apartamentos estejam hoje vazios e independentemente de quais tipos específicos
de recursos estejam ociosos e onde eles estejam nesta vasta terra.
Ainda
que os trabalhadores desempregados sejam, por exemplo, habilidosos mineiros que
trabalham na extração de prata em um extremo do país, supostamente será algo
bom se, de alguma forma, a demanda por apartamentos tiver aumentado no outro
extremo do país, pois, para o keynesiano vulgar, não existem classes de
trabalhadores individuais ou mercados de trabalho distintos: mão-de-obra será
sempre uma mesma e única variável. Se alguém
— não importam suas habilidades, preferências ou localização — estiver
desempregado, então, no arcabouço keynesiano, esse alguém voltará a estar
empregado tão logo a demanda agregada seja aumentada suficientemente, não
importa em que o dinheiro venha a ser gasto, seja em cosméticos ou em
computadores.
Essa
total simplicidade existe porque o produto agregado (Q) é uma simples função
crescente da mão-de-obra agregada (L): Q = f(L),
onde dQ/dL > 0.
Observe
que essa "função de produção agregada" possui apenas uma entrada, a mão-de-obra
agregada. Os trabalhadores aparentemente
produzem sem a ajuda de bens de capital!
Se pressionado, o keynesiano vulgar irá admitir que os trabalhadores de
fato utilizam bens de capital, mas irá insistir que o estoque de capital pode
ser considerado como "dado" e constante no curto prazo. E — esse é um ponto muito importante — todo
o seu aparato de raciocínio é voltado exclusivamente para ajudá-lo a
compreender esse curto prazo. No longo
prazo, ele pode insistir, estaremos "todos mortos", como Keynes famosamente
disse[2]; ou ele poderá simplesmente negar que chegaremos ao longo prazo caso
raciocinemos em cima de uma série de "curtos-prazos", um encaixado diretamente
no outro.
O
keynesiano vulgar, com efeito, considera que viver para o presente, e apenas
para o presente, é uma grande virtude.
Em qualquer momento oportuno, o futuro pode ser seguramente deixado de
lado, pois este irá se resolver sozinho.
A taxa de juros
O
keynesiano vulgar se importa com a taxa de juros, mas apenas em um sentido
muito restrito. Para ele, a taxa de
juros é o "preço do dinheiro" — isto é, um aluguel pago sobre o dinheiro
emprestado. Tal ato de pegar emprestado
é sempre bom, e quanto maior for o volume de empréstimos, melhor, pois os
indivíduos utilizam dinheiro emprestado para comprar bens de consumo, desta
forma "criando empregos"; e um emprego é a melhor coisa que existe no universo
conhecido. Assim, quanto menor a taxa de
juros, mais as pessoas irão se endividar e gastar, e melhor a economia irá
funcionar, pelo menos enquanto ainda houver algum desemprego em qualquer região
do país.
Dado
que algum desemprego sempre vai existir, o keynesiano vulgar está sempre
querendo que a taxa de juros seja menor do que ela é, independentemente de quão
baixa ela esteja. Se ela puder ser
artificialmente reduzida por meio de intervenções do banco central, ele
ardorosamente irá defender tais ações.
Nos EUA, o Fed já reduziu a taxa básica de juros — a taxa que os bancos
cobram uns dos outros em seus empréstimos interbancários — para o valor de
zero; ainda assim, conceituados economistas já sugeriram a excêntrica ideia de
que a taxa de juros deve ser negativa — veja Mankiw 2009. (Onde eu assino para
um empréstimo?)
O
keynesiano vulgar não entende o que realmente significa a taxa de juros. Ele é incapaz de compreender que se trata de
um crucial preço relativo — o preço
de bens disponíveis hoje em relação ao preço de bens disponíveis no
futuro. Lembre-se, o keynesiano vulgar
jamais pensa em termos de preços relativos, sendo assim perfeitamente natural
que ele seja incapaz de reconhecer como a taxa de juros afeta a escolha entre
consumo e poupança — isto é, agir de modo a possibilitar mais consumo futuro,
porém sem consumir a renda atual. Em um
livre mercado, uma redução na taxa de juros é consequência do desejo de se
consumir menos no presente, direcionando mais consumo para o futuro.
Um
livre mercado abrangeria ofertantes de fundos para serem emprestados e
demandantes destes fundos, de modo que a taxa de juros prevalecente no mercado
seria aquela que iguala a quantidade que os demandantes querem pegar emprestado
à quantidade que os ofertantes querem emprestar. Entretanto, tanto ofertantes quanto
demandantes estão fazendo suas escolhas de acordo com sua "preferência
temporal", isto é, a taxa na qual estão dispostos a trocar bens presentes por
bens futuros. Pessoas com uma "alta taxa
de preferência temporal" estão ávidas para gastar hoje ao invés de deixar para
mais tarde; logo, para induzi-las a abrir mão de seu consumo presente, os
tomadores de empréstimo devem compensá-las pagando uma taxa de juros mais alta
para poderem utilizar seus fundos.
Embora
os keynesianos vulgares reconheçam que uma taxa de juros mais baixa irá
estimular as empresas a pegar mais dinheiro emprestado e investi-lo, eles
imaginam que os planos de investimento das empresas são naturalmente volúveis e
essencialmente irracionais — guiados, como disse Keynes, pelo "espírito
animal" (1936, 161-62) dos empreendedores.
Por conseguinte, a intensidade na qual o investimento reage a uma
alteração na taxa de juros é pequena e pode ser praticamente desconsiderada.
Para
os keynesianos vulgares, a importância da taxa de juros é que ela regula a
quantidade que os indivíduos irão pegar emprestado para financiar suas compras
de bens de consumo. Esse consumismo, de
acordo com os keynesianos, é o elemento essencial para determinar o quanto as
empresas irão produzir e o quanto elas irão investir para expandir sua
capacidade de produzir. Entretanto, e
novamente, nesse arcabouço não importa qual tipo de investimento irá ocorrer:
tudo o que importa é que haja algum investimento.
O capital e sua estrutura
Como
já observado, o keynesiano vulgar considera o estoque de capital como algo
"dado". Se e quando ele pensa a
respeito, ele o considera um tipo de herança do passado e pressupõe que nada
que possa ser acrescentado ou subtraído dele no curto prazo irá provocar
alterações suficientes para gerar inquietações.
Porém, se ao capital ele dá pouca atenção, à sua estrutura ele não dá atenção alguma. A estrutura do capital é o conjunto bem
azeitado de padrões de especialização e de interrelação entre as inúmeras
formas específicas de bens de capital, os quais incorporam toda a poupança e
todo o investimento do passado. No
arcabouço keynesiano, não importa se as empresas investem em novos telefones ou
em novas usinas hidrelétricas: o capital já é dado e o que importa é investir
em qualquer capital.
Uma
vez que nesse arcabouço a estrutura do estoque de capital é desconsiderada, não
se procura entender como alterações na taxa de juros criam alterações na
estrutura do estoque de capital. Afinal,
por que se preocupar com algo que sequer reconhecem, como a estrutura do
capital? Essa cegueira intencional e
obstinada fez com que vários economistas, inclusive o recém-laureado com o
Prêmio Nobel de economia, Paul Krugman (1998), interpretassem erroneamente a
teoria austríaca dos ciclos econômicos, dizendo que se trata de uma teoria
sobre "investimentos excessivos", o que definitivamente não é verdade.
A
realidade é que a teoria desbravada por Ludwig von Mises e F.A. Hayek na
primeira metade do século XX — uma teoria que quase caiu em esquecimento após
a macroeconomia ter sido tomada de assalto pela revolução keynesiana — é uma
teoria sobre investimentos errôneos,
o que significa dizer que se trata de uma teoria que explica como uma taxa de
juros artificialmente reduzida faz com que as empresas invistam nos tipos errados de capital, mais
especificamente em bens de capital duradouros, tais como construções
residenciais e industriais, em contraste com estoques, equipamentos e
softwares, que possuem uma vida relativamente curta. Assim, na visão austríaca, taxas de juros
artificialmente reduzidas — como aquelas vigoraram na economia americana entre
2002 e 2005 — levam as empresas a sobreestimar projetos de longo prazo
intensivos em capital, direcionando seus gastos em investimento nessa direção,
produzindo, dentre outras coisas, um boom expansionista na construção
civil. Essa mudança de investimento
faria sentido econômico caso a taxa de juros houvesse sido reduzido em um livre
mercado, o que significaria que as pessoas estariam assim desejando adiar o
consumo presente e poupar uma fatia maior de sua atual renda.
Porém,
se as pessoas não tiverem mudado suas preferências e, por isso, continuarem
preferindo o consumo presente na mesma intensidade que antes, então as empresas
irão cometer erros caso escolham esses tipos de investimentos, os quais são,
com efeito, tentativas de antecipar demandas futuras que jamais se
consolidarão. Quando os projetos
finalmente começarem a dar prejuízo, a expansão econômica criada pela redução
artificial das taxas de juros irá entrar em colapso e gerar uma recessão, com
um concomitante aumento nas falências e no desemprego da mão-de-obra, à medida
que projetos insustentáveis vão sendo liquidados e recursos vão sendo
direcionados — dolorosamente, na maioria dos casos — para usos mais viáveis.
Como
o keynesiano vulgar não considera essas microdistorções e não vê a necessidade
de elas serem corrigidas após o término do crescimento econômico
artificialmente induzido, ele é incapaz de entender a importância e a
necessidade das falências e do desemprego que inevitavelmente ocorrem durante
uma reestruturação econômica (recessão).
Supõe o keynesiano: se ao menos o governo interviesse e incorresse em
déficits orçamentários para compensar essa redução no investimento privado e
nos gastos em consumo, as empresas iriam recuperar sua lucratividade e os
trabalhadores estariam reempregados sem que para isso houvesse a necessidade de
qualquer tipo de reestruturação econômica.
Não
é surpresa alguma, portanto, que as pessoas que seguem tal linha de pensamento
estão atualmente empenhadas em dar continuidade às mesmas políticas que
contribuíram enormemente para produzir a expansão econômica insustentável que
ocorreu no período 2002-2006 nos EUA e na Europa — no caso, empréstimos
baratos ou subsidiados para pretensos donos de imóveis, os quais não eram
capazes sequer de preencher os requisitos normais de qualificação comercial
para receber tais empréstimos. Não
ocorre aos keynesianos vulgares que um excesso de recursos foi direcionado para
a construção de imóveis; tampouco lhes ocorre que emprestar para pessoas que só
podem adquirir um imóvel caso sejam subsidiadas é sinal de que recursos estão
sendo direcionados para fins não racionais e não econômicos, e tudo à custa dos
pagadores de impostos que, direta ou indiretamente, financiaram esses
subsídios.
Investimentos errôneos e criação de
dinheiro
Munidos
de sua grande, simples e inabalável fé na eficácia dos gastos do governo em
equilibrar as condições macroeconômicas, os keynesianos vulgares desconsideram
a ocorrência de todo e qualquer investimento errôneo, no passado e no futuro, e
defendem que o governo gaste muito mais do que arrecada, sendo essa diferença
coberta por empréstimos. É claro, eles
defendem intervenções do banco central voltadas para fazer com que tais
empréstimos sejam baratos para o governo.
Com efeito, eles cronicamente preferem que o banco central adote
políticas de "crédito fácil e barato" ao invés de políticas mais restritivas.
Como
observado anteriormente, eles preferem esse crédito fácil e barato não apenas
porque tal medida reduz o custo visível de se financiar os déficits do governo,
mas também porque ela induz os indivíduos a tomarem emprestado mais dinheiro
para gastar em bens de consumo — tal aumento do consumo sendo visto como algo
sempre bom, não obstante a taxa de poupança dos americanos já sendo de quase
zero nos últimos anos.
Keynesianos
vulgares não perdem muito tempo se preocupando quanto ao potencial
inflacionário de suas medidas; pelo contrário, eles são dominados por um temor
irracional de que possa haver o menor sinal de deflação. Caso a inflação
saia do controle e venha a se tornar um problema inegável, pode ter a certeza
de que eles irão defender políticas de controle de preços, as quais,
baseando-se em conhecimentos superficiais a respeito de tais controles durante
a Segunda Guerra Mundial, eles estão convencidos de que podem funcionar muito
bem.
Incerteza do regime
Keynesianos
vulgares não são nada mais do que ativistas políticos. Assim como Franklin D. Roosevelt, eles
acreditam que o governo deveria "tentar alguma coisa", e, caso isso não
funcione, deveria então tentar qualquer outra coisa (Roosevelt 1933, 51). Melhor ainda seria se o governo tentasse
várias coisas ao mesmo tempo e, caso o truque não funcionasse, apenas continuar
despejando mais dinheiro nesses programas, indefinidamente, além de tentar
também algo totalmente novo — pois uma hora vai dar certo.
As
épocas que eles consideram nostalgicamente como sendo as mais gloriosas da
história político-econômica dos EUA, por exemplo, são o primeiro mandato de
Roosevelt como presidente e os primeiros anos de Lyndon B. Johnson na
presidência. Nesses períodos,
testemunhamos uma efusão de novas medidas governamentais para gastar, tributar,
regular, subsidiar e em geral criar danos econômicos em uma escala
extraordinária e inaudita. O governo
Obama e seus ambiciosos planos de ação governamental encantam os keynesianos
vulgares e os enchem de esperança de que um terceiro Grande Salto Para a Frente
já começou.
O
keynesiano vulgar não entende que o extremo ativismo político pode funcionar contra a prosperidade econômica, pois
cria aquilo que chamo de "incerteza do regime", uma difusa e generalizada
incerteza quanto à própria natureza da iminente ordem econômica, especialmente
em relação a como o governo irá tratar os direitos de propriedade no futuro
(Higgs 1997). Esse tipo de incerteza
desestimula especialmente os investidores, deixando-os temerosos de colocar
dinheiro em projetos de longo prazo.
Tais investimentos de longo prazo, que desapareceram dos EUA quase que
por completo após 1929, só vieram a se recuperar plenamente após a Segunda
Guerra Mundial.
Alguns
observadores já comentaram, nos últimos meses, que de fato se criou nos EUA uma
incerteza de regime em decorrência da frenética série de pacotes governamentais
de socorro, de resgate, de empréstimos de emergência, de aquisições, de
estímulo e de outras medidas extraordinárias condensadas em um período de menos
de um ano (ver, por exemplo, Boettke 2008, Gonigam 2009 e Lam 2009). Com o governo Obama no comando da situação e com
as eleições se aproximando, tudo indica que haverá uma continuação desse tipo
de ativismo político frenético. Bem não
pode fazer, mas pode machucar um bom bocado.
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Referências
Boettke,
Peter. 2008. "Regime
Uncertainty." The Austrian Economists, October 6.
Cantor,
Paul. 2002. "Keynes and the
Pyramids." Mises Daily, October 14.
Gonigam,
Dave. 2009. "Regime
Uncertainty." The Daily Reckoning, March 4.
Hennings,
K. H. 1987. "Capital as a Factor of Production," in The New
Palgrave: A Dictionary of Economics edited by John Eatwell, Murray
Milgate, and Peter Newman, 327-33. New York: Stockton Press.
Higgs,
Robert. 1997. "Regime Uncertainty: Why the Great Depression Lasted So Long
and Why Prosperity Resumed after the War." The Independent Review 1,
no. 4 (spring): 561-90.
Keynes,
John Maynard. 1936. The General Theory of Employment, Interest, and
Money. New York: Harcourt, Brace and World.
Krugman,
Paul. 1998. "The Hangover
Theory: Are Recessions the Inevitable Payback for Good Times?", Slate,
December 4.
Lam,
Carlos. 2009. "'Regime
Uncertainty' Further Delays Economic Growth." Seeking Alpha,
April 3.
Mankiw,
N. Gregory. 2009. "It
May Be Time for the Fed to Go Negative." New York Times,
April 18.
Roosevelt,
Franklin D. 1933. Looking Forward. New York: John Day.
Samuelson,
Paul A. 1948. Economics: An Introductory Analysis. New York:
McGraw-Hill.
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Notas
[1]
Em seu A Teoria
Geral, Keynes escreveu: "Construir pirâmides, terremotos e até mesmo guerras
podem ser úteis para aumentar a riqueza" (1936, 129). Provocado pela afinidade keynesiana para com
a construção de pirâmides, Paul Cantor graceja: "Se Keynes gostava de
pirâmides, então deveria haver algo de errado com elas; e de fato parece haver
uma conexão entre gostar de pirâmides e gostar e gostar de um governo grande"
(2002).
[2]
Essa declaração frequentemente citada de Keynes na realidade não é tão ridícula
quanto normalmente aparenta ser. Sua
declaração contextualizada, em
seu Tract on Monetary Reform, de 1923, é: "O
longo prazo é uma orientação enganosa para as questões atuais. No longo prazo todos estaremos todos
mortos. Os economistas se impõem uma
tarefa muito fácil e muito inútil se, em épocas de tempestade, eles se resumirem
a nos dizer que quando a tormenta passar o oceano ficará calmo novamente". Essa citação está disponível na Wikiquote.