A economia americana está oficialmente no mais longo
período ininterrupto de crescimento de sua história, com inimagináveis 121
meses consecutivos de expansão do PIB. A bolsa americana atingiu, ao final de
julho, a máxima histórica, com alta de 18% em 2019.
No entanto, as previsões de crescimento para a
economia mundial estão cada vez mais fracas, e o comércio internacional está
estagnando. Estará o mercado demasiado sereno e complacente?
É uma pergunta crítica, pois quando os Estados Unidose
os países desenvolvidos espirram, os países periféricos como o Brasil pegam
gripe.
As taxas de juros dos títulos de 10 anos emitidos pelos
seguintes governos estão
negativas: Japão,
Alemanha, Dinamarca, Suíça, Áustria, Holanda, Finlândia, Bélgica e França. Esta anomalia significa que o
investidor espera receber após dez anos menos do que investiu. É pior do que guardar
o dinheiro debaixo do colchão, onde pelo menos não se perde. A aberração revela
uma perspectiva alarmante quanto à saúde da economia
mundial, riscos geopolíticos, ou eventual espiral deflacionária.
Mais de US$ 12 trilhões em títulos
amargam hoje juros negativos. A título de comparação, a dívida líquida
total do governo brasileiro, uma das dez maiores do mundo, é de cerca de US$ 1
trilhão.
A Parábola dos Talentos, do Evangelho de Mateus, aponta
uma preciosa lição
sobre investimentos, juros, risco e empreendedorismo. Um senhor rico confia
sua poupança aos cuidados de três assessores enquanto viajava durante um ano.
Os dois primeiros dobraram o investimento ao aplicá-lo em empreendimentos. O
terceiro, que enterrou o dinheiro em segurança, foi repreendido. Seu mestre o
considerou arruinador de sua poupança, pois, houvesse aplicado no banco, auferiria
ao menos um rendimento, com menos trabalho.
No mundo de hoje, o investidor em títulos com juros
negativos mereceria reprimenda ainda mais veemente que a do assessor.
Juros negativos desafiam 5.000 anos de mercado
financeiro, que sempre premiou a espera e a postergação do consumo. A poupança
tem sido impiedosamente corroída pela inflação no mundo desenvolvido devido aos
juros negativos. Estão em xeque a viabilidade dos fundos de pensão e dos
sistemas de previdência e a rentabilidade dos bancos.
A intervenção dos bancos centrais por juros cada vez
mais baixos força a alta de ativos como ações, imóveis, commodities, e os já
mencionados títulos de dívida. Afinal, quando se pode tomar empréstimos longos
a juros zero, até a compra de bilhetes de loteria se torna atrativa. Mas isto não
pode continuar indefinidamente.
Finalmente, há um risco que não me parece bem
apreçado: o geopolítico.
O ex-agente da KGB Putin, há 20 anos no poder e que
certa vez disse que a dissolução da União Soviética foi o maior desastre do
século, continua expansionista. A Rússia permanece na Ucrânia, e está
desenvolvendo mísseis de médio alcance, em descumprimento ao tratado com os
Estados Unidos, que o denunciou.
Já a meteórica ascensão da China intensificou a rivalidade
com os Estados Unidos, que pode sair do controle. A denominada 'Armadilha
de Tucídides' sugere que, quando uma nova potência ameaça destronar uma
potência reinante, a guerra é quase sempre o desfecho, como foi o caso na
guerra do Peloponeso entre Esparta e a novata Atenas. A guerra não precisa ser
bélica para causar consequências severas nos mercados, como se constata na
questão da guerra comercial e nas hostilidades
contra a Huawei, líder da tecnologia 5G. De seu lado, a China desafia o
Direito Internacional ao construir ilhas militares
artificiais no Mar da China Setentrional.
Todo cuidado é pouco nos investimentos.
Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo