O Brasil é o país da jabuticaba. Há coisas que
só existem por aqui e, pior, são tratadas como verdadeiras vacas sagradas.
O mais notório exemplo é a nossa Justiça do Trabalho,
uma excrescência só encontrada aqui e talvez em meia dúzia de países proto-socialistas,
como Venezuela e Bolívia. Nossas legislações trabalhistas e sindicais, que
remontam ao período de Getúlio Vargas, então, são jabuticabeiras carregadas,
mas ai de quem cogitar mexer nelas.
Outra frondosa jabuticabeira tupiniquim é o chamado
"Sistema S".
Criado na década de 1940 e convalidado pela constituição de 1988, o "Sistema
S", na definição do jurista Hely Lopes Meirelles, é composto de "Serviços
Sociais autônomos, instituídos por lei, com personalidade jurídica
de direito privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias
sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por
dotação orçamentária ou contribuições parafiscais."
Em geral, essas "contribuições" incidem sobre a
folha de pagamento das empresas e são repassadas às entidades privadas
correspondentes –— CNA (SENAR), CNI (SESI/SENAI), CNC (SESC/SENAC), CNT
(SEST/SENAT), SEBRAE e outras. Atualmente, o imposto pago pelas empresas ao
"Sistema S" soma nada menos que 5,80%
do total dos salários pagos no país.
Em 2015, na onda do pacote fiscal encaminhado ao
Congresso pelo então ministro da fazenda Joaquim Levy, o governo cogitou
retirar parte dos recursos do "Sistema S" para cobrir o déficit orçamentário.
As reações, como acontece sempre que se mexe com interesses organizados e
concentrados, foram fortes e imediatas.
"Se o governo encaminhar a proposta de
corte, estaremos prontos para a guerra no Congresso Nacional. Não vamos
permitir que o governo feche escolas ou deixe de dar oportunidade a milhões de
alunos em escolas de qualidade na formação profissional, na prática de esporte
e na cultura. Não acredito que essa intenção irá prosperar",
disse Paulo Skaf, presidente da FIESP.
O valente disse ainda que "O governo está
querendo atrapalhar aquilo que funciona bem. Todos reconhecem o trabalho que
Sesi, Senai e Sebrae fazem em São Paulo. Para o Brasil, o custo-benefício é
excelente. Há pesquisas que mostram que a indústria está feliz em pagar a
contribuição. Ela reclama de pagar imposto."
Não é por acaso que os caciques tupinambás da FIESP
logo se pintaram para a guerra, tal é o interesse deles na manutenção do sistema.
Mas, esperem um pouco. Algo simplesmente não fecha nesse discurso.
Se a coisa é assim tão bonita e eficiente, tão
benéfica para as empresas, por que a arrecadação tem de ser compulsória? Se
as indústrias estão tão satisfeitas com os resultados alcançados, então elas certamente
irão contribuir de forma voluntária para bancar o sistema, caso o tributo fosse
extinto ou reduzido. Certo?
É uma questão de lógica: se algo contribui para
melhorar a produtividade dos meus funcionários e, consequentemente, da minha
empresa, não é preciso que me obriguem a adquiri-lo, pois o farei de bom grado,
como um investimento.
Infelizmente, entretanto, a coisa não é assim tão
maravilhosa como alegam os donos dessa jabuticabeira (daí ser compulsória em
vez de voluntária). Apesar da enorme arrecadação do "Sistema S", a
produtividade da mão-de-obra brasileira, por exemplo, continua muito
ruim. Sinal de que o dito "aperfeiçoamento profissional" não tem
funcionado a contento.
Em 2012, por exemplo, a produtividade do trabalhador
brasileiro foi de meros
26,2% da produtividade do trabalhador norte americano, enquanto a dos
argentinos foi de 35,5% e dos mexicanos 34,4%. Pior: a produtividade
tupiniquim também é bem menor que a de muitos outros países em
desenvolvimento.
Além de ineficiente como instrumento de qualificação
profissional, sempre houve fortes indícios de que o sistema, na verdade uma grande caixa-preta, opera com desvio de
finalidade e funcionando, na prática, como um extenso cabide de empregos.
As contribuições deveriam, em tese, ser revertidas,
em sua totalidade, em benefício do trabalhador, na forma de cursos
gratuitos e atividades que visassem ao aperfeiçoamento profissional. Mas o
que se vê não é exatamente isso. A maior parte dos cursos é paga, enquanto a maioria dos
cursos gratuitos está sendo ministrada à distância, o que obviamente os torna
menos onerosos para a instituição.
O senador Ataídes Oliveira denunciou desvio dos recursos
arrecadados pelo sistema. Segundo ele, mais de R$
18 bilhões dos recursos do Sistema S foram aplicados no mercado financeiro.
Pior: além de pagar supersalários aos seus
executivos (segundo o senador, a folha de salários do sistema soma mais de R$ 5
bilhões), o "Sistema S" virou uma espécie de feudo dos políticos. Em troca da
segurança de que nunca vão mexer naquela caixa preta, os partidos utilizam o sistema
para dar empregos aos amigos do rei. Até 2016, como não poderia deixar de
ser, quem comandou a farra foi o PT. Entre os dirigentes da entidade que recebiam
salários nababescos para administrar montanhas de dinheiro estava Gilberto
Carvalho, que, logo após deixar o governo, assumiu a presidência do SESI, no lugar de Jair Meneguelli,
que lá ficou por 12 anos. Outro petista, Luiz Barretto Filho, presidiu
o SEBRAE de 2011 a 2015. É isso que chamam de "serviços sociais
autônomos"?
Mas o descalabro não para por aí. Uma das noras do
ex-presidente Lula, Marlene Araújo Lula da Silva, formalmente trabalhou no
"escritório de representação" do Sesi em São Bernardo do Campo. Em situação
semelhante estava Márcia Regina Cunha, mulher do mensaleiro petista condenado
João Paulo Cunha. Outro ponto comum entre Márcia e Marlene é que não costumam
comparecer ao local de trabalho: uma em São Bernardo; a outra, em Brasília.
E agora, para coroar, vem
esta notícia recente, de fevereiro de 2018:
Com
a ajuda do ex-governador Sérgio Cabral, o presidente afastado da Federação
do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio), Orlando
Diniz, desviou, segundo a investigação, ao menos R$ 3 milhões de duas entidades
do Sistema "S", o Sesc e o Senac-RJ, para a Thunder Assessoria Empresarial,
firma na qual figura como sócio-administrador.
Esta
conexão, apontada pela força-tarefa da Operação Calicute, versão da Lava-Jato
no Rio, é um dos fundamentos da prisão preventiva de Diniz nesta sexta-feira,
ordenada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio.
Conclusão
O Sistema S é um verdadeiro sorvedouro de recursos
públicos em prol dos apaniguados de políticos influentes. Qualquer reforma
fiscal digna deste nome teria de incluir estudos sobre a real necessidade de
manutenção desse sistema anacrônico e improdutivo.
Por tudo isso, já passou da hora de começarmos a
discutir seriamente a extinção dessa verdadeira estrovenga, que, além de
encarecer o custo da mão-de-obra, não tem promovido a capacitação profissional
que deveria, como mostram os índices de produtividade. Até porque, repito,
se o negócio é assim tão bom como alegam, seus recursos não precisariam ser
arrecadados compulsoriamente.