É difícil
existir outra área do conhecimento mais aberta que as ciências econômicas.
Nenhuma surpresa. Várias vezes ao dia nos vemos engajados em algum negócio,
seja tomando um cafezinho seja fechando grandes transações financeiras. E mais,
somos bombardeados com notícias sobre economia o tempo todo. É um convite
irresistível para debates, às vezes bem acalorados, envolvendo as teses e
opiniões de cada um acerca desse instigante assunto. Afinal de contas, todo
brasileiro é Ministro da Fazenda e técnico da seleção nacional de futebol.
Nas
discussões um pouco mais sofisticadas, as pessoas frequentemente utilizam
argumentos racionais (teoria) ilustrados por exemplos práticos. É pré-requisito
indispensável em qualquer exercício racional que os interlocutores sejam
capazes de construir relações abstratas, erguidas sobre os alicerces dos
princípios lógicos, especialmente da lógica da ação humana quando o assunto é
Economia. Em outras palavras, é preciso pensar, elucubrar. Nos parágrafos
posteriores tentarei enfatizar o quão importante é o uso da imaginação nas
análises econômicas.
Frédéric
Bastiat, jornalista e economista francês do século XIX, brilhantemente apontou
a importância daquilo que não é captado imediatamente pelos olhos. Em seu
famoso ensaio O que se vê e o que não se vê,
Bastiat explora a chamada "falácia da vidraça quebrada". Diante de uma vitrine
quebrada por um enfant terrible, um grupo de adultos consola o dono da
loja, argumentando que aquele incidente, à primeira vista negativo, seria
convertido em benefícios para a comunidade. O proprietário compraria uma nova
vidraça, beneficiando o vidraceiro, que por sua vez teria sua renda aumentada,
podendo gastá-la com outros bens e serviços, provocando uma espécie de reação
em cadeia positiva para todos. O garoto, aproveitando um termo muito em voga em
nosso tempo, teria gerado um "estímulo" à economia local, segundo as
testemunhas.
Eis que
Bastiat desmonta a pegadinha. Sim, é verdade que o vidraceiro foi beneficiado
com um novo pedido, e que esta renda pôde ser gasta com outros produtos, de
outros indivíduos. Isso é o que se vê. Mas o lojista perdeu uma vidraça... Caso
ela não fosse quebrada, o proprietário poderia desembolsar aquele valor em
outras benfeitorias, por exemplo instalando mais prateleiras no
estabelecimento. O mesmo processo de circulação de recursos seria desencadeado,
com a diferença que a comunidade teria mais bens disponíveis. Isso é o que não
se vê. O autor francês mostra, no final das contas, o quão importante são as
abstrações do tipo "e se...", sempre apoiadas pela lógica da ação, essa
magnífica ferramenta da razão humana.
Vejamos
outra aplicação da mesma técnica. Quando os mercados são entendidos como
processos dinâmicos, impulsionados pelo incansável trabalho dos empresários, a
mera capacidade de abstrair fenômenos é fundamental para compreender as forças
importantíssimas numa economia livre. Por exemplo, é pertinente dizer que não é
satisfatório enxergar a concorrência nos mercados apenas pelo número de
empresas neles atuantes, ou seja, por aquilo que se vê. Existem setores com
vários ofertantes e baixa concorrência; por outro lado, há casos com apenas uma
firma em campo e que constantemente procura melhorar seus produtos e atender
melhor seus clientes, comportamento típico de mercados com acirrada competição.
Nesse sentido, uma abordagem que contemple a idéia de concorrência potencial
tem maior capacidade descrever a realidade.
A
possibilidade de ter seu quinhão contestado leva os empresários a agirem como
se estivessem sob competição efetiva. Lucros altos e consumidores relativamente
insatisfeitos funcionam como sinalizadores para que empreendedores e
investidores direcionem recursos para o setor em questão. Um caso emblemático é
o famoso site de pesquisas Google. Apesar de concentrar mais de 90% das
pesquisas feitas na rede, a empresa continuamente procura melhorar seus
produtos e serviços. Benevolência? Não, concorrência potencial. Como a internet
é um dos últimos rincões de plena liberdade de investimento, quem faz dela seu
ganha-pão sabe que deve estar um passo à frente de seus concorrentes, ainda que
efetivamente eles possam não existir.
Os
resultados esperados da competição (preços declinantes, incremento na qualidade
etc) dependem, nesse sentido, mais da possibilidade de entrada de novos
investidores nos mercados do que o número de empresas em si. A liberdade de
realização de novos investimentos, por sua vez, relaciona-se com a ausência de
barreiras institucionais e burocráticas. Num breve parêntese, é interessante
notar como grandes empresas estabelecidas não veem com maus olhos a progressiva
regulamentação que os governos mundo a fora têm promovido. A regulamentação dos
mercados acaba por protegê-las, dificultando a entrada de novos concorrentes.
Mais uma vez, é preciso considerar aquilo que não se vê.
Henry
Hazlitt, em seu clássico Economia Numa Única Lição, de forma muito perspicaz
postulou que "a arte da economia está em considerar não só os efeitos imediatos
de qualquer ato ou política, mas, também, os mais remotos; está em descobrir as
consequências dessa política, não somente para um único grupo, mas para todos
eles." No atual cenário de crescente intervencionismo e de noticiário econômico
muitas vezes confuso, os ensinamentos de Bastiat e Hazllitt são cada vez mais
importantes. Na próxima conversa com seus amigos, fique atento com aquilo que
os olhos não enxergam. Pense nisso e use sua imaginação.
* Artigo
publicado originalmente na 3a. edição da Revista
Vila Nova.