"Um sistema de papel-moeda fiduciário não foi tentado séculos atrás na China? Ele durou quanto tempo? Por que deixou de existir?"
Foi tentado sim, mas experimentou hiperinflação em quase todo o período vigente.
Quando os mercadores chineses começaram a usar dinheiro de papel na dinastia Tang(que se estendeu de 618 a 907 d.C.), mal podiam prever essas dificuldades. Na época, a introdução de cédulas de papel, que podiam ser trocadas por moedas ao fim de uma longa jornada, foi muito vantajosa. O papel diminuía a carga dos comerciantes, permitindo que transportassem grandes quantias de dinheiro a distâncias consideráveis.
A prática assumiu proporções nacionais no século 10, quando um corte no fornecimento de cobre obrigou o imperador da dinastia Song a colocar imediatamente em circulação as primeiras cédulas do mundo. Uma série de invenções chinesas anteriores – o próprio papel, tinta e artes gráficas – contribuiu para isso.
Tinha surgido por volta do ano 1000 na província chinesa Sichuan, mais conhecida hoje por sua culinária. Naquela época, Sichuan fazia fronteira com Estados estrangeiros por vezes hostis. As autoridades chinesas não queriam que ouro e prata fossem parar no exterior. Daí, impuseram a lei de que Sichuan usaria apenas moedas de ferro. O problema era a disparidade de valores: um punhado de moedas de prata, por exemplo, era convertido em mais que o peso do interessado se convertido para ferro.
Isso criava problemas para os comerciantes de Sichuan e seus clientes. Era ilegal usar moedas de ouro e prata, mas nada prático trabalhar com ferro. Nenhuma surpresa, então, que tenham surgido como alternativa os jiaozi - ou bilhetes de intercâmbio.
Tratava-se simplesmente de notas promissórias. Em vez de carregar toneladas de moedas de ferro, um mercador conhecido e de boa reputação fazia uma promessa de que pagaria as contas em outro momento, quando a transação fosse mais conveniente para todos.
A ideia fazia sentido, mas logo ocorreu algo inesperado - os jiaozi começaram a ser comercializados livremente.
Um exemplo? Suponhamos que, depois de uma transação com o respeitável senhor Zhang, você recebe em troca uma promissória. Em uma transação com outro comerciante, você poderia emitir uma nota, mas por que não fazer algo mais simples e passar a promissória de Zhang?
Afinal, sabemos que ele é de confiança.
A partir daí, cria-se uma versão primitiva do dinheiro de papel: uma promessa de reembolso que tem valor de mercado em si mesma e que pode ser transferida de uma pessoa para outra sem ser cobrada.
O negócio é ainda mais interessante para o senhor Zhang. Se sua promissória continuar passando de pessoa para pessoa, ele jamais terá que carregar moedas de ferro.
É como se desfrutasse de um empréstimo sem juros durante todo o tempo em que a promissória circular. Melhor ainda: um empréstimo que talvez nunca tenha que pagar.
Sendo assim, as autoridades chinesas perceberam que podiam ser as beneficiárias do sistema. Regulamentaram a emissão de jiaozi e seu uso.
Pouco depois, proibiriam jiaozi privados. O título oficial foi um sucesso - circulava por várias regiões e até fora do país e tinha mais valor que moedas de ferro, pois era mais simples de transportar.
Inicialmente, o jiaozi emitido pelo governo chinês podia ser cobrado livremente, assim como os privados.
O sistema era bastante lógico, pois assumia que as notas representavam algo de valor real. Mas o governo modificou o sistema mais tarde, criando um esquema fiat, abandonando a prática de pagar em metal pelos jiaozi.
Se chegava ao Tesouro para cobrar um jiaozi velho, você sairia com outro mais novo. Um passo bastante moderno.
Afinal, o dinheiro que usamos hoje é criado por bancos centrais e não está respaldado por muito mais que a promessa de troca de notas velhas por novas.
Saímos da situação em que a promissória do senhor Zhang circulava sem ser cobrada para a bizarra situação em que, apesar de nunca poderem ser liquidadas, notas do governo circulam.
O dinheiro fiat é uma tentação para os governos: uma gestão com muitas contas para pagar pode simplesmente imprimir mais dinheiro. Porém, quando há mais dinheiro para pagar pela mesma quantidade de bens e serviços, os preços tendem a subir.
Essa tentação logo se tornou irresistível na China: a dinastia Song emitiu jiaozi demais, e falsificações se tornaram um problema. Apenas décadas após sua invenção, o jiaozi estava desvalorizado e desacreditado. Era negociado a apenas 10% de seu valor original.
Em tempos bem mais modernos, as coisas foram ainda piores para outros países. A Alemanha no período entreguerras e o Zimbábue do século 21 são dois exemplos de países que sofreram um colapso econômico quando o excesso de impressão de dinheiro fez com que os preços disparassem.
Não foi atoa que a dinastia Song caiu perante os mongóis, apesar também de contar com um exército extremamente capacitado.
Quando Marco Polo visitou o império mongol, nos anos 1200, ficou impressionado com as sofisticadas moedas cunhadas de Kublai Khan, associadas a uma economia aparentemente em expansão. (Mas o explorador não percebeu os sinais da inflação provocada pela rápida impressão de notas.) Se eu não me engano, a única observação do ponto de vista monetário, foi o fato da moeda não ter lastro, ignorando aspectos inflacionários dessa causa.
A novidade era mais do que o material: o valor dessas notas não vinha do objeto, ao contrário de moedas de ouro e prata, mas sim da chancela das autoridades do governo do Khan. Bastava a ordem de Khan assegurar com o carimbo oficial eram dinheiro. O explorador veneziano ficou fascinado com a genialidade que do sistema. Perguntava-se onde ficava o ouro que não estava circulando.
A resposta? Sob rigoroso controle do imperador.
Com a queda dos mongóis perante a dinastia Ming, os imperadores tentaram usar papel-moeda(nomeado "Da Ming Baochao"), mas este experimentou a mesma hiperinflação que seus predecessores e o uso foi abandonado por cunhagem de moedas, principalmente ancorados ao valor da prata. O papel-moeda só foi usado novamente a partir do século 19, sob a dinastia Qing e desse fato em diante, dispensa apresentações.
Basicamente isso.